Sobre Coerência, Corrupção, Injustiça e Impunidade, por Sergio Reis

Sobre Coerência, Corrupção, Injustiça e Impunidade

por Sergio Reis

Então temos a seguinte situação:

1. O grupo “T”, que acha o problema “C” o mais importante de todos, vota no candidato “A” e faz grandes manifestações contra o candidato “L”, já que ele praticaria o problema “C”.

2. O grupo “P”, que vota no candidato “L”, acha que na verdade o candidato “A” é que é corrupto. Fazem manifestações, contudo, em defesa do candidato “L”, mas não contra o candidato “A” ou o problema “C”.

3. O candidato “L” é condenado pelo problema “C”. O grupo “P” acha que isso é injusto, e se manifesta em favor dele, “L”.

4. O grupo “T” celebra a condenação do candidato “L”.

5. Descobre-se enfim que o candidato “A”, o preferido do grupo “T”, pratica o problema “C” ostensivamente.

6. O grupo “P” critica a falta de isonomia no tratamento dos casos. O grupo “T”, que acha que o problema “C” é o maior problema do Brasil, não realiza nenhuma manifestação contra o candidato “A”, embora reconheça que as provas de que ele pratica o problema “C” sejam contundentes.

7. Apenas na segunda tentativa é que o candidato “A” passa a ser considerado réu. O grupo “P” critica a demora no andamento do seu processo. Não faz, contudo, manifestações nas ruas.

8. O grupo “T” fica novamente em silêncio. Não comemora e não faz manifestação contra o problema “C”. Mas acha que é coerente por não ter feito manifestação a favor do candidato “A”, e critica o grupo “P” por tê-la feito em favor do candidato “L”.

Quem, então, é coerente?

A. Quem faz manifestação contra “C” por sê-lo O grande problema do país, vota no candidato “A” para combatê-lo, faz manifestação contra “L” quando este é condenado pelo problema “C” e fica em silêncio quando “A” se torna réu pelo mesmo problema – nem faz manifestação contra ele antes do julgamento, nem celebra ostensivamente depois.

B. Quem vê o seu candidato “L” ser acusado e condenado pelo problema “C” e, diante da avaliação de que o processo seria injusto, faz manifestações para defendê-lo, ao passo em que não sai às ruas contra “A” em face de suas acusações de praticar o crime “C”, nem antes, nem depois de seu julgamento.

A contradição parece ocorrer a respeito de quando é que o grupo “T” efetivamente vai às ruas se manifestar. Uma forma simples de resolver essa aparente incoerência é entender que, na verdade, o grupo “T” se opõe não ao problema “C”, mas sim ao candidato “L”. Dessa forma, suas mobilizações se tornam racionalmente justificadas: o problema não é “C”, mas “L”. Logo, se “A” pratica “C”, isso não sensibiliza o grupo “T”. Ser contra ou a favor a “A” ou ao problema “C” é irrelevante. A questão é “L”.

Não sabemos o quanto o problema “C” realmente é visto como questão “central” pelo grupo “P”. Mas isso não torna a sua ação incoerente em si, visto que o foco de análise é, em ambos os casos, o que leva cada grupo às ruas, sem partir do pressuposto de que necessariamente seja o problema “C” a questão a mobilizar as pessoas (esse parece ser um lugar comum do grupo “T”).

Muito bem. Se formos expandir o modelo, talvez poderemos observar que enquanto o grupo “P” vai às ruas contra atos de violência contra minorias (mulheres, negros, indígenas, LGBTQs, pobres, trabalhadores), o grupo “T” se manifesta contra a falta de punição a quem comete crimes. A divisão entre os grupos é, então, mais tênue do que parece, mas a distinção produz enormes consequências: enquanto o grupo “P” se opõe à injustiça, o grupo “T” rejeita a impunidade. Uma das dimensões interpretativas da injustiça é justamente a ideia de ser uma impunidade “orientada” e “estrutural”, ou seja, que ocorre de forma a beneficiar segmentos muito claros da sociedade (com base em classe, cor, gênero, poder, etc) e produz desequilíbrios gerais na divisão de recursos e direitos.

