Empregadores domésticos querem empregadas que saibam seu lugar

Da Revista Fórum

Sindicato dos Empregadores Domésticos quer empregadas que saibam seu lugar

por Jarid Arraes

Em entrevista à Folha, a presidente do Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo, Margareth Carbinato, fez algumas declarações questionáveis sobre o papel das trabalhadoras domésticas, após ter assistido ao filme “Que Horas Ela Volta?”, que tem despertado debates sobre a situação das empregadas domésticas no Brasil e as relações entre patrões e empregadas.

Margareth Carbinato disse não ter entendido a mensagem do filme. Para ela, a personagem Jéssica – filha da empregada – foi “abusiva” na trama e cada pessoa precisa “saber o seu lugar”. Entre respostas evasivas, Carbinato parece insinuar que as empregadas agora querem tirar proveito dos patrões.

Quando questionada sobre o que havia mudado no comportamento das empregadas, Margareth respondeu: “Tenho medo de como caminhará em uns anos, porque hoje ninguém respeita ninguém”. Segundo Margareth, os empregadores ainda não assimilaram a necessidade de assinar a carteira das trabalhadoras domésticas para se proteger de empregadas mal intencionadas. “O empregador tem que se conscientizar de que precisa ter os documentos porque a realidade é outra, não é mais aquela relação que anos atrás era mais próxima”, declarou.

Apesar de achar que a relação de patrões e empregadas domésticas era mais próxima no passado, Margareth contraditoriamente se incomoda com o comportamento da personagem Jéssica, que, no filme, não age com uma postura submissa. Jéssica questiona a mentira do “quase da família” ou, pelas palavras de Carbinato, da “relação mais próxima”.

Carbinato também afirmou que não é da época da escravatura e que, quando nasceu, não existia empregado com “bola no pé” e nem pelourinho. Segundo ela, isso seria prova de que a relação entre patrões e empregadas domésticas não teria resquícios de escravatura. “Não é resquício de coisa alguma, é falta de educação”, disse Carbinato. Mas seria a falta de educação das empregadas que não aguentam humilhações caladas e que exigem seus direitos trabalhistas? Ou dos patrões que ainda tratam faxineiras, babás e cozinheiras como propriedades da família?

Margareth Carbinato parece entender muito bem as problemáticas envolvidas nessas relações; afinal, ela conhece o discurso de quem defende os direitos das trabalhadoras domésticas e até mesmo o discurso antirracista que denuncia a lógica da escravidão ainda existente. Porém, inteligentemente, torna suas afirmações vagas e evasivas, sem um raciocínio bem construído e sem objetividade nas suas colocações.

A entrevista de Carbinato, de fato, representa muito bem o seu sindicato, que é o sindicato dos patrões. As respostas são um excelente retrato da mentalidade de quem emprega, mas não quer agir como empregador, pois acha um grande sacrifício – ou até uma grande bondade – assinar a carteira, estabelecer funções delimitadas e pagar direitos.

É certo que muitas empregadoras gostariam de voltar ao passado, quando ainda não havia tantas empregadas conscientes de seus direitos e dispostas a levantar a voz contra a exploração dos patrões. Para quem tinha uma empregada nesse tempo, tudo era mais fácil: elas dormiam em seus quartinhos minúsculos, permaneciam caladas sob acusações de roubo, não comiam a comida da geladeira – ainda que morassem sob o mesmo teto que os demais – e viviam uma vida de trabalho contínuo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, sempre disponíveis para atender às demandas e caprichos da família que serviam.

A entrevista de Margareth Carbinato deixa evidente que a conscientização jamais virá dos empregadores. Quem precisa conhecer seus direitos e ter acesso a discussões sobre racismo, exploração dos mais pobres pelos mais ricos, assédio sexual e direitos trabalhistas são as próprias trabalhadores domésticas. Elas são as protagonistas de uma mudança lenta, mas que já começou.

As empregadas domésticas já questionam qual seria o valor justo para que morem na casa dos patrões, abrindo mão de suas vidas e de suas famílias. Será que existe um salário adequado para tal trabalho? Faz parte da função de empregada doméstica desempenhar todos os tipos de papéis e funções que os patrões demandarem, sem o direito de dizer “não”?

O respeito, tão mencionado por Carbinato, deve ser exigido pelas empregadas domésticas. E como os patrões não agem corretamente, como deveriam, esse respeito pelos direitos trabalhistas deve, sim, ser acionado na Justiça.

A realidade almejada por Carbinato está ficando cada vez mais distante. O sindicato dos patrões pode até chorar com saudade desse passado, mas seria bem mais inteligente aproveitar a energia para aprenderem a esfregar suas próprias privadas, já que ainda não aprenderam que contratar funcionários envolve direitos trabalhistas e humanos. A escolha é simples: ou trata a empregada doméstica como funcionária assalariada e com direitos, ou aprende a desentupir o vaso.

Redação

15 Comentários

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  1. Ah, é?

    Favor pintar no chão, dos lugares da casa, DE TODOS OS LUGARES DA CASA, uma faixa “LUGAR DE EMPREGADA”.

    É vão gastar bastante tinta porque elas estão sempre nos lugares todos trabalhando, cuidando e, INFELIZMENTE ainda, SERVINDO, como antes de 1888.

