Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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O que os manifestantes dizem sobre a aprovação da “lei ônibus”

Apesar da megaoperação de repressão montada pelo governo, os protestos aconteceram durante os três dias de discussão, até a aprovação da lei

Foto Maíra Vasconcelos

O que os manifestantes dizem sobre a aprovação da “lei ônibus”

por Maíra Vasconcelos, especial para Jornal GGN

“Me sinto mal. Porque minhas filhas trabalham e não vão conseguir bons empregos com isso (a aprovação da lei). Vão estar sempre atrás, e não adiante. Os empregadores vão fazer o que querem”. Enquanto Daniel Troncoso, 58, hoje desempregado, dizia porque é contra a chamada “lei ônibus”, na calçada em frente, chegavam dezenas de policias, além de outra dezena de carros, caminhões e motos da desproporcional megaoperação montada pelo governo. Após a votação e aprovação da “lei ônibus”, na última sexta-feira, 2, com a presença de manifestantes de esquerda, movimentos sociais e sociedade civil auto convocada, mobilizados em protesto na Praça dos Dois Congressos, a operação policial comandada por Patricia Bullrich, ministra de Segurança, ocupou parte da Avenida Rivadavia, artéria que divide Buenos Aires entre Norte e Sul.

Troncoso é baixinho, se identifica como peronista, falava calmo sobre a situação política do país, mas a cada barulho do motor das motos da Polícia Federal Argentina (PFA), ele soltava um grito aos policiais. Se dizia ciente dos processos legislativos, desconfiado das “negociações” entre a classe política para aprovação da lei, mas acredita que ainda há esperanças porque o texto precisa passar pelo Senado. “E vai ser artigo por artigo, não é tão fácil. Mas tem muito negociado dentro do Congresso. Negociam com dinheiro, é assim”. Na próxima terça-feira, 6, a “lei ônibus” voltará à Câmara dos Deputados onde, dessa vez, será discutido cada artigo, para logo ser enviada ao Senado.

A Câmara dos Deputados aprovou, com meia sanção, a lei “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, que chegou para discussão ao recinto parlamentar com 525 artigos, 139 artigos a menos do que a versão original, e, ao final da aprovação, terminou com 384 artigos. A motosserra do governo de Javier Milei, símbolo usado para expressar os cortes pretendidos ao Estado, se viu obrigada a recuar ante uma centena de alterações que propunham, por exemplo, a concentração de poderes extraordinários ao presidente e uma lista de empresas a serem privatizadas. Os governadores das Províncias tiveram grande protagonismo na hora de decidir quais artigos ou capítulos seriam subtraídos. 

Enquanto a praça continuava ocupada por manifestantes, dezenas de bandeiras de partidos de esquerda e movimentos sociais, a jornalista Noelia Ferrario, 32, mantinha levantado o periódico “Resistência”, editado pelo Sindicato de Trabalhadores de Imprensa de Buenos Aires (Sipreba). Na outra mão, ela segurava os demais exemplares para venda, à colaboração, e com um valor sugerido de $1mil pesos.

Ferrario considera que essa primeira aprovação da versão geral da lei significa uma “derrota parcial dos trabalhadores”, já que o governo precisa mostrar mais habilidade e força política, ao contrário do que aconteceu neste primeiro tratamento legislativo, se deseja que a lei chegue ao Senado. A presidente do Senado é a vice-presidente Victoria Villarruel, declaradamente defensora de repressores da última ditadura cívico-militar argentina (1976-1983), sobrinha de um militar que tinha escritório próprio em um ex-centro clandestino de detenção  chamado “El Vesubio”.

Para a jornalista, delegada para o Sipreba na Rádio Perfil, onde trabalha, a Argentina decidiu defender as instituições democráticas, ao dizer “Nunca mais” ao terrorismo de Estado perpetrado pela ditadura, um país “que não iria permitir esse tipo de atropelos novamente”. “É uma lei que, se passar, vai transformar as bases democráticas do país. Isso não pode acontecer, sobretudo em um país que muito claramente disse que estava pelo “Nunca mais”, pela democracia”.

Apesar da megaoperação de repressão montada pelo governo, os protestos aconteceram durante os três dias de discussão, até a aprovação da “lei ônibus”. Para reprimir, a polícia usou gás lacrimogêneo, armas de bala de borracha, caminhões hidrantes e cassetetes. Os policiais nas motos jogavam gás para dispersar e obrigar os manifestantes a irem para a calçada, fazendo cumprir o protocolo antiprotesto, lançado em dezembro do ano passado, logo após a assunção de Milei, pelo ministério de Segurança.

Mais de vinte jornalistas e fotojornalistas ficaram feridos na ação policial comandada por Patricia Bullrich. Em entrevista para uma rádio local, ontem, a ministra justificou e defendeu a operação policial, “foi uma disputa com os manifestantes, depois que jogaram de tudo na polícia”. “Sei o que estou fazendo, e estou fazendo bem”. Ao ser questionada sobre a possibilidade de vítimas fatais, Bullrich afirmou que não deixará de agir por “medo de que haja um morto”.

A única coisa que você consegue ao ter medo de que haja um morto é não fazer nada. Eu não tenho medo de agir, ou você acha que eu não avalio o custo quando envio tropas para enfrentar um narco?”, disse a ministra de Segurança.

Sobre a repressão e confronto entre policiais e manifestantes, no segundo dia de discussão da lei no Congresso, a jornalista Ferraro falou em nome do Sindicato de Trabalhadores de Imprensa de Buenos Aires, sobre a tentativa do governo de incriminar os manifestantes, além de denunciar o uso de dispositivos de repressão diferentes daqueles que já eram conhecidos, como um gás  lacrimogêneo mais químico. Os manifestantes estavam proibidos de bloquear a Avenida Rivadavia, na lateral da Praça dos Dois Congressos, que atravessa a capital de Leste a Oeste, com seