Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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De olhos bem abertos, por Rui Daher

Por Rui Daher

Eliana Cardoso é PhD em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), professora titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV), visitante em universidades dos EUA, trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Ministério da Fazenda, ama literatura e escreveu nove livros.

Assim a qualifica o jornal Valor, onde escreve, ao lado de seu mais recente artigo: “De olhos bem fechados” (20/05/2016), provável homenagem ao cineasta americano Stanley Kubrick (1928-1999), diretor de Eyes Wide Shut.

Fiz e sou muito menos, mas currículo tal precisaria de um defeito. Eliana Cardoso é minha amiga virtual no Facebook. Divergências fossem motivo, já teríamos trocado de mal.

Assinante do Valor, acompanhava suas colunas e as comentava por e-mail. Conservadorismo inteligente faz bem a neurônios que decidiram ser gauche na vida.

Durante os dois mandatos de Lula e o primeiro de Dilma, foi crítica e explícita na preferência por modelos econômicos neoliberais. Equilibrada, porém, enquanto as políticas anticíclicas davam certo e recuperavam parte da miséria social do país.

Quando da derrocada em Dilma 2, numa primeira etapa, escolheu escrever menos sobre economia e mais à literatura. Vez ou outra, alfinetava o que considera “catástrofe populista”. De minha parte, estranhava a desconsideração aos escritos de Ernesto Laclau.

A partir de 2014, aos poucos o equilíbrio virou fúria. Declarou voto na oposição, passou a lançar pesados petardos contra a equipe econômica de Dilma Rousseff, compartilhou com seus acríticos fãs a corrupção com origem exclusiva do PT, até pedir a renúncia de quem foi eleita presidente com 54,5 milhões de votos.

Suas volúpia e inocência ignoraram o que Dilma já demonstrara várias vezes. Nunca renunciaria. Passou, então, a apoiar fervorosamente o golpe.

No texto em questão, Eliana argumenta contra quem preferia que Dilma cumprisse seu mandato, Eduardo Cunha fosse afastado de uma Câmara obstrutiva de qualquer ato do Executivo, até chegar-se às eleições, em 2018.

É hábil em sua manobra literária. Ao discutir quem pior, criador ou criatura, usa artigo do escritor chileno, radicado nos EUA, Ariel Dorfman, que sai do romance de Mary Shelley, “O Médico e o Monstro”, para chegar em Donald Trump e o Partido Republicano.

Para o humanismo que mora em nós e nos faz tontos, analisa a história do filme espanhol “O Espírito da Colmeia”, de Victor Erice.

Em essência, visa Lula, Dilma e a esquerda.

Para Eliana, “nossos corações costumam bandear para o lado dos que sofrem (…) É humano sentir compaixão pelo perseguido. Os políticos sabem disso e alguns, quando lhes convém, fazem uso desse conhecimento, encarnando o papel de vítima para atrair nossa simpatia”.

E mais não digo. Creio que qualquer leitor com alguma habilidade para a escrita e bem informado sobre o momento atual da Federação de Corporações, seria capaz de concluir o pensamento de Eliana.

Não creio, no entanto, chegarem à sua conclusão: “Muitos dos que defendem Dilma (…) têm os olhos bem fechados, pois parecem acreditar que políticas populistas são de esquerda e as do saneamento das contas públicas são de direita”.

Afora o reducionismo “cabeça-de-planilha” para o conceito muito mais amplo de povo e populismo, desculpável, pois mais afeito a cientistas sociais, cabe perguntar à economista: em séculos, qual a duração dos períodos em que direita e esquerda estiveram no poder? Quando vez da direita as contas públicas foram saneadas? Importou à econometria diminuir a pobreza?

Ah, entendi, nós de esquerda temos corações moles e pouca paciência para esperar a direita completar a lição de casa.

Sobre criadores e criaturas, médicos e monstros, refugiados do franquismo, prefiro trazer o escritor peruano Manuel Scorza.

Quando morreu em 1983, aos 55 anos, num acidente de avião em Madrid, Scorza acabara de publicar a última das cinco novelas que compõem Cantares, no Brasil, Baladas. Sua genialidade permitia juntar relato jornalístico e realismo mágico e contar a luta do povo indígena e montanheiro peruano, entre 1950 e 1962, para recuperar suas terras, cedidas pelo governo e as elites locais a uma corporação norte-americana explorar ricas jazidas de minérios.

A epopeia acabou em derrota e massacre dos camponeses. Muitos poderão dizer: “Fazer o quê? O progresso está na índole do capitalismo. Foi para melhorar”.

Quando, entre 1972 e 1975, li os dois primeiros livros, lançadas em português pela Editora Civilização Brasileira, “Bom dia para os defuntos” e “História de Garabombo, o Invisível”, no Brasil, torturas invisíveis faziam defuntos sem cumprimenta-los. Um golpe civil-militar aumentava a riqueza de poucos e mentia para milhões de miseráveis de que tudo iria melhorar.

