Crise financeira e riscos à democracia

A ameaça é a democracia

A crise foi gestada por dois erros monumentais, ambos com endereço certo. A menor foi a política de forçar, a partir da década de 1990, a concessão de financiamentos imobiliários para quem não tinha renda suficiente para pagar a hipoteca, e conseguir os votos dos falsos prósperos. A maior foi a desregulamentação do mercado em troca do apoio e das “doações” dos manipuladores do mercado financeiro. No início as duas andaram de mãos dadas. Os financiamentos imobiliários podres foram reembalados e negociados com alta margem de rentabilidade. Com a porteira aberta a ganância dos operadores do mercado financeiro foi liberada para valorizar qualquer lixo que pudesse proporcionar altos lucros e gordas bonificações. O fed e a casa branca fizeram de conta que nada tinham a ver com isto. Quando a realidade veio à luz utilizaram recursos públicos para garantir os interesses econômicos de quem na realidade havia perdido tudo, porém como estes são os super-ricos deu-se um jeito de mantê-los com todo o patrimônio que possuiam.

As crises imediatamente anteriores nos mercados tiveram poucas repercussões na economia real, o crack da bolsa de nova york durante o governo Reagan e o estouro da bolha das ponto com no mandato do clinton. O sistema financeiro ainda não estava podre como ficou após a revogação da lei Glass-Steagal, em vigor desde a grande depressão dos anos 30, e que impedia que os bancos colocassem em risco o dinheiro dos depositantes, restringindo sua alavancagem. Sobre os bastidores da sua revogação em 1999, no governo democrata de bill clinton, este trecho é muito elucidativo:

Sandy Weill calls President Clinton in the evening to try to break the deadlock after Senator Phil Gramm, chairman of the Banking Committee, warned Citigroup lobbyist Roger Levy that Weill has to get White House moving on the bill or he would shut down the House-Senate conference. Serious negotiations resume, and a deal is announced at 2:45 a.m. on Oct. 22. Whether Weill made any difference in precipitating a deal is unclear.

Just days after the administration (including the Treasury Department) agrees to support the repeal, Treasury Secretary Robert Rubin, the former co-chairman of a major Wall Street investment bank, Goldman Sachs, raises eyebrows by accepting a top job at Citigroup as Weill’s chief lieutenant. The previous year, Weill had called Secretary Rubin to give him advance notice of the upcoming merger announcement. When Weill told Rubin he had some important news, the secretary reportedly quipped, “You’re buying the government?

O abalo americano atingiu o sistema financeiro dos demais países da ocde expondo também o seu alto grau de contaminação com papéis tóxicos da mesma cepa. A saída encontrada pelos governos foi semelhante a americana, socorrer os culpados. Na Europa com a capitalização privada em troca do aumento da dívida pública. Sem nenhuma contrapartida. O esforço foi em vão, pois a manutenção da total liberdade para o setor permitiu que as mesmas práticas nefastas continuassem. O rombo continua gigantesco e crescendo, os países perderam a credibilidade para continuarem aumentado o seu endividamento e estão novamente pressionados pelo temor de uma crise bancária arrasadora.

O colchão que existia para amortecer a recessão em 2008 está praticamente extinto. Os efeitos sociais agora serão mais agudos. Povos acostumados com mais direitos do que deveres estão se vendo órfãos do protetor Estado onipresente. Os governantes e os principais aspirantes hoje estão entre dois grupos. Até o momento todos optaram pelo minoritário, o que ocupa o topo da pirâmide social. A maioria tende a se expressar cada vez mais raivosamente. O efeito sobre os deserdados do bem-estar social com uma nova rodada de apoio ao mercado financeiro irá acirrar os ânimos sem garantir a extinção do risco.

Nenhum dos atuais governantes demonstrou competência para uma solução minimamente satisfatória. Continuam seguindo as mesmas diretrizes que não sanaram o problema há três anos. A tendência será o fortalecimento político das correntes mais radicais. Para situações econômicas análogas no século XX a experiência européia sempre foi de uma forte guinada à extrema-direita, eleitoralmente ou pela força, contando com grande apoio da sociedade.

A tentativa de manter o euro a qualquer custo, como querem principalmente a frança e a alemanha, por coincidência os maiores beneficiados com a moeda única, é um forte apelo para as enfraquecidas correntes nacionalistas. Mesmo com a diluição cultural e social que ocorreu no pós segunda guerra o cidadão médio ao ser assediado pelos medos que afligiram os seus pais e avôs tenderá a procurar segurança nas mesmas propostas que foram apresentadas no passado. Na economia o fim da farra e algum controle estatal, com medidas mais extremas em outras áreas. Com o aprofundamento do caos econômico os seus reflexos não ameaçarão ao capitalismo, mas a democracia. Corre-se o risco deste velho discurso ser atualizado:

Luis Nassif

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