Bolsonaro é o maior responsável pela violência política nas eleições brasileiras de 2022, por Lauro Mattei

Os sucessivos registros deixam recado claro: é necessário exterminar aqueles que pensam politicamente diferente dele

Imagem do discurso de Bolsonaro na campanha presidencial no Acre em 03.09.2018

Por Lauro Mattei[1]

As eleições presidenciais de 2022 estão expondo um nível de violência política jamais vista no Brasil. Para alguns analistas, essa violência é decorrente de uma polarização entre as duas principais forças políticas que lideram as pesquisas eleitorais atualmente. Considero essa percepção equivocada porque ela, além de desconhecer as origens desse processo, acaba subestimando um problema histórico que se apresenta de forma distinta no presente pleito eleitoral. Não é nossa intenção neste pequeno artigo resenhar todo o debate sobre a história de algumas forças políticas dominantes do país que, em seus momentos mais derradeiros, nunca abriram mão da violência como meio para manter o comando do país sob seus interesses de classe.

O recorte que apresento aqui toma como referência todas as eleições presidenciais que ocorreram após o reestabelecimento do regime democrático com a promulgação da Constituição de 1988. Desde então ocorreram oito eleições presidenciais, cada uma delas com suas particularidades. Todavia, em nenhum momento foram registrados atos violentos como alguns que foram documentados ainda nas últimas eleições presidenciais realizadas no ano de 2018 e que estão se repetindo no atual processo eleitoral. Registre-se que todos esses atos foram protagonizados pelo então candidato Jair Messias Bolsonaro, seja de forma direta, seja incentivado a violência de distintas maneiras junto a seus seguidores. Tal intervenção de Bolsonaro sempre tem uma mensagem comum: é necessário exterminar aqueles que pensam politicamente diferente dele.

Esse comportamento está documentado em vários posicionamentos desse senhor há algum tempo. Por exemplo, em um programa de entrevistas para um canal de televisão o senhor Bolsonaro – quando ainda se dizia defensor das empresas estatais – afirmou sem o menor constrangimento que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ser fuzilado porque estava cometendo “um crime contra o país” ao propor a privatização da Petrobrás. Ou seja, aqueles que pensam politicamente diferente dele devem ser exterminados.

Durante a campanha eleitoral de 2018, em um comício na cidade de Rio Branco (AC) e com uma arma nas mãos, declarou solenemente que “vamos fuzilar toda a petralhada aqui do Acre e vamos botar todos esses picaretas para correr daqui e fazer eles irem para a Venezuela”. Nesta fala, os adversários são claramente identificados como os petistas que pensam diferente dele e que, portanto, todos deveriam ser fuzilados. Além disso, ao longo de toda a campanha de 2018 passou fazendo o gesto de uma arma com a mão como forma de passar sua mensagem a população. Esse comportamento só foi contido quando sofreu a famosa “facada” em Minas Gerais, assunto polêmico – e mal explicado – até os dias atuais.

Após tomar posse como Presidente, Bolsonaro nunca deixou de manter essa mensagem afastada dos debates sobre diversos temas nacionais. Por um lado, incentiva continuamente segmentos de apoiadores a se armarem para defender seus “direitos” e suas “liberdades”, comportamento que potencializou a efervescência da violência em diversas esferas da vida brasileira. Por outro, atuou politicamente no sentido de flexibilizar ao máximo o acesso e o uso de armas por parte da população, chegando ao ponto de um ex-ministro corrupto de seu governo protagonizar um incidente bizarro ao deixar cair uma arma no momento de fazer o check in no balcão de uma companhia aérea no aeroporto de Brasília (DF), a qual disparou acidentalmente segundo ele e atingiu superficialmente duas atendentes de uma empresa.

Esse contínuo acirramento ganhou ares de conflito aberto na celebração do dia da pátria em 2021. Naquele dia, ao discursar na Avenida Paulista para seus seguidores, fez uma das falas mais belicosas, inclusive citando nominalmente pessoas que ele gostaria de extirpar da vida política nacional e incitando seus seguidores a apoiá-lo nesta direção. E tudo isso sendo feito sob o mantra de que ele é o verdadeiro defensor da liberdade no país e que atua sempre buscando a paz e o diálogo. Finalizou sua fala afirmando: “quero dizer aos canalhas que nunca serei preso e que só Deus me tirará do poder”. Quem se der ao trabalho de ouvir novamente aqueles quase 20 minutos de verborragia poderá perceber o quanto aquelas falas contribuíram para espalhar o ódio e a intolerância política, inclusive estimulando e encorajando seguidores a cometer os atos brutais que estamos presenciando nas eleições atuais.

O fato concreto é que essas mensagens de ódio e de intolerância do presidente aos poucos foram ganhando corpo e força junto aos segmentos da sociedade que o apoia. Tendo ciência disso, Bolsonaro voltou a apostar nesta direção para tentar se reeleger para o cargo de presidente da república. E isso tem ficado claro nas últimas semanas quando por diversas vezes voltou a radicalizar o discurso na direção de eliminar seus adversários políticos. Nada é mais esclarecedor que essa radicalização tenha ocorrido exatamente um dia após um de seus seguidores – tomado pelo ódio e pela intolerância política – matar um colega de trabalho porque ele pensava diferente, ou seja, porque não apoiava o atual presidente.

Em comício na cidade de Araguatins (TO) Bolsonaro assim se manifestou: “essa praga (PT) sempre está contra a população. Esse pessoal não produz nada, só gera desgraça para o povo brasileiro. Com essa nossa reeleição varreremos para o lixo da história esse partido dito dos trabalhadores, mas na verdade é composto por desocupados”. E prosseguiu: “essa é uma disputa do bem contra o mal, por isso não podemos errar porque o lado de lá quer o comunismo e quer desarmar o povo de bem do Brasil…”.

Essas novas falas – como todas aquelas proferidas desde que se lançou candidato a presidente do país em 2018 – vão numa mesma direção: é preciso eliminar os adversários políticos. E essa mensagem está ganhando adeptos em todo o Brasil, como foram os casos recentes do assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR) por um policial bolsonarista e a morte de um apoiador de Lula em Confresa (MT) por parte de outro apoiador bolsonarista.

É importante observar, ainda, que esse senhor sempre se coloca como o portador do bem. Afinal, ele acredita em Deus, defende a família, respeita as leis e é leal aos seus apoiadores. Normalmente também gosta de se colocar como defensor da liberdade, desde que ela seja o caminho para seu projeto de poder. Assim, constrói junto a seus apoiadores a ideia de que é um sujeito dotado de poderes superiores e que somente ele está preparado para “salvar” a pátria. Neste sentido, retoma a retórica da figura do mal, que nas últimas falas aparece representada na ênfase ao comunismo e associada aos partidos de esquerda do país.

Neste cenário, nos parece incorreto alguns analistas – e até mesmo alguns candidatos a presidente do país – quererem creditar a polarização atual a outras forças políticas que também estão na mesma disputa. A explicação para rejeitar tais posições é que entre 1994 e 2014 ocorreram seis eleições presidenciais e todas elas foram polarizadas por duas concepções políticas: a social democracia representada pelo PSDB e a esquerdista representada pelo PT. Mas em nenhum momento uma dessas correntes políticas propôs o extermínio da outra para se viabilizar enquanto poder.

É exatamente isso que separa a civilização da barbárie hoje claramente representada pelo projeto de poder de Bolsonaro e de uma parte de militares a ele associados, em conluio com um pequeno grupo de empresários corruptos.


[1] Professor titular do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do Necat/UFSC e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: [email protected]. Artigo escrito em 10.09.22.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem um ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador