O ministro bolivariano, por Frederico de Almeida

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Frederico de Almeida*

Do Justificando

Após um ano e cinco meses impedindo a continuidade do julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela OAB contra o financiamento empresarial de campanha, o ministro do STF Gilmar Mendes finalmente devolveu os autos que havia pedido em vistas e proferiu seu voto.

Se a situação de tão longo pedido de visitas já era absurda por si só, o conteúdo e a forma como Mendes proferiu seu voto só tornou ainda mais condenável sua atuação nesse caso. Valorizado por sua suposta competência técnico–jurídica em direito constitucional, e tendo proferido um voto muito bem fundamentado há pouco mais de duas semanas na ação sobre a inconstitucionalidade do crime de porte de drogas para consumo próprio, Mendes proferiu na ação sobre o financiamento de campanhas um voto de cinco horas impregnado de senso comum, contrariando frontalmente os dados de pesquisas sobre corrupção e financiamento eleitoral, e fazendo acusações inaceitáveis contra partidos e entidades favoráveis à declaração de inconstitucionalidade.

Mais do que isso, foi um voto partidário. Mendes resumiu o problema da corrupção ligada ao financiamento eleitoral a uma prática exclusiva do PT, e associou os interesses na declaração de inconstitucionalidade aos interesses do PT. Com isso, desrespeitou os interesses e o trabalho da OAB, autora da ação, de pesquisadores do tema, de entidades da sociedade civil e mesmo de partidos e políticos com longo histórico de crítica ao financiamento empresarial e à corrupção política. Quando o presidente do STF concedeu a palavra ao representante da OAB, que expressaria sua contrariedade às insinuações de Mendes, o ministro simplesmente abandonou a sessão.

Mendes vinha justificando sua resistência em proferir voto sobre o tema com o argumento de que essa era uma questão a ser decidida pelo Legislativo e não pelo Judiciário. Estou de acordo com ele, e acrescento: o argumento da OAB de que o financiamento empresarial rompe com a igualdade eleitoral da regra “um homem, um voto” me parece até um tanto exagerado em termos lógicos e jurídicos. A questão, em minha opinião, não deveria ser decidida com base em um argumento formal de constitucionalidade, mas sim em um juízo político de conveniência sobre as relações entre poder econômico e democracia. Mas o fato é que havia uma ação proposta perante o STF, que não pode se furtar de decidí-la; para o bem ou para o mal, o STF não possui o mecanismo que permite à Suprema Corte dos EUA decidir sobre quais casos decidir. Pior ainda: quando Mendes pediu vistas do processo, a ação já estava em julgamento e já havia maioria formada entre os ministros pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas.

Ficou bastante claro que Mendes segurou a ação consigo até o Congresso Nacional decidir a questão, para só então devolvê-la ao plenário. Em seu voto de ontem ele podia simplesmente dizer que a questão perdeu objeto, uma vez que a recente decisão da Câmara dos Deputados estabeleceu nova regulamentação constitucional. Mas preferiu ir além, fazendo de seu voto um discurso político no pior sentido do termo, e de seu destempero e sua saída abrupta da sessão mais uma manobra para ganhar tempo, na esperança presunçosa e autoritariamente expressa de reverter a maioria já existente entre seus pares.

Logo após as eleições de 2014, Mendes manifestou ao jornal Folha de São Paulo sua preocupação em relação à possibilidade do STF se converter em uma “corte bolivariana”. Referia-se, de imediato, à possibilidade da presidenta Dilma Rousseff nomear mais ministros do STF em seu segundo mandato, compondo então uma “maioria” do PT na corte, juntamente com os demais juízes nomeados anteriormente por ela e pelo presidente Lula; mas sua referência mediata era ao regime venezuelano inaugurado por Hugo Chávez, caracterizado, entre outros aspectos, pelo controle político do Executivo sobre as demais instituições e pela perseguição judicial de adversários políticos.

O lamentável desenrolar da ação de inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas nos leva a crer que a profecia de Mendes se concretizou: não pela mão de um Executivo de esquerda, mas sim pela obra individual de um dos membros do próprio STF, que de maneira autoritária e destemperada partidariza sua atuação como ministro e instrumentaliza o direito para praticar sua oposição a adversários políticos, sob o silêncio complacente e atônito de seus colegas e aplausos de lideranças do Legislativo. Aliás, essa parece ser a maior ironia do atual momento político: após tanto falar em “bolivarianismo” em sua contestação de um governo de esquerda fracamente reformista e aliado à direita, é a oposição ao PT que está transformando o Brasil na Venezuela que temia, com o conflito político descambando para o ódio e a violência, instabilidade institucional duradoura e instrumentalização das regras do jogo para objetivo partidários.

*Frederico de Almeida é Bacharel em Direito, mestre e doutor em Ciência Política pela USP, é professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

22 Comentários

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  1. Se a Câmara nomeia, pode destituir

    Bem, às vezes vejo o STF meio perdido, sem regras e com muito exibicionismo. Depois dessa demora do GM é impossivel que não regulamentem o assunto. A atitude em relação ao advogado da OAB e abandono da seção por duas vezes foi falta de civilidade, arrogância, falta de decoro e desrespeito à liturgia do cargo e à instituição.

    Falta um congressista macho o suficiente para convencer seus pares a destituí-lo do cargo. Mas acho que não há.

