O “Capitólio rodoviário”: Joe Biden não quer mais golpes no seu quintal
por Wilson Roberto Vieira Ferreira
É irônico ver o senhor das guerras híbridas e cognitivas nos oito anos como vice de Obama, Joe Biden, cumprimentando Lula (alvo da “primavera” brasileira patrocinada por Washington) e o felicitando pelas eleições “livres e confiáveis”. E mais irônico ainda é ver o “Brasil Profundo” (abduzido pelas PsyOps da guerra híbrida) não conseguir mais sair do personagem e viver numa realidade paralela achando que o ministro Alexandre de Moraes foi preso e os militares farão uma “intervenção constitucional” em meio ao “Capitólio rodoviário”. Biden não quer mais golpes no seu quintal. Agora é a agenda neoliberal progressista. Que levou Lula ao segundo turno e a vitória sob condicionante e chantagens – a maior delas, a ameaça de “trancredização”. Enquanto isso, aparecem os primeiros indícios de que a lua de mel da grande mídia com a “festa da democracia” será curta.
As 48 horas de silêncio do chefe do Executivo após a derrota na eleição de domingo foi o “apito de cachorro” para o lockout de empresas de logística com bloqueios em estradas por todo o País. Assanhando bolsomínios que vivem numa espécie de realidade paralela: aguardam a “intervenção militar constitucional”, comemoram uma suposta comprovação de que a eleição foi fraudada e gritam de alegria pelas ruas com notícias pelo WhatsApp de que ministro Alexandre Morais estaria finalmente preso pelos militares.
Todos eles, empresários “Havan style” e bolsonaristas em transe, foram largados na estrada, abandonados, depois que foram úteis buchas de canhão da guerra híbrida orientada pela geopolítica dos EUA (controle do Pré-sal, destruição do soft power e da geopolítica Sul-Sul dos governos petistas) e irradiada pela grande mídia – empoderou o Brasil Profundo e deu um significante político (Bolsonaro) a um país que nunca foi cordial.
Ver-se representado por um presidente milico, liderando um governo de ocupação militar em todos ministérios e autarquias, fez esse Brasil Profundo acreditar que finalmente teria um país a sua imagem e semelhança.
Porém, como é de hábito entre fanáticos pertencentes a qualquer religião ou seita, foram cooptados pela fé cega em uma realidade paralela. Mas, no mundo real, a conjuntura mudou: Trump foi derrotado, os “novos democratas” do neoliberalismo progressista assumiram as rédeas das relações internacionais norte-americanas e uma Guerra Fria 2.0 mudou a conjuntura global com a guerra na Ucrânia.
Tudo mudou: Lula ganha a eleição em um país dividido, imediatamente líderes internacionais cumprimentam o líder petista pela vitória, enquanto novamente é repercutida pela mídia a notícia de que o Senado dos EUA aprovou recomendação do país romper relações com o Brasil em caso de golpe. E, antes mesmo de assumir, o presidente eleito já foi convidado a participar da Cúpula do Clima (COP-27), que será realizada em novembro no Egito.
Em tudo isso, a ironia é ver Joe Biden telefonando para Lula, cumprimentando-o pela vitória numa “eleição livre, justa e confiável”, fala inédita em congratulações de presidente dos EUA – recado de Washington de que não aceitará qualquer coisa além da posse do presidente eleito.
Por que ironia? Porque como vice de Obama por oito anos (2009-2017), esteve visceralmente ligado a guerras, golpes de Estado e políticas externas imperialistas cuja principal arma foi as guerras híbridas e cognitivas – operações psicológicas, revoluções coloridas e interceptações telefônicas e eletrônicas contra chefes de Estado. Que disseminaram “primaveras” pelo planeta. Na América Latina, deixou o rastro por Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016) – sem falar nas tentativas sistêmicas de golpe na Venezuela.
Sob a fachada jovial e progressista do primeiro presidente negro na história dos EUA, Biden era o Senhor das Guerras. Da qual o próprio Lula foi um dos alvos, mantido preso por quase dois anos para que a geopolítica do Império se impusesse na AL.
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Desde o século XIX os governantes norte-americanos consideram o Brasil um adversário temível. Os EUA apoiou discretamente a Confederação do Equador (1824). Quando o norte-americano que participava daquela conspiração para fragmentar o território brasileiro foi executado no Rio de Janeiro um navio da US Navy protestou hasteando a “american flag”. O barco de guerra dos EUA foi invadido por marinheiros brasileiros. A bandeira foi retirada e um oficial gringo violento que reagiu foi preso. Algumas décadas depois, os norte-americanos tentaram impedir o esforço de guerra brasileiro no Paraguai fornecendo armas a Solano Lopez. As embarcações militares dos EUA foram impedidas de cumprir sua missão pelo bloqueio naval brasileiro. No pós-guerra, os EUA sabotou ativamente todos os projetos de modernização da Marinha de Guerra do Brasil. A condenação e prisão do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva e a desmantelamento do programa de produção de submarinos no Brasil é apenas o último capítulo dessa saga. Os EUA apoiou o golpe de 2016 sabendo que o resultado seria um aumento da temperatura política brasileira. Os norte-americanos conhecem as linhas de tensão regional que ameaçam a integridade territorial brasileira. Ao desautorizar um novo golpe de estado os gringos apenas e tão somente estão mantendo vivas as fraturas regionais que não foram curadas pela eleição. A ideia central deles é excitar os brasileiros até o ponto do Brasil se transformar numa imensa Iugoslávia. Lá a jogada gringa funcionou bem porque a morte de Tito removeu a única trava que mantinha a coesão de um país composto de diversos países. Aqui a jogada gringa é mais ou menos semelhante, mas o resultado previsível está se tornando imprevisível à medida que Lula se assenhora do que resta de capital político de Bolsonaro para isolar a extrema direita no esgoto do Congresso Nacional. Fragmentar o território brasileiro, porém, continuará sendo o principal projeto político da Casa Branca para o Brasil.