Netflix e o processo de destruição criativa, por Luiz Fernando de Paula e Júlia Baruki

Pioneira no fornecimento de filmes e séries por plataforma streaming, a Netflix destruiu indústrias e avançou sobre os serviços de TV a cabo

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Netflix e o processo de destruição criativa

por Luiz Fernando de Paula e Júlia Baruki

Desde que foi lançado pela Netflix em 2007, o mercado de streaming é uma inovação que além de ter crescido enormente acabou com o mercado de aluguéis de vídeos e DVDs.  Segundo reportagem do Valor de 19/01/2023 , a Netflix alcançou 230,7 milhões de assinantes no mundo no 4º trimestre de 2022, sendo 74,3 milhões nos EUA e Canadá, 76,7 milhões na Europa, Oriente Médio e África, 41,7 milhões na América Latina e 38 milhões na Ásia-Pacífico.

O sucesso da Netflix é um exemplo de “destruição criativa”, um termo criado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, que o descreveu como o “processo de mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente a antiga, criando uma nova estrutura. Este processo de destruição criativa é o fato essencial do capitalismo”.  Para Schumpeter, a introdução de inovações comporta inevitavelmente um certo grau de monopólio: antes que a inovação se difunda, ela é monopólio do empresário; não se trata de um monopólio absoluto, mas de um monopólio temporário, que em condições normais está destinado a desaparecer durante o processo dinâmico da concorrência. À medida em que se difunde a inovação (e proliferam-se os imitadores), o lucro vai diminuindo no setor onde se deu a inovação, ao mesmo tempo em que os lucros temporários dos inovadores tendem a desaparecer.

Pioneira no fornecimento de filmes e séries por plataforma streaming, a Netflix destruiu indústrias estabelecidas e avançou sobre os serviços de TV a cabo, oferecendo um novo serviço que superou velhas empresas em um movimento típico de destruição criativa. Porém, com o passar dos anos, viu o mercado se modificar,  com outras empresas oferecendo  serviços de streaming semelhantes, mais baratos e com mais vantagens, para tentar alcançá-la.

Assim, enquanto a Netflix teve o monopólio da inovação (plataforma de streaming), a empresa teve forte crescimento no mundo e pôde gerar elevadas receitas, gerando o que Schumpeter denominava de “lucros monopolistas”. Com o tempo, a inovação foi sendo copiada por outros concorrentes, com a Netflix passando a concorrer com outros gigantes, como Prime Video (Amazon), Disney+, Apple TV, entre outras, que cresceram bastante no mercado de plataforma de streaming.

Fundada em 1997, a empresa sediada em Scotts Valley, Califórnia, se lançou no mercado como um serviço de aluguel de DVDs. Porém, ao contrário das locadoras tradicionais, a Netflix oferecia um serviço diferenciado para a época.

No seu novo modelo de negócios, o aluguel dos filmes era via correio, com o cliente recebendo em sua casa a seleção de filmes escolhida previamente.  Além disso, não havia multa por atraso na devolução, devendo o cliente retornar os DVDs pelos correios, em um envelope já previamente disponibilizado. Essa comodidade vinha também com um preço de acordo com o mercado na época. O pacote de serviço inicial de seis dólares (4 dólares por filme e 2 dólares de serviço postal) era igual ao da Blockbuster, soberana no mercado norte-americano na  época, com mais de 9 mil lojas nos Estados Unidos em 2004.

A grande inovação veio em 2007, quando a Netflix iniciou o seu serviço de streaming de filmes e séries, primeiro em computadores pessoais e depois em smart TV, tablet, celular etc.

Em 2010, a Netflix bateu a marca de 20 milhões de usuários em ambos os seus serviços, passando a priorizar o serviço de streaming e não mais o aluguel de DVDs.  Já em 2020, a Netflix alcançou a marca de mais de 200 milhões de usuários pagos em  mais de 190 países que possuem o serviço, apenas 3 anos após bater a marca de 100 milhões de usuários.

A Netflix mudou a forma como o cliente tem acesso a todos esses conteúdos, proporcionando ao consumidor a flexibilidade de poder assistir o que quiserem de qualquer aparelho disponível, não sendo mais necessário acompanhar a programação de um canal de TV. Essa inovação gerou uma revolução no consumo, ocasionando a destruição de empresas anteriormente soberanas, em particular as videolocadoras, ao mesmo tempo em que criou um serviço completamente distinto do anterior, se beneficiando em particular da proliferação de smart TVs.

Após o sucesso da Netflix, mais de 110 serviços foram lançados nos Estados Unidos até 2019. Com um cenário cada vez mais fragmentado, com quase todos os grandes conglomerados de mídia reunindo suas produções em um serviço próprio, é comum que os consumidores assinem mais de um ou até selecionem qual pacote irão assinar. Assim, empresas como Amazon, Apple, Disney e HBO entraram no mercado de streaming de filmes e séries e passaram a licenciar produtos originais nas plataformas.

Principal concorrente, com 162 milhões de assinantes no mundo no 1º trimestre de 2023 (contra 232,5 milhões da Netflix), o serviço do Disney+ fez a Netflix perder 20% do  seu catálogo, incluindo grandes campeões de audiência, como a franquia da Marvel e Star Wars. O perigo para a Netflix ficou ainda maior, considerando que sua principal concorrente aumentou em 2022 o número de países que possuem acesso ao Disney+, de 64 para 106 países.

A Netflix teve uma perda de 970 mil assinantes no 2º trimestre de 2022, em boa parte concentrada no seu maior mercado (EUA e Canadá). Já os dados do último trimestre de 2022 mostram que a base de assinantes voltou a crescer em um ano em 4,0%, impulsionada tanto com um novo pacote mais barato que inclui anúncios, quanto pelo sucesso da série “Wandinha” (3ª série mais popular de todos os tempos) e do documentário “Harry & Meghan” (2º documentário mais assistido da Netflix)

Assim, com a disputa cada vez mais acirrada, a resposta da Netflix foi focar mais em   conteúdo original. Deste modo, buscou reagir à concorrência, particularmente investindo em séries populares, filmes e documentários produzidos pela empresa, produções locais dos países, entre outras iniciativas. Ainda líder do mercado, a Netflix procurou não somente oferecer produtos licenciados, mas também produções originais que possuem alta demanda.

A tendência para o futuro é de uma fragmentação ainda maior das plataformas de streaming. Se antes, o mercado era focado nos pacotes de TV por assinatura que centralizavam centenas de canais de acordo com o seu pacote, agora, temos o extremo de inúmeros canais digitais separados. Assim, o consumidor deve avaliar qual serviço assinar, de acordo com sua condição financeira e dos benefícios ele quer usufruir. Por exemplo, de um lado temos a Netflix com inúmeros filmes e séries que são manias entre o público, porém, com um preço podendo ser o dobro do Prime Vídeo que ainda conta com as vantagens da Amazon.

Neste contexto, na busca de expansão, algumas plataformas de streaming já estão com a oferta de planos mais baratos, mas  que exibem propagandas, como o Hulu, Pluto TV e Samsung TV Plus, sendo acompanhado recentemente pela própria Netflix. Portanto, o mercado de plataforma de streaming ainda é um mercado em expansão, com muitas inovações incrementais, o que acirra sobremaneira a concorrência entre as empresas provedoras de serviços.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp


Luiz Fernando de Paula – Professor de Economia do IE/UFRJ e coordenador do GEEP/IESP-UERJ.

Júlia Baruki – Bacharel em Economia pela FCE/UERJ.

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Redação

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