Israel não tem patente para uso exclusivo da palavra holocausto
por Antonio Lassance
Todo holocausto é um genocídio, mas nem todo genocídio é um holocausto. O extermínio de adversários, justificado por suposições raciais ou culturais ou pelo supremacismo religioso é a base de todo e qualquer genocídio.
A principal característica que separa um genocídio de um holocausto é que, no holocausto, você tenta de todas as formas apagar completamente os vestígios daqueles que foram exterminados e, também, a culpa daqueles que perpetraram essas atrocidades.
A palavra holocausto tem origem grega, mas se refere aos antigos rituais de sacrifício ou oferenda ao fogo. Os hebreus aprenderam essa prática com outros povos e desenvolveram a sua própria tradição, o shoá. Holocausto, em grego, denota que a vítima da oferenda, normalmente um animal, foi queimada viva, com grande sofrimento, até restarem apenas cinzas.
No nazismo, a câmara de gás, o fuzilamento e a fome eram as formas mais comuns de genocídio. Em seguida, as vítimas eram incineradas para pulverizar seus restos mortais. Eram judeus, em sua maioria, mas também havia comunistas, social-democratas, negros, pessoas com deficiência, ciganos, homossexuais e tantos outros.
Para sermos historicamente rigorosos, em respeito ao conceito, apenas pessoas mortas em um genocídio e incineradas poderiam ser consideradas vítimas de um holocausto. Mas não é disso que se trata. O debate não é sobre a técnica de execução em massa, mas sobre o essencial: a tentativa de apagar as digitais de um genocídio.
Chega desse embuste de se achar que a palavra holocausto só pode ser dita se tiver autorização de alguma organização ligada a Israel. Chega dessa mentira de que holocausto só se aplica quando alguém com uma suástica leva pessoas de pijama listrado para dentro de uma câmara de gás. É a mesma balela de quem diz que fascismo só pode ser usado para qualificar o regime de Mussolini na Itália. Esse é um atestado de quem se nega a aprender com a história.
O presidente Lula foi certeiro ao acusar Israel de genocídio. Lula não citou a palavra holocausto. Benjamin Netanyahu e seu chanceler, esses sim citaram. Isso mostra o quanto eles se viram expostos e sentiram o golpe.
Porém, comentaristas de mérito duvidoso e fala estridente e, mais importante, o presidente do Senado e alguns diplomatas aposentados, com ares vetustos, vozes de veludo e pose de ponderados, cerraram fileiras para recriminar a declaração de Lula. Disseram que a tradição diplomática do Brasil é de neutralidade e isenção para, justamente, poder mediar conflitos.
É bom que se diga que há diferentes “tradições” na diplomacia brasileira. Nos anos que antecederam a declaração de guerra à Alemanha e Itália (1942), o Brasil orientou seus diplomatas a negarem vistos a judeus que tentavam de toda forma fugir da perseguição naqueles países. Por sorte, parte importante da diplomacia à época percebeu que não existe neutralidade possível diante de atrocidades e descumpriu o quanto pôde a diretriz.
Por outro lado, nos anos 1980, nossa política externa impôs sanções ao regime racista na África do Sul (apartheid), antes dos Estados Unidos (Reagan) e Reino Unido (Tatcher), que eram contrários à medida. Que tipo de tradição diplomática queremos reforçar?
O que a extrema direita tem feito, mundo afora, é fraudar o debate e criar um negacionismo que apaga a história dos genocídios, inclusive daqueles que podem ser qualificados especificamente como holocaustos.
O governo de Benjamin Netanyahu pratica crimes e não merece qualquer atenuante pelo fato de ser judeu. Se um Estado comandado por um governo extremista ordena atrocidades, ele não tem imunidade para não ser acusado de cometer atrocidades, seja qual for a nacionalidade ou religião das pessoas que representa. Não se combate terrorismo com genocídio.
O governo de Israel é hoje o maior negacionista do holocausto. Tenta corromper um conceito que tem uma história que não pode ser apagada ou restringida. Israel não tem patente que lhe dê direito exclusivo de uso da palavra holocausto.
Genocídio é todo e qualquer massacre com vistas ao extermínio de um povo. Não há dúvidas de que é isso o que acontece em Gaza. A cidade de Rafah é hoje um campo de concentração. As pessoas são diariamente mortas – metralhadas, explodidas ou abatidas por snipers. Cercadas por todos os lados, não têm sequer o direito de fugir.
Rafah pode, na “melhor” das hipóteses, se tornar um gueto, como foi o de Varsóvia ou o de Soweto. Diante do massacre perpetrado contra civis inocentes, em larga escala, a palavra holocausto é mais que apropriada. Tentar diminuir a percepção de quão graves são esses crimes que chocam a humanidade e negar que as vítimas tenham, ao menos, o direito de serem tratadas como vítimas, só torna mais explícito que tipo de crime que se pratica.
Antonio Lassance é doutor em ciência política e historiador.
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Excelente texto. Uma aula histórico-conceitual
Em comnetário recente neste jornal, manifestei-me contrário ao uso da palavra holocausto para designar o genocídio dos judeus pelos nazistas. O holocausto na sua origem é uma prática religiosa que corresponde a uma troca entre os crentes e a divindade e consiste no sacrifício de um ser vivo para evitar que a dinvidade o castigue. Então eu pergunto: Quem ofereceu os judeus em holocausto e para qual divindade? Atualmente o que mais se aproxima de um holocausto é o que está acontecendo na Ucrânia, explico: Na batalha da Ucrância entre a OTAN e a Russia, O goveno da Ucrânia no afã de aderir a OTAN contra a Russia, e na falta de poder militar para enfrentar os russos, ofereceu em holcausto o seu povo para os deuses da guerra.