La Grande Librairie, programa da TV France 5, por Jorge Alberto Benitz

Na TV brasileira inexiste algo igual. Sem falar de que o programa tem 90 minutos, um latifúndio de tempo, para a discussão cultural e/ou literária, impensável nestas bandas.

La Grande Librairie Programa da TV France 5

por Jorge Alberto Benitz

    Já que vivemos em mundo globalizado cabe apontar, também, os benefícios desta condição. Infelizmente, esta condição ainda permite a uma pequena parcela da população, os possuidores de acesso a TV fechada, a possibilidade de contato com o melhor da literatura e a programas como La Grande Librairie da TVFrance 5 que é muito bom. Debates sobre literatura, principalmente, mas que se espraiam sobre tudo, isto é, sobre filosofia, antropologia, psicanálise, biologia e o escambau. Ah! Antes que me esqueça, o programa era, não por acaso, legendado em português até 2020.  Segundo informações colhidas na imprensa (Estadão) isso ocorreu devido a cortes nos orçamentos das TVS públicas feitos pelo governo francês. Agora, tem- se, infelizmente, apenas a opção do mesmo programa transmitido para a França, com legendas em Francês para alguns programas, como, por exemplo, o acima citado.

    O debate coordenado por François Busnel vide link https://www.france.tv/france-5/la-grande-librairie/replay-videos/ é da melhor qualidade. Ele demonstra que leu as obras de seus convidados, instigando que assim se crie um clima intenso de discussão que foge do academicismo sisudo cioso de mostrar mais erudição que sabedoria. Mais, os participantes, nos programas que assisti, demonstram que leram as obras dos demais presentes. Ele sempre convida três ou mais escritores para estabelecer uma discussão rica e abrangente sobre o tema do dia. Sempre um dos presentes interpela o(s) outro(s) instigado(s) pelo coordenador que conduz com maestria e leveza o programa. O resultado disso pode ser questionável para alguns, dado que, nunca vi ocorrer nenhuma discussão descambando para a crítica de um escritor acerca da obra de outro escritor presente no programa nem me deparei com algu m bate-boca recheado de impropérios e ofensas pessoais, algo tão comum nestes dias de hoje, pontuado por intolerância ao que pensa um milímetro diferente. Por outro lado, creio que a razão para esta situação harmoniosa entre os presentes, é virtuosa. Eles estão ali, a começar pelo coordenador do programa, para manifestar amor ao livro e, por consequência, empenhados tanto em transmitir apoio aos que já são leitores como buscar atrair mais gente para este mundo da leitura em um momento marcado pelo aumento da hegemonia da cultura visual. Praticamente, um ato de resistência se se pensar que vivemos a modernidade liquida, termo criado por Zygmunt Bauman, marcado pela velocidade e superficialidade, características avessas ao ato de ler que implica concentração e profundidade, mesmo quando lúdica. Daí o estabelecimento de um clima de cordialidade, respeito e tolerância capaz de gerar uma sinergia em favor do livro e da leitura que, suponho, se gera espontaneamente sem que haja qualquer orientação prévia neste sentido.

    Os convidados apesar de serem, na maioria, franceses, por razões óbvias, são do mundo. Já tive o prazer de assistir programas com escritores americanos como Paul Auster e sua mulher Siri Husvedt que é escritora e neurologista, se não me engano, Douglas Kennedy, Colson Whitehead e com franceses como o filosofo Michel Serres, a filosofa feminista Elisabeth Badinter, escritores como Jean D’Ormeson, cineastas como Jean- Claude Carrière e por ai vai. Com a pandemia a presença de escritores e pensadores não- franceses diminuiu, por razões óbvias. Na TV brasileira inexiste algo igual. Sem falar de que o programa tem 90 minutos, um latifúndio de tempo, para a discussão cultural e/ou literária, impensável nestas bandas.

    Por aqui, tinha – nem sei se tem mais porque não o vi mais no referido Canal –  um programa que versava sobre literatura no canal Arte1 com Manuel da Costa Pinto, mas nem chega perto. Este programa, embora meritório por focar um assunto fora da linha de programação das TVs privadas e de rara presença nas TVs públicas – agora, ainda mais com um governo anticultura e antieducação como o de Bolsonaro – obedecia ao padrão feijão com arroz da entrevista tête à tête. Daí não rolar algo tão dinâmico e vivaz com os entrevistados debatendo com seus pares, como acontece no programa de François Busnel. Do mesmo mal padecia o programa Milênio na TV Globonews – que também se escafedeu – que tratava de literatura, política e filosofia. Porém, talvez, pela infraestrutura maior dispon&iac ute;vel este último conseguia um bom formato e um padrão mais elevado ao apresentar release da obra do entrevistado, contextualizando a importância dele no cenário norte-americano ou mundial. O ponto positivo, além da abordagem sobre literatura que deve ser sempre louvado neste mundo marcadamente anti-intelectual e anticultural, percebido tanto nestes programas de entrevistas é que os entrevistadores demonstravam que conheciam ou, pelo menos, buscavam se inteirar sobre o foco da entrevista oferecendo um bom quadro de informações acerca do entrevistado e suas obras.

    Hoje, o que existe, com foco na cultura literária, filosófica e política, como programa de entrevistas capazes de se aproximar um pouco do formato do programa francês La Grande Librairie, são “O Café Filosófico” da TV Cultura de São Paulo e o “Diálogos com Mário Sérgio Conti” da TV Globonews.

    Infelizmente, como a lógica de copiar programas estrangeiros obedece às leis do mercado que visam lucro e nada mais, o que se percebe, neste particular, é a imitação ou a compra de direitos de programas de auditório rastaqueras tipo os telebarracos do Jerry Springer, que fez escola com Ratinho, ou os BBBs da vida. Copiar o que vai na linha da cultura, da civilização, como programas como La Grande Librairie nem pensar. Vai que as pessoas comecem a refletir com suas próprias cabeças e assim sair da camisa- de- força mediocrizante que abunda e faz ponto na TV Brasileira aberta e mesmo na TV por assinatura. Tendência que, para ser justo não começou no governo Bolsonaro. Este apenas tornou esta tendência quase, senão, uma política de Estado.

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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