Às vésperas de eleições, Uruguai enfrenta cenário inusitado após 15 anos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Uruguai está diante de um cenário desconhecido por 15 anos no país: seja com a possível tomada de um centro-direita no poder, ou com maiores conflitos no campo político

Foto: Fernando Ponzetto/El Pais Uruguai

Publicado, originalmente, dia 19 de novembro

Jornal GGN – As disputadas eleições no Uruguai podem modificar o cenário de um país que leva 15 anos da coalizão de esquerda Frente Ampla no poder e que, uma década e meia depois, corre o risco de perder a previsibilidade política e eleger o candidato da centro-direita Luis Lacalle Pou, que vem apostando seu discurso na “renovação”.

Da mesma forma que o primeiro turno, as pesquisas eleitorais mostram uma equiparação de forças: 47% dizem votar em Lacalle, contra 42% em das intenções de voto, contra 42% no governista Daniel Martínez. No Uruguai, as eleições que ocorrem a cada 5 anos precisam contar com o voto de 50% mais um para eleger o presidente em primeiro turno. Por isso, apesar de Martínez ter levado uma diferença de mais de 10 pontos percentuais acima de Lacalle na primeira contagem, ambos voltam a concorrer neste domingo, com maiores riscos à coalizão que vinha governando o país.

Apesar de ter conquistado 39,2% dos votos no último 27 de outubro, sobre 28,6% de Lacalle Pou, o governista vem sofrendo um pequeno revés nas últimas pesquisas. O nacionalista conseguiu registrar 47% das intenções de voto, contra 42% do frente-amplista, de acordo com a pesquisa Equipo Consultores, divulgada hoje (19), uma virada que vem preocupando o partido de esquerda.

De acordo com um informe do instituto de pesquisa, Lacalle “está conseguindo atrair a grande maioria dos eleitores dos partidos de oposição do primeiro turno, ainda esteja abaixo da votação total da oposição [na ocasião do primeiro turno, que em soma atingiu 54%]”.

“Isso não significa que a eleição está definida”, continuou o relatório. “Podem se posicionar não somente os indecisos, como também alguns que estavam inclinados aos candidatos em si. Como se trata de uma eleição binária, se Martínez consegue absorver para a sua candidatura somente ponto percentual dos eleitores de Lacalle Pou, a diferença se reduzirá em dois pontos, ou vice-versa”, completou o documento.

Outra pesquisa anterior, da empresa Radar, divulgada há exatamente uma semana, indicava uma distância maior para o candidato de centro-direita, com então 49,6% das intenções de votos, contra 42,5% de Martínez.

A concorrida diferença, somada à margem de erro das pesquisas eleitorais, traz ainda outra novidade: os indecisos e os que afirmam que votarão em branco carregam nestas eleições 2019 uma importância maior e têm sido a mira, nesta última semana de campanhas, da atenção dos candidatos.

Na pesquisa da última semana, 4% afirmava que votariam em branco ou nulo e 3,9% ainda estava indeciso. Este número chegou a aumentar com o levantamento desta terça, 6% em ambos os grupos, o que significa um total de 12% dos eleitores uruguaios que ainda não se posicionaram.

A disputa voto a voto nestes últimos dias têm marcado os discursos, tanto da Frente Ampla, quanto do Partido Nacional. Enquanto no primeiro a tentativa de angariar indecisos recorre ao receio de uma crise similar à de 2002 se vence a oposição, o segundo apela à significação da mudança e alternância democrática de poder. Estes discursos já estavam previstos antes mesmo do resultado de outubro: qualquer que fosse o candidato opositor ao frente-amplista, os tons seriam medidos dessa forma.

“A mensagem de hoje é a de alternância plural, não a alternância de um mesmo partido”, disse Lacalle, no domingo pela noite. Um dia antes, Martínez falava em receio a que “se repitam no Uruguai coisas que já ocorreram no passado”. “Os uruguaios somos um povo inteligente e vai eleger a quem oferece uma garantia e não um cheque em branco”, definiu em outro momento o governista.

Na visão de cientistas políticos, contudo, a quatro dias da população retornar às urnas, Martínez já teria perdido o fio de uma possível liderança neste segundo turno, com a pequena, mas possivelmente decisiva diferença nos placares de votação, uma vez que qualquer dos três opositores de Daniel – além de Lacalle, Ernesto Talvi (do Partido Colorado) e Guido Ríos (do Cabildo Aberto), deveriam somar eleitores contra o governista.

E os riscos não estão somente no Executivo, porque mesmo se Martínez garantisse o posto, teria que enfrentar outras duas batalhas na gestão: um Congresso que pelas pesquisas eleitorais já denota a maioria opositora (de centro-direita) e a conquista de uma liderança interna no partido Frente Ampla, que no caso de Daniel Martínez não surgiu de maneira nata como seus antecessores Pepe Mujica e Tabaré Vázquez.

O partido que foi criado em 1971 no país, apresenta algumas características que se opõem à esquerda de outros vizinhos, historicamente reconhecido por abarcar diversas linhas internas, desde setores comunistas, socialistas até democratas cristãos. Além disso, se por um lado se apresenta como progressista no campo social, também carrega traços liberais na economia e pragmáticos na política.

O crescimento econômico dos mandatos do partido no país, os dois de Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020), intercalado pelo de José Pepe Mujica (2010-2015), este último que se tornou referência da esquerda no mundo, de 4,3% ao ano, coincidindo com um déficit fiscal também elevado, de 4,8% em 2018, marcaram as gestões, assim como a decisão de legalização da maconha, a defesa do liberalismo social, o aumento da percepção de falta de transparência com o caso da petroleira estatal Ancap, e a luta contra o tabagismo.

Qualquer que seja o resultado obtido neste domingo (23), o Uruguai está diante de um cenário desconhecido por 15 anos no país: seja com a possível tomada de um centro-direita no poder, ou com maiores conflitos no campo político para a aprovação de propostas da tradicional esquerda uruguaia, em uma nação que já está dividida e que não é mais a mesma daquela ilha estável em uma turbulenta América Latina.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

9 Comentários

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  1. Os Uruguaios estão num dilema. Como chegamos até aqui, com este padrão de vida, com esta escolaridade, sem cracolândias, sem favelas, sem 100.000 assassinatos por ano, sem Fundo Partidário de 1.000.000.000 de dólares, sem Urnas Eletrônicas Ditatoriais Obrigatórias com Biometria Ditatorial Obrigatória Eletrônica em Voto Ditatorial Obrigatório? Como foi possível?!! Votando numa simples cédula de papel barato em urnas de papelão? É inacreditável !! Nunca chegaremos ao nível que só o Brasil consegue !!!!

  2. O cenário do Uruguai de hoje lembra muito o a Argentina nas eleições de 2015. Esquerda há muito tempo no poder e perdendo força no eleitorado, ainda que mantendo boa representatividade no parlamento. Na Argentina, quatro anos depois, Macri perdeu em primeiro turno porque foi com muita sede ao pote e quis logo de cara aplicar um choque na economia. Se eu fosse da direita uruguaia pensaria duas vezes antes de fazer o mesmo que Macri, mas algo me diz que eles vão agir tal qual o próprio e vão acabar tendo o mesmo resultado.

  3. Quantas vezes tem que acontecer para as pessoas perceberem o padrão? O resultado será o seguinte: a esquerda vence por margem mínima e a direita não aceita o resultado e parte para o golpe. Povo na rua (vestindo camisa da seleção uruguaia?), congresso fascista. Mídia manipuladora. Judiciário vendido.
    Parem de falar sobre eleição. Acabou a democracia. Acordem.

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