Um relato sobre a desumanização da pobreza

Por walber f. santos

Comentário ao post “A relação entre pobreza e transtornos mentais

Parabens Nassif por postar este tema! Muitos gostam de comer sardinha e arrotar caviar para não assumirem o status de pobre, Outros comem pão com laranja no café, almoço e jantar com o fim de ajuntarem dinheiro e fazerem investimento na BV. Eu sei o que é a pobreza na pele. Minha mãe foi empregada doméstica no RJ. Minha mãe,antes de chegar no Rio, foi muito pobre, trabalhando desde os oito anos de idade em fazenda e acabou sendo seduzida pelo fazendeiro, patrão de seu próprio pai, em Santa Maria de Suassui-MG. Eu não vi minhas duas irmãs dadas pela minha mãe,que nasceram depois de mim, cujos pai ou cujos pais minha mãe conheceu no Rio. Eu cheguei a dormir com minha mãe nos bancos do Rio. Vivi. de mão em mão.na casas de donas que tomavam conta de criança, porque as madames não aceitavam filhos de empregada.

Tive meu tempo de criança em situação de rua. Senti na pele muitos Natais em que vi crianças ganhando seus brinquedos e eu sentia desejo de partcipar daquele mistério de sorrisos e abraços e eu ficava fora, só via minha mãe trabalhando sem tempo de me dar uma abraço ou festejar tambem seu Natal como familia de duas pessoas, ela e seu filho.

É dificil falar de pobreza, não pela falta dos recursos materiais, mas pela falta de humanização no tratamento das pessoas pobres que passam como se fossem objetos, sem alma, sem privacidade,sem desejos, sem alma, sem serem percebidas como objeto de direitos e desejos.

É a partir desse contexto, que começa os condicionamentos que a pobreza internaliza. Estes condicionamentos podem levar os ex-pobres até ao hospicio. Mas, há aqueles que depois de vencerem as barreiras materiais viram mendigos, ainda que não tenham vicios de bebida ou vicios de qualquer outra dependencia física ou ainda que não tenham patologia de origem neurológica. Neste contexto, vi a minha mãe como uma heroina, que morreu de cancer.Minha saiu da casa de familia. Fez seu primário sem ajuda de patroa. Depois de 16 anos de trabalhar em casa de familia, conseguiu trabalho como trocadora de onibus. Mas percebi que minha mãe tinha disturbio de humor. É claro que a pobreza deixa sequelas,porque a pobreza no Brasil lembra os campos de concentração da 2ª Guerra Mundial  como o filme o “Império do Sol” de Spielberg.

No Brasil quem sai da pobreza nunca esquece as situações de tortura psicologica e humilhações de se verem tratados como pessoas diferenciadas, sem escola, sem suas casas, sem dinheiro para comprar remédio, sem médico, sem escola de alta qualidade. Eu dei sorte ao cair no SAM, na semana antes do 7 de setembro de 1965. Esta sorte era a sorte que ninguem desejava. Mas só vim ais descobri que ninguem queria o estigma de ex-aluno da Funabem, pois nenhuma familia falava que tinha criança na FUNABEM/SAM. Mas, na minha inocencia era só alegria pelo fato de sentir-me como criança renascida por ter sido tirada da violencia da rua.

Assim, vi meu renascimento, ainda que muitos critiquem a Instituição SAM/FUNABEM. É claro que a Institucionalização de crianças pobres não é solução para educação de crianças de familias pobres e lares não funcionais. Mas, posso dizer que senti na pele o efeito do desligamento da Funabem, porque saí da Instituição,exatamente com meus 18 anos,de onde tinha comida roupa lavada e estudo elitizado, Saí para estuadar na ETF,mas sem a mesma estrutura material que gozava dentro da Funabem. Nem dinheiro da passagem tinha.

Contudo, a sensação que sentia junto com outros colegas que sairam juntos comigo e começaram a estudavam em escolas frequentadas pela classe média era de liberdade,muita liberdade. PARADOXALMENTE a isso,acrescente-se o FATO de  que percebermos o choque cultural provocado pela volta ao ambiente de pobreza. PORQUE enquanto nossas mães conviviam e sobreviam na pobreza, sem oportunidade de estudarem, viviamos uma vida de estudante de classe média dentro da FUNABEM e, quase todos, forçávamos a barra para continuar neste processo.Percebiamos que era um salve-se quem puder!  Nos víamos diante de um hiato social, que era um verdaeiro laboratório antropológico. A situação era a mesma de um peixe fora dagua,que  tem que  sobreviver sem oxigenio, sem os meios materiais  e psicológicos.