  2. Alguém avise essa senhora de
    Alguém avise essa senhora de engenho que não é realidade que “os empregadores ainda não assimilaram a necessidade de assinar a carteira das trabalhadoras domésticas para se proteger de empregadas mal intencionadas”, a realidade é que empregadores que não assinam carteira é que são mal intencionados.

  3. Marminino!!! Essa fascistada

    Marminino!!! Essa fascistada da Paulicéia está mais desvairada do que nunca. Onde já se viu, formar uma entidade sindical com o propósito de poder exercer livremente sua tirania, vocação escravagista, ou simpatias ao apartheid? E eu, achando que se tratava de uma brincadeira, ao estilo do Professor Hariovaldo?!?

    1. Mas não é exclusividade

      Mas não é exclusividade paulista. Dê uma olhadela no google : tem disso aí no Rio, em Brasília, em Pernambuco e por aí afora.

      1. É verdade. Foi inadequado

        É verdade. Foi inadequado reduzir a cretinice da tal senhora somente a Sampa. Aqui em Brasília, por exemplo, a classe mérdia fez um escarcéu, uma verdadeira revolução contra a PEC das domésticas. Querem manter o direito sacrossanto de serem escravocratas sem intervenção do Estado.

  4. Não entendeu a mensagem?

    A mensagem do filme realmente não centra no pretenso direito da filha da empregada comer o sorvete de Fabinho, dormir no quarto de visita, ser servida pela dona de casa e pular na piscina. Efetivamente, não acho que exista esse tipo de direito, mas não é esta a questão. Eu sublinharia, entretanto os seguintes pontos: 

    a) a falsa relação “é da família”. Não, a prestadora de serviços domésticos (chamamos essa profissão assim) não pertence à família, não tem acesso a todas as comodidades (mas também não tem de chegar ao extremo de ter uma comida de segunda classe). Ela é contratada para presta serviços, e pronto. Entretanto…

    b) seu campo profissional e seu expediente têm de ser delimitados. Não pode se estender para todo tipo de serviço. E o horário tem de ser delimitado. 

    c) morar nos cubículos insanos: como profissional, a empregada deve morar em habitação própria. As DCE´s não tem mais sentido: nem se adequam a um conforto minimamente digno, nem faz sentido os empregadores conviver o tempo todo com uma pessoa fora da família. Onde fica a intimidade da família?

    d) não é uma “segunda mãe” para os filhos: mãe é mãe, e babá é babá. Aliás, tem de ser explicitamente contratada como tal. As relações com os filhos da casa pode e deve ser amigável, até educadora, mas se a babá passa a ser a segunda mãe, dando cafuné e admitir dormir na mesma cama com os filhos, realmente, algo está errado. 

    e) onde a família de classe média fica mal no filme é sua indolência até para tirar o prato da mesa ou buscar qualquer coisa da cozinha. Essa falta de iniciativa na própria casa é simplesmente ridícula. Que vergonha!

    f) O filme faz uma análise sociológica interessante: primeiro, o vazio existencial e sentimental da classe média. Segundo, a recente ascenção de classes antes subjugadas. No filme, a Jéssica não se rebela contra as interdições da casa, e sim contra o fato da mãe viver lá, em uma falsa relação de “ser da família”, e ter de dormir em um quarto sem ventilação; e de ela, a filha, ter de se acomodar também nessa casa. Isso ela não aceita já na viagem de ida, e  logo ela cai fora desse manicômio sociológico para buscar sua propria moradia. Se a família torce o nariz para ela, Jèssica o faz com relação à família. Outro aspecto da ascenção social é ela fazer o mesmo vestibular do filho da casa e passar, enquanto o filho, sem mérito para isso, ganha uma viagem para Austrália como consolo para sua derrota. 

    Recadinho para o “sindicato”? TENHAM VERGONHA NA CARA e aprendam tratar os profissionais domésticos como profissionais. Adquiram o serviço a um preço de mercado, paguem tudo o que é devido, especifiquem bem as tarefas e o tempo de serviços, cumpram a legislação, e as tratem com respeito, mas sem falsa intimidade. Sejam competentes como donos de casa, moradores, familiares, para não passar vergonha frente a pessoas estranhas da família. 

    1. Há algum problema, não consigo dar nota para o seu comentário.

      Não é a primeira vez que vejo este problema, alguns comentários não aceitam classificação.

      1. Faça assim

        Quando queira avaliar, clique no “Link permanente” que está ao final de cada comentário. A página atualizará automaticamente e o comentário “ativará” as estrelinhas para a sua avaliação. ok?

      2. Isso acontece toda vez que há o “Ver +”

        Nao se consegue avaliar, é bug antigo do Blog nunca corrigido. Para avaliar vc tem que clicar no “Link permanente”, e aí abre sem o “Ver +”, mas isso é uma chatura, pois isso refresca a página, e com a “velocidade” com que o Blog tem aberto…

  5. Basta um passada pelos

    Basta um passada pelos botecos que servem prato-feito no Brás, em São Paulo, onde há muitas pequenas oficinas de costura, para perceber que não é só o empregado doméstico que tem seus direitos trabalhistas aviltados. Juntando com outra questão em pauta agora, a corrupção, diria que uma boa parte do povo brasileiro tem sido afeto aos abusos do poder econômico faz tempo. E quem sofre abuso, se (ou quando) puder, impingirá abuso sobre os outros.

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