Falsas polêmicas na agricultura, por Carlos José Espíndola e Roberto César Cunha

Com efeito, historicamente, mesmo o Brasil mantendo relações atrasadas, a agricultura foi e é penetrada fortemente pelo capital.

Falsas polêmicas na agricultura

por Carlos José Espíndola e Roberto César Cunha

A agricultura e agricultores brasileiros sempre foram alvo do laxismo de divisões que eclipsam a dimensão dinâmica do processo histórico de desenvolvimento. Não é necessário esquecer que desde as primeiras transformações modernas na agricultura, de tempos em tempos, sobretudo nos de crise, surgem falsas polêmicas.

A primeira a surgir, nos anos 1950, foi atravessadores X agricultores. Aqueles compravam barato desses e vendiam nas cidades mais caro. A segunda falsa polêmica está nos anos de 1960, onde intelectuais se digladiavam sobre a permanência ou não de relações feudais na agricultura. Afirmavam, sobretudo os cepalinos, que a existência das relações pré-capitalistas era essencial para barrar o desenvolvimento do capitalismo na agricultura e isso explicaria a baixa produtividade agrícola. O fato é que tendo ou não relações atrasadas, o capitalismo penetrou definitivamente no campo. Na década de 1970, vem à baila a falsa polêmica entre produtos exportados X produtos para consumo interno. O argumento prescindia que as políticas governamentais e condições tecnológicas avançadas privilegiavam o setor de produtos de exportação em detrimento ao setor de produtos de consumo doméstico. Assim como os atravessadores e os senhores feudais, os produtos exportáveis eram considerados malfeitores. No final do Século XX e começo do Século XXI, emergiu outro dualismo: agricultura familiar (milhões de agricultores com pouco ou sem terra, excluídos das políticas públicas e marginalizados) X agronegócio (ricos, inseridos nos mercados internacionais, tecnificados e detentores de privilégios nos governos). Os primeiros produzem alimentos e os últimos fabricam mercadorias.

Em plena terceira década do século XXI, a inacreditável quinta falsa polêmica volta: agricultura X indústria. Há meses os canais de divulgação são bombardeados com artigos de argumentos “especializados nos agronegócios nacionais”. Esses são de todos os matizes de economia política. Os argumentos “Ricardiano” lideram. A vocação agrária do Brasil é comum nos argumentos dos conservadores e progressistas. Voltam no debate primitivo de concorrência perfeita e imperfeita. Esses arrazoados são tendências mais palatáveis do pensamento político ocidental. Por isso, tendem a ter uma penetração e influência particularmente acentuadas.

Disso tudo, é preciso olhar a agricultura no país dentro de uma lógica não-linear da totalidade. Se assim, o ponto-chave é: as contradições sociais concretas da totalidade social. Com efeito, historicamente, mesmo o Brasil mantendo relações atrasadas, a agricultura foi e é penetrada fortemente pelo capital. Quanto mais o capitalismo entranha-se no campo, mais a agricultura passa por formas superiores de organização produtiva. Assim, surgiram, dependendo das características de cada região do país, empresas capitalistas privadas, grandes e pequenas cooperativas, pequenas e médias propriedades com elevada composição orgânica do capital.

 O processo de desmantelamento do complexo rural, a partir da década de 1930, criou o mercado interno para o capitalismo industrial nacional se desenvolver. Paralelamente a isso, o aumento da divisão social do trabalho, rompendo os laços primitivos que antes uniam a agricultura e a atividade artesanal, criou condições para uma nova união entre agricultura e indústria. Com incorporação de tecnologia no campo, foi possível o aumento da divisão do trabalho, o que proporcionou aos trabalhadores braçais e trabalhadores qualificados especializações dos instrumentos e ferramentas.

Essa nova união resultou no surgimento de cadeias produtivas específicas e um novo tipo de produtor (complexo produtivo dos agronegócios – ver figura abaixo). Emergiram, com isso, as agroindústrias de bens de capital para a agricultura (agroquímicos, agrobiológicos e agromecânicas), as agroindústrias de processamento, os agrosserviços de preparação e logística, os agrosserviços de aprimoramento e ampliação dos negócios e os agrosserviços transnacionais e de distribuição. Nessa estrutura produtiva, são empregados, na pesquisa, na produção, na comercialização e na distribuição, diferentes fatores que permitem o aumento da produtividade e a conquista de mercados externos.  As várias cadeias produtivas, inseridas nesse complexo, produzem bens menos processados e mais processados com elevado grau de valor agregado, que alteraram os hábitos de consumo da população brasileira.

Elaboração: Carlos José Espíndola e Roberto César Cunha

Contudo, o ponto nevrálgico do debate é: o processo de oligopolização desse complexo produtivo. Os setores de alta e baixa intensidade tecnológica estão sob duros e poderosos oligopólios. No pré porteira e dentro da porteira, nos agroquímicos (BASF, BAYER e Syngenta) e nas máquinas agrícolas (John Deere, AGCO, e CNH). No pós porteira, cinco grandes tradings dominam a circulação de grãos (ABCD e COFCO). Nesse sentido, compreender os agronegócios nacionais, em uma visão de conjunto da sociedade brasileira, não é entrar na velha forquilha: agricultura X indústria. Essa abordagem caminha para um antagonismo que não há na realidade.

Carlos José EspíndolaGeógrafo, Doutor em Geografia Humana (USP). Professor titular da UFSC. Email: [email protected]

Roberto César CunhaGeógrafo, Doutor em Geografia (UFSC). Email: [email protected]

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