    Há um aspecto nessa ADI 4650: o julgamento foi político e não jurídico. Forçaram a barra. Não é inconstitucional; mas votaram contra a imoralidade de políticos, agentes do estado e empreiteiros. Já é alguma coisa.

  2. Ao fim e ao cabo, redução do

    Ao fim e ao cabo, redução do tempo de campanha política, financiamento privado de campanha e criação indiscriminada de partidos favorece a quem?

    Respostas inteligentes, por favor. Vamos parar de fazer comentários sem nada a ver com a matéria.

    1. Bem, será que consigo?

      Apesar do meu QI estar no primeiro quartil da escala, vou tentar. Redução do tempo de campanha significa redução de custos e melhor aproveitamento do fundo partidário. Por outro lado evita aquela encheção de saco, atraso de jornais da TV e novelas. Evita tambem a exposição de nulidades que acabam engabelando os desinformados, desinteressados e analfabetos políticos. Financiamento de campanha: não há fórmula ideal ou perfeita; saindo dos cofres da viúva é possivel rastrear e controlar. Melhor que dilapidar empresas do estado. Por fim, criação indiscriminada de partidos: não sei; mas pergunte ao Eymael, Levy Fidelix e outros menos ridículos.

  3. E……………………………………..

    Depois desta, acho que o Ministro bolivariano deveria pedir o boné e sair !!!!!

    Totalmente desmoralizado !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  4. A bem da verdade, Gilmar

    A bem da verdade, Gilmar Mendes é um problema menor.

    O maior problema é não termos um Senado capaz de promover o Impedimento deste degolador que foi colocado por FHC no STF e que deveria estar proferindo sentenças no Estado Islâmico. 

  5. O pior de tudo isso é que boa

    O pior de tudo isso é que boa parte da população aprova esse tipo de comportamento, já que o Gilmar Mendes está agindo como inimigo do PT.  Essas pessoas acreditam que tudo que for contra a posição do PT é bom para elas. São totalmente irracionais.  Para elas, o inimigo do meu inimigo, é meu amigo, ainda que seja meu inimigo também.

     

     

  6. Quando Gilmar Mendes fez alusão a um STF Bolivariano, era so uma projeção de sua atuação no Supremo. Nesse sentido, ele sempre – em todas as questões – foi “bolivariano” (segundo o que ele entende por isto) servindo à uma elite e ao PSDB.

  7. Sobre o voto desastrado do

    Sobre o voto desastrado do “ministro” (sic) Gilmar Mendes (que desenra a Excelsa Corte), diria Uguccione da Pisa, jurista da Idade Média: “Non lex, sed faex” (Não lei, mas fezes).

  8. Na verdade, o ministro é polivariano

    Na verdade, o ministro é polivariano

    Como Gilmar Mendes acabou de votar para liberar o consumo de cocaína e outros drogas e também afirmou ontem que era guiado por “la mano de Dios”, tal qual um Maradona, o mais correto é chamá-lo de Ministro Polivariano do STF.

  9. Otima definição para o ministro partidarizado

    Esse é o verdadeiro ministro chavista. Aquele que instrumentaliza e partidariza a suprema corte. É uma caricatura. Infelizmente, nada inofenciva.

  10. Lendo o artigo, veio a

    Lendo o artigo, veio a lembrança de que à época do Joaquim Barbosa, houve o caso da reforma nas instalações sanitárias do STF; espero que os engenheiros tenham dado especial atenção a questão da vazão ao que e lá se tem produzido!

  11.  
    Tenha paciência. Mais

     

    Tenha paciência. Mais respeito com O Libertador Simon Bolivar*. Que não pode ser contaminado, tendo o nome mencionado no mesmo espaço  em que se trata de excrementos, esgotamento sanitário e lixão.  Como no caso desse texto, voltado à desinfecção e detetização de um estrupício como esse indivíduo reacionário, e estúpido casca-grossa.

    Abaixo pequeno trecho da brilhante história desse grande Heroi Latino-Americano:

    Simón Bolívar foi político e militar venezuelano que atuou de forma decisiva no processo de independência da América Espanhola. Bolívar foi de grande importância para a independência da Colômbia, Panamá, Perú, Equador, Bolívia e Venezuela.

    É uma das figuras históricas mais importantes da América Latina, considerado um herói revolucionário em grande parte da América Latina. Em função de sua atuação militar e política na emancipação de vários países latino-americanos, ficou conhecido como “O Libertador”. Atuou também como presidente de quase todos os países que ajudou a liberdar do domínio espanhol.

    Orlando

    PS. * José Inácio de Abreu e Lima, notável político, escritor, jornalista e general, o “Inácio pernambucano”, que lutou quatorze anos ao lado de Simón Bolívar, um dos heróis da independência da Venezuela. Nas terras do município, na época povoado de Maricota, se deu no dia 10 de novembro de 1848 a primeira batalha da Revolução Praieira, que havia sido deflagrada três dias antes na cidade de Olinda. Maricota pertencendo ao município de Paulista (Pernambuco)

    Este, é um brasileiro que é praticamente desconhecido no Brasil, por conta da ignorância e também da falta de caracter da nossa imprensa calhorda e anti-brasileira. Ao que parece, Pulitzer  pra formular a sentença abaixo, a utilizou como modelo e referência :

    “Com o tempo, uma imprensa cínica, Mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”  – Joseph Pulitzer

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