Polícia Federal mostra que não aprendeu nada com o suicídio de Cancellier

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Família, amigos, colegas de trabalho e a sociedade que acompanharam a tragédia pelo noticiário ficaram, hoje, sabendo de 23 indiciados e se perguntaram: e contra o Cancellier, existiu algo de fato? E tudo o que os investigadores divulgam é que o ex-reitor só não foi indiciado porque já não pode mais ser eventualmente alcançado pela Justiça
 
Foto: Henrique Almeida/UFSC
 
Jornal GGN – Sete meses se passaram desde a deflagração espetaculosa da Operação Ouvidos Moucos, que acabou levando ao suicídio o ex-reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier, após ter sido preso sem provas. E a Polícia Federal decidiu mostrar que aprendeu muito pouco ou mesmo nada com aquele episódio que chocou o País e trouxe à tona um debate sobre abuso de poder.
 
Nesta quarta (25), o Diário Catarinense informou que a PF, enfim, apresentou um relatório indiciando 23 pessoas por susposto desvio de verbas de um programa de educação à distância. 
 
Os erros começam por aí.
 
O relatório da PF não está completo e tampouco foi divulgado com transparência. O delegado do caso prometeu uma segunda versão com os valores e detalhes do esquema. Até lá, alguns veículos de imprensa foram abastecidos apenas com o nome dos indiciados e um pequeno resumo das suspeitas em torno de cada um.
 
Cancellier só não figura na lista porque, segundo a PF, o suicídio resultou na “extinção da punibilidade”. Sim. Esta é a única informação a respeito do ex-reitor no contexto dessa fase da investigação. 
 
Família, amigos, colegas de trabalho e a sociedade que acompanharam a tragédia pelo noticiário ficaram, hoje, sabendo de 23 indiciados e se perguntaram: e contra o Cancellier, existiu algo de fato? O que a polícia tinha contra ele? E tudo o que os investigadores divulgam é que ele não foi indiciado porque já não pode mais ser eventualmente alcançado pela Justiça.
 
Não é menos questionável o modo como se deu a notícia do indiciamento do filho de Cancellier, Mikhail. 
 
Segundo o G1, Mikhail Vieira de Lorenzi Cancellier foi indiciado porque “não soube explicar a origem de R$ 7.102 transferidos para sua conta por Gilberto Moritz, recursos que foram oriundos do projeto Especialização Gestão Organizacional e Administração em RH, que era coordenado por Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que também ordenou a despesa do projeto”.
 
Neste pequeno trecho, a PF não se preocupou em dizer quais elementos provam que o depósito de R$ 7 mil tem origem espúria. Dizer que os recursos foram “oriundos do projeto Especialização Gestão Organozação e Administração em RH” não explica como o valor pode ser considerado ilícito.
 
Mais do que indiciar o filho de Cancellier na imprensa sem apontar o crime, a PF agiu como se o investigado tivesse o dever de provar que é inocente. É isto que se entende quando alguém é indiciado porque “não soube explicar um depósito”. A lei, ao contrário disso, diz que esse ônus é de quem acusa.
 
A advogada de Mikhail disse que o indiciamento foi uma “surpresa” e que ainda faltam “maiores documentações” na investigação da Polícia Federal.
 
Outros advogados apontaram ao Diário Catarinense que o relatório da Polícia Federal pode conter de erros ou até mesmo ser parcial.
 
O defensor de Rogério Nunes, ex-coordenador do núcleo UAB (Universidade Aberta do Brasil) na USFC, afirmou que o indiciamento está “incompleto”, “com apenas um pedaço das coisas.”
 
Ele explicou que os professores não estão associados em quadrilha, mas sim reunidos em grupos de pesquisa que recebem dinheiro do programa de estudos quando têm um projeto.
 
Outro advogado, que atua em favor do dono de uma empresa de transporte acusada de superfaturar serviços afirmou que houve “pouca compreensão” por parte da PF quanto ao que foi relatado por seu cliente.
 
A maioria dos indiciados não se manifestou sobre o indiciamento. Todos agora estão expostos em jornais, na TV e na internet, num momento do jornalismo em que suspeitas, mesmo que não detalhadas, imperam nas manchetes.
 
Com um ex-colega morto num ato político e desesperado contra a espetacularização das investigações da PF, os indiciados deveriam ao menos ter direito a um relatório completo e uma divulgação transparente, pois o contrário disso é que arrasta o psicológico para o fundo do poço. Sem essa sensibilidade, a PF mostra que perdeu mais uma oportunidade de aprender com os próprios erros.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. Democracia

    A Gestapo Federal precisa urgentemente de um santo remédio: democracia. Hoje, a Gestapo Federal age como a polícia política do golpe contra a democracia. 

  2. Quem quiser que fique
    Quem quiser que fique esperando “aprendizado”.

    Quem preferir, pode ter em mente que esses “valentes guerreiros” enguliram doses cavalares se “tioria” politica de jornal e revista (a mesma do powerpoint, que joi “validada” pelos tribunais). Para eles “esquerdista deve ser combatido”, como repete um dos gurus desse pessoal, o Olavo de Carvalho.

    Para quem quiser travar um debate “academico”, racional, razoavel com esse pessoal, eu desejo uma “vida longa e prospera”.

  3. PF = Polícia Fascista

    Não sei porque alguns ainda se surpreendem e esperam uma atitude digna, respeitosa de membros da Polícia Federal.

    A PF está dominada por servidores com valores fascistas. É próprio do fascismo cultivar a violência, destruir o diferente, impor sua vontade…

    A delegada Erika Marena, responsável pela morte do reitor Cancellier, foi promovida a superintendente da PF do Estado de Segipe.

  4. O comportamento normal das polícias brasileiras

    É assim com as Polícias Militares, é assim com as Polícias Civis, é assim com a Polícia Federal.

    Erra e continua insistindo no erro, na esperança de que ninguém note o erro.

  5. O laboratório da ditadura

    Ao contrário do afirmado no título, a prisão de morte do reitor Cancellier foram um piloto para a tortura neoliberal do golpe de 2016. Eles aprenderam muito com isso. E usarão contra nós. 

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