Quero ser amigo do Humberto Carrão, por Bruno Mateus

Pois Humberto reúne todos os maravilhosos clichês da nova-esquerda-festiva-carnavalizante-camisa-samambaia-e-pochete-colorida.

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Quero ser amigo do Humberto Carrão

por Bruno Mateus

Numa noite quente do verão belo-horizontino, em que o travesseiro úmido é abrigo do suor e da energia despendida em sonhos confusos e incomuns, acordei no susto de uma bola roubada na pequena área do meu time azul e não pude voltar a dormir. Pensamentos estranhos tinham, de alguma maneira que não consigo explicar, o gosto metálico que minha boca havia guardado, resultado do que eu bebera horas antes. O que há muito eu pressentia se fez certeza límpida e cristalina. E eu não podia mais remediar. Naquele momento, olhando a Lua fininha no céu de poucas estrelas, eu soube. Agora, devo confessar: quero – e preciso – ser amigo do Humberto Carrão.

Pois Humberto reúne todos os maravilhosos clichês da nova-esquerda-festiva-carnavalizante-camisa-samambaia-e-pochete-colorida. Humberto é Mangueira, Flamengo, já foi à casa de Caetano – e Paula Lavigne – levado por Regina, a Casé, usa boné do MST e vê, a bordo de um barquinho que flutua nas ondas serenas de algum mar da Bahia às vésperas do Réveillon, o sol se esconder preguiçosamente no horizonte. Humberto é aquele Brasil que poderia ter sido; é o Brasil que levantará o hexa e que, um dia, enfim, irá nos redimir. Beto, permita-me chamá-lo assim, é o Brasil que um dia será. 

Humberto Carrão é o Rio de Janeiro e o sol que colore em degradê a cidade partida ao meio, jamais São Paulo e sua concretude megalomaníaca e cafona. Humberto é Carnaval, Glauber, “Transa”, Tropicália e o violão de Baden. Humberto Carrão também é Latinoamérica, por supuesto, e o colar da umbanda pendurado no pescoço bronzeado. Humberto, cantai por nós: “É também um pouco de uma raça/ Que não tem medo de fumaça ai, ai/ E não se entrega, não”. 

Outro dia, e eu não esperava tamanha surpresa, o deus algoritmo me jogou em um perfil maravilhoso no Instagram. Humberto Carrão News é pura magia que transcende. Virtualmente, faço parte do “Fã Clube dedicado a @humbertocarrao”, como aparece na descrição da página. 

Ali, vejo Humberto andando a cavalo, sorrindo moleque com atores e atrizes e artistas da TV, jovens tão cheios de alegrias e ilusões, toda utopia cariocamente brasileira, genuinamente tropical… Também posso ver Humberto pisando o chão do Pelourinho emoldurado pelas casinhas e edifícios cujas fachadas coloridas me fazem lembrar daquele abril de 2010. E tome Humberto com o dedo indicador da mão direita sustentando leve e docemente uma pomba branca. Vestido com os adereços do bloco Ilê Aiyê, ele olha nos olhos da pombinha bicuda, e parece perguntar: “O que é a vida, o que é viver?”. 

Humberto filosofa, enquanto escuta um jazz fusion em London Town, onde esteve recentemente. Mas Humberto também samba, claro. Como não haveria de sambar? E aquele dia em que a Terra parou? Ele, Selton Mello e Wagner Moura, o verdadeiro pai de Humberto, pousaram esplendidamente no Armazém do Senado, na rua do Senado esquina com Gomes Freire, no Centro do Rio, essa cidade que reúne todo o esplendor e a desgraça de um país que sangra esperança e remorso.

Humberto samba com Wagner Moura e Selton Mello… Aí percebo como minha vida é triste e miserável, sem qualquer vestígio que indique um futuro menos ordinário. Eu, um rapaz latino-americano inocente, puro e besta, um dia hei de merecer passar uma tarde bebericando com ele num botequim, a camisa meio aberta no peito e os braços abertos como um Cristo Redentor que, seduzido pelo delírio, aceita o milagre existente entre o divino e a malandragem?

São tantos lamentos, tantos tangos e incertezas, que, após esta carta escrita no disparo de um tiro, no imprevisto de um caminhão desgovernado, pergunto aos céus, após despertar de sonhos intranquilos: quantas luas terei de esperar para conhecer Humberto Carrão?

Bruno Mateus é jornalista de Belo Horizonte, pai da Amora e interessado pelo extraordinário das coisas comuns.

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Redação

1 Comentário

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  1. Quem sabe no dia que Lula, psicografado por Rê Bordosa, ela mesma psicografada pela Preta Gil, decrete a volta da memória em respeito aos mortos e torturados em 64?

    Dê-se por satisfeito, filho.

    É isso que tem, por enquanto…

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