É madrugada e a memória de uma pessoa me inquieta, me orgulha e me entristece, tirando meu sono.
Busco no arquivo de imagens e a encontro de sorriso aberto, segurando com o ante- braço o cabo da foice sobre o ombro, na mão seu inseparável cachimbo. No fundo, a picada da auto-demarcação do Territorio Potiguara que ela com seus braços fortes ajudara a abrir durante um ano.
Uma guerreira, uma líder, uma mãe que criara seus quatro filhos com o que plantava, colhia e pescava. Mãe solteira, levava os filhos prá onde ia. Na roça, no mangue pegando carangueijo, fazendo farinha ou no trabalho da picada.
Ao lado de Severino Fernandes (falecido em 2012) liderou o movimento de retomada das terras desmembradas pelo Exército em 1981.
“Meus filhos não vão trabalhar na cana de açucar, vão plantar o que comer” dizia contra a ameaça de ocupação do territorio para plantio da monocultura da cana.
Brava, participava na frente, dos enfrentamentos com invasores, não se intimidou com as tropas militares que invadiram a aldeia para liquidar o movimento.
Incansável na dança do Toré animava a participação das mulheres, com pintura e adereços.
Quando voltei ano passado, depois de 27 anos, ela já doente, debilitada, morando na mesma casinha de taipa me disse: “Meu filho, ainda bem que vc voltou, o povo precisa de animação” (se referia à retomada que iniciariamos logo depois), com dificuldade foi buscar algo, “nós não valhe mais nada” disse segurando firme sua aposentada foice.
Esta noite recebi a noticia que ela tinha partido, seu nome era Maria Foguinho. Morreu lúcida rodeada de amigos, filhos, netos e bisnetos, na aldeia S.Francisco, na Paraiba, onde sempre morou nos seus 80 anos de vida.
O povo potiguara perde sua última guerreira.
Sou um dos órfãos.
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