Já o grupo “T” crê que a impunidade é “geral” e “não-estrutural”: ela ocorre indiscriminadamente em todos os setores sociais, mas acontece como expressão individual, sem implicar um movimento claro na forma como a sociedade funciona (na prática, muitos culparão pobres e “degradados”, mas há segmentos no grupo que defenderão seriamente que a questão tem caráter universal). A crítica à impunidade leva necessariamente à defesa do endurecimento das penas e das instituições. Como na prática esse enrijecimento alcança muita gente antes de pegar seus proponentes, a pressão pela força da lei evolui ao ponto da demanda por soluções que a extrapolem. A consequência desse antagonismo é um grupo proporá justiça social, e o outro, integridade individual.

Voltando à discussão acima, “L” e suas ideias, e não exatamente o problema “C”, parecem simbolizar ao grupo “T” o negativo dessa integridade individual. Há muitos sentidos para essa noção de integridade, mas talvez um dos mais importantes dele seja a ideia de que ela expresse inteireza, ordem, organização e essas digam respeito às “coisas estarem no seu devido lugar”. “L”, com todas as suas contradições internas, bagunçou esse mundo como ninguém na história política brasileira. Sua gestão tirou negros, empregadas domésticas e catadores de lixo de onde sempre estiveram. Não pode permanecer impune. A corrupção, o problema “C”, certamente é uma negação dessa integridade, mas o incômodo fundamental ocorre apenas quando ela é usada (na prática ou não) para desestabilizar essa integridade individual, de acordo com o sentido acima. A corrupção de “L” se torna muito maior do que a referente a um apartamento, e encapsula a sua existência, em si, como sujeito político. A corrupção de Lula é a desordem desse mundo. “A”, Aécio, está longe de representar isso, pelo contrário – daí, aliás, a diferença de estatura entre as figuras. Mas quando, sob tanto constrangimento, seu problema “C” finalmente vem a público, então ele causa “decepção”. A solução de momento é embarcar em alguma outra candidatura que também veja “C” como grande problema, até que nova decepção, quem sabe, venha a ocorrer.

O grupo “P”, de sua parte, experiencia outra gramática. Mas sem saber dialogar com o grupo “T”, poderá apenas celebrar a sua coerência como uma vitória oca, a fazer bem apenas à própria consciência, sem que ela signifique qualquer forma de persuasão no debate público. Um caminho mínimo para tanto, com relação ao discutido aqui, é esse: expor como a injustiça contém e explica a impunidade, e não o contrário; e o quanto a aposta no caminho punitivo nos levará à entropia social. Excetuando-se quem pode morar em condomínios fechados ou se mudar pra Miami, há muitos no grupo “T” que poderão entender na pele o quão pior será para eles um projeto que vê a questão social como caso de polícia.

 

Redação

3 Comentários

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  1. Penso que o maior problema

    Penso que o maior problema não é C, mas G. Infelizmente o G não foi mencionado no post.

    Os grupos A e T seguem cegamente a agenda do grupo G. O grupo P e L não questionam nem trabalham para desmascarar esta aliança como se deveria.

    Se não fosse o grupo G, os grupos A e T jamais fariam manifestação contra C pois são majoritariamente C.

    O mesmo grupo G esconde qualquer manifestação de P a favor de L.

    Concordo plenamente que o problema não é C. O problema é a atuação ostensiva de G a favor de A e T escondendo C e a falta de atuação de política mais agressiva de L e P mostrando quem de fato é C.

  2. Você está pedindo muito…

    … parece querer exigir que o grupo Tucano pense!

    Acha que o grupo Tucano é desinformado e provinciano, feito gente ignorante dos grotões que não teve acesso à cultura? Não!

    O problema do grupo Tucano é outro.

    É má fé!

    Mau caratismo mesmo, além de esperteza e oportunismo político.

    Não se discute projeto além do denuncismo, simplesmente porque não existe nenhum projeto!

    Cabe perguntar: porquê o PSDBosta quer tanto governar, se pratica uma requintada forma de Anti-Governo?

    Para que serve ter o poder de governar se só de pretende abandonar? Eis a pergunta certa!

     

  3. A matemática é simples.
    L
    A matemática é simples.
    L aparece sempre com sinal de menor < A é sempre considerado > esteja ou não contido em C
    C é o verdadeiro objetivo de T, mas ele tem vergonha de ser igual e prefere ser diferente.

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