Inconscientes,  aos 18 anos, entrávamos compulsoriamente num modelo de sobrevivencia de selva de pedra do capitalismo, que no mínimo exigia o primeiro emprego. O pior disso tudo era que tinhamos ferramentas cognitivas de formação de um “gimnasium elitista”, mas sem os meios psicológicos que davam condições de me relacionar com o macrosistema capitalista e simultaneamente me comunicar com linguagem de sentimentos com o sistema das micro relações familiares e das sutilezas das relações humanas como um todo.

Era um recomeço no mínimo bizarro, onde tive que recomeçar do zero. Cheguei a constatar se não seria melhor se estivesse continuado na rua, onde, com meus 8 anos, já sabia ganhar dinheiro e começava a perceber o valor do trabalho que gerava pecunia,pois já tomava conta de carros e já havia iniciado a levar turistas ao Corcovado. Aos oito anos de idade, meu ponto de convivencia e ambiente de rua era no Cosme Velho, em 1964/65, onde já havia desenvolvido o senso de trabalhar e ganhar dinheiro.

Na escola interna ou orfanato não aprendemos a luta pela vida,embora nos preparamos muito melhor para uma vida academica. Deste modo, enlouqueci porque não via como pesava o fator financeiro quando fazia meus projetos pessoais aos dezoito anos de idade, tambem não desenvolvi a malicia. Alguns colegas já tinham esta malicia desde a saida da Instituição FUNABEM, mas TAMBEM ENLOUQUECERAM SEM SABER que estavam psicologicamente doentes, porque supervalorizaram o poder  do dinheiro, se distanciaram de seus familiares e focaram a vida no status e nas pessoas que tinham dinheiro.

Tambem percebi que ficavamos refens de relacionamentos afetivos,eramos escravizados por pequenos afetos.Como mandigavamos afetos, principalmente aqueles afetos ligados ao nucleo familiar. Inconscientemente, eramos mendigos de afetos, ainda que ganhassemos a independencia financeira. A solução era buscar uma terapia, quando havia insight para isso.

Nossas vidas, digos das maioria de colegas que convivi, egresso da Funabem, tinham filigranas de comportamento psicoafetivo  que se diferenciavam do senso comum, inclusive me incluo neste contexto.

O PRIMEIRO DELES ERA o foco individualista e egoista que não fazia enxergarmos que nossas familias tambem sofriam e sofreram com a pobreza. A grande tragédia que não percebiamos era que o inferno não era a pobreza material,mas a pobreza de afetos que fomos condenados com o distanciamento de nossos pais e familatres e membros de nossas comunidades, durante o confinamento que passamos nos internatos do Estado.

De algum modo fomos previlegiados, mas por outro lado fomos tremendamente torturados psicologicamente durante 10 anos ou mais, vivendo fora do contato afetivo indispensavel para a humanização e formação de um carater eivado de valores familiares, como o valor do perdão e a percepção de diferenças de valores de vivencias do cotidiano,absorvendo as mudanças de tempos históricos/politicos,as mudanças de costumes,as mudanças de tipos de  consumos, modas sociais, cultura e inserção de tecnologias que acontecem com o passar do tempo e geram maturidade de carater e aceitação de diferenças sociais.

Por isso, que vejo que o maior fator de geração de separação familiar e do  exodo é a pobreza, que é regida pelo paradigma ‘ Farinha pouca meu pirão primeiro”.

Depois da separação familiar, vem a falta do afeto como consequencia do abndono, Por sua vez o abandono GERA o isolamento, que é a principal causa primária da Loucura. Como principal profilaxia do isolamento,devemos falar de nós mesmo e fazer exercicio da jamela de “janela de johari”. É claro que devemos procurar tbm grupos de mutua ajuda.

Viver é uma arte, mas poucos escoberem que a vida é bela! Eu não abro mão da fé , que deposito no Senhor Jesus! Mas , tomo o cuidado necessário com religião. Porque religiosidade e espiritualidade são coisas distintas.Finalizando, a loucura. independente do foco da pobreza e modelo economico em que se vive, começa quando se perde a  percepção de decodificar os próprios sentimentos, faculdade que depende da razão.

Luis Nassif

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