Personagem recorrente do primeiro livro, tanto quanto caudilhos, executivos da corporação, ou o líder dos camponeses, Héctor Chacón, é “A Cerca”, sim, um objeto inanimado. Desde a sua chegada, despejados do trem centenas de rolos de arame, ela crescerá quilômetros.

Assim a expressa Scorza: “Agora a terra, toda a terra, estava envelhecendo como uma solteirona atrás de uma cerca que os pés de homem nenhum poderia seguir. As aldeias mais próximas estavam dias de distância”.

De Garabombo, destaco a dedicatória que o autor faz: “A Cecília, outra vez; a Manuco e a Ana Maria, para que, lendo esta história compreendam que o melhor trabalho é o trabalho que fazemos pelo próximo”.  

Tanto os acontecimentos no Altiplano do Peru como os daqui já contam cerca de meio século. Melhorou? Para quem? Assim é a esquerda para você, Eliana. Cheia de perguntas bobas.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

15 Comentários

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  1. Caro Rui,
     
    este chavao – que

    Caro Rui,

     

    este chavao – que parece uma provocacao – de que as politicas populistas sao uma exclusividade da esquerda e o saneamento das contas publicas sao politica da direita/neoliberal ja e um chavao velho. Ja ouvi muitas vezes, mas eu trocaria a segunda parte para “o saneamento das contas publicas sao o discurso da direita. Pq de fato, eles quase nunca fizeram de fato o saneamento das contas publicas. E no Brasil nunca mesmo. Basta ver que quem inventou o deficit publico no Brasil foi o governo tucano que passou o o deficit que no governo Itamar era de 60 bilhoes de reais para 600 bilhoes de reais no fim do governo fhc.

     

    abcs

    1. Chavão mesmo, Antônio Lobo

      Veja se esses articulistas alguma vez se referem aos excelentes números que a economia apresentou nos mandatos de Lula e Dilma 1. Esperaram a queda (por ene razões) para comparar a atualidade com quem mesmo? Ora, com os picos alcançados nos próprios governos do PT. Uns bufões. Grande abraço.

    1. Obrigado José Antônio,

      e como não ser humano diante de tanto cinismo político, econômico e social. É o único lugar para nos refugiarmos. Mesmo assim eles acabam nos descobrindo e nos enterrando com mentiras. Abraço

  2. Direto ao âmago

    Caríssimo Rui Daher. É sempre um grande prazer, e um gratificante aprendizado, ler o que escreve. Neste caso então beira a plena satisfação, na medida em que – com destacado refino – expõe as entranhas do pensamento da nobre economista.

    A mim parece que a muito pós doutorada atribui aos defensores da normalidade democrática uma conclusão que, na verdade, é seu próprio pensamento. Isto porque ela certamente não ignora as várias medidas populistas adotadas por regimes facistas no correr da história. Ou como se fosse possível colocar em rasteira contraposição ações populistas (o termo que ela utiliza, não o que eu faria uso) e saneamento de contas públicas. De quem seriam os olhos fechados?  

    1. Caro Marco,

      obrigado. Gostaria que você e todos os demais amigos que aqui estão comentando pudessem ler o texto a que me referi. Não que lhes fosse dar prazer, mas para terem mais um reforço na clareza de contra o que estamos lutando e as próximas gerações terão que lutar. Coloco aqui o link, mas nem a mim, como assinanate do jornal (por motivos profissionais), eles admitem reproduzir. Grande abraço.

       

      http://www.valor.com.br/cultura/4571009/de-olhos-bem-fechados

       

  3. Ela não sabe que é cega,

    Ela não sabe que é cega, Rui.

     

    A United Fruit Co.

     

    Quando soou a trombeta, estava

    tudo preparado na terra,

    e Jeová repartiu o mundo

    entre Coca-Cola Inc. Anaconda,

    Ford Motors  e outras entidades:

    a Companhia Fruteira Inc.

    reservou para si o mais sumarento,

    a costa central de minha terra,

    a doce cintura da América.

    Batizou de novo as suas terras

    como “República das Bananas”,

    e sobre os mortos adormecidos,

    sobre os heróis inquietos

    que conquistaram a grandeza,

    a liberdade e as bandeiras,

    estabeleceu a ópera bufa:

    alienou as vontades,

    presenteou coroas de César,

    desembainhou a inveja,

    atraiu a ditadura das moscas,

    moscas Trujillos, moscas Tachos,

    moscas Carías, moscas Martinez,

    moscas Ubico, moscas úmidas

    de sangue humilde e marmelada,

    moscas bêbadas que zumbem

    sobre os túmulos populares,

    moscas de circo, sábias moscas

    entendidas em tirania.

     

    Entre as moscas sanguinárias

    a Fruteira desembarca,

    arrasando o café e as frutas,

    nos seus navios que deslizaram

    como bandejas o tesouro

    das nossas terras submersas.

    Enquanto isto,

    pelos abismos

    açucarados dos portos,

    caíam índios sepultados

    no vapor da manhã:

    um corpo rola, uma coisa

    sem nome, um número caído,

    um cacho de fruta morta

    derramada no lixão.

     

    (Pablo Neruda, A United Fruit Co.)

    1. Cafezá,

      Neruda viu acontecer. Nós nunca deixamos de ver coisas diferentes. O destino das Américas Central e do Sul recebem gestos de banana há séculos. Agora mesmo, no Brasil, dá-se uma banana para a democracia e para a pobreza. Logo isso se estenderá a todos os países que ousaram privilegiar projetos distributivos de renda. Muito obrigado por ler meu texto e me trazer Neruda. Abração.

  4. É por isso que sempre digo

    Não existe conservadorismo ou conservadores aceitáveis. Mais dia, menos dia, todos assumem suas caras verdadeiras: inimigos do diálogo, repelem o contraponto e sempre serão amantes das ditaduras que os favoreçam, enquanto condenam as ditaduras de esquerda.

    Conservadores e direitistas em geral são burros, está provado cientificamente que a simplicidade rasteira dos discursos de direita (“bandido bom é bandido morto”, “racismo é mimimi”, etc…) atrai pessoas de baixo QI. Mas esses ideólogos estudados adeptos do conservadorismo são perigosos, são eles que emprestam um ar de respeitabilidade, de estudo acadêmico, a uma doutrina que só se importa com uma coisa: sugar tudo para si e deixar o resto do povo morrer de fome.

    Esses caras, essas Elianas Cardosos, são dez vezes mais perigosos e prejudiciais ao mundo que um Serra, um Bolsonaro ou um Paulo Skaf…

    1. Prezado Alan,

      tendo a concordar com você. Em seus textos, eivados de vaidosas citações culturais, malabarismos econômicos e políticos seempre a marginalizarem a miséria, como se fosse fatalidade de quem não é digno de mérito, ainda tentam nos enganar. Mas, quando você percebe suas levadas de vida, expostas nas redes sociais e nos mimimis que decicam a seus seguidores fiéis, revelam toda a periculosidade. Abraço.

  5. Um pouco mais simples

    Fico impressionado quando vejo-os falarem, falarem, falarem, dando aulas teóricas sobre tudo, principalmente economia, e finalmente desaguando nas comparações de quantos foram mortos aqui e alí. Mas não se encontra palavras como trabalho, distribuição de renda, necessidades básicas.

    Para mim isso, a humanidade, a igualdade, é o básico, é o ponto de partida, de onde se começa a analisar outras hipóteses.

    Fico imaginando se ser-lhes-ia uma patologia.

    1. um pouco mais…

      Caro sr. do mesmo jeito que a inflação era uma imposição política até os anos 90 a paises em desenvolvimento e de repente numa nova ordem mundial não interessava mais (onde existe hiperinflação hoje?). A extinção não foi obra da genialidade de FHC.  Mas para alguns brasileiros? Da mesma forma a diminuição da pobreza por mudanças politicas mundiais, arquitetadas por quem comanda o protagonismo econòmico, não foi obra da genialidade de Lula e sua trupe. Da bondade virginal e descompromissada da esquerda.  Aconteceu no mundo inteiro, da India à Nicaragua. Mas para alguns brasileiros?! E vá falar contra?! Ah, anos 60 e esta geração que revolucionaria o planeta e viveria de utopia e algum baseadinho!!! O que nteressa é que estamos no Brasil. E não na Bolivia ou Costa Rica ou toda Am´perica Latina. Toda Am. Latina cabe no Brasil, economicamente e populacional . Smos a potência que nunca fomos. Temos a capacidade de bem estar social que nunca tivemos. Construimos a democracia que nunca exercemos. A esquerda perdeu a oportiunidade durante anos de poder. É culpa da direita? Creio que o caminho que nunca percorremos é que deve ser construído. Velhas estradas nos levarão aos mesmos buracos. O pior é que insistimos em antigos tropeços.

  6. ato falho?

    Não querendo corrigir e já corrigindo, O Médico e o Monstro, não é Mary Sheley é sim de Robert Stevenson. Frankenisten é Sheley. Segundo a Wickpédia, a obra O Médico e O Monstro é conhecida “…por sua representação vívida do fenômeno de múltiplas personalidades, quando em uma mesma pessoa existem tanto uma personalidade boa quanto má, ambas muito distintas uma da outra”. No fundo ambos servem ao exemplo. Ouso aqui dizer artigo que você tratou tão bem do assunto ainda caberia um Drácula – que se alimenta do sangue alheio.

  7. Drácula também

    Não querendo corrigir e já corrigindo, O Médico e o Monstro, não é Mary Sheley é sim de Robert Stevenson. Frankenisten é Sheley. Segundo a Wickpédia, a obra O Médico e O Monstro é conhecida “…por sua representação vívida do fenômeno de múltiplas personalidades, quando em uma mesma pessoa existem tanto uma personalidade boa quanto má, ambas muito distintas uma da outra”. No fundo ambos servem ao exemplo. Ouso aqui dizer que neste artigo que você trata tão bem do assunto ainda caberia um Drácula – que se alimenta do sangue alheio.

    1. Obrigado pela correção, Carlos

      Acabei me confundindo e você foi cirúrgico. Afinal, todas as personalidades criadas por Shelley ou Stevenson são monstros. Abraço e obrigado pela leitura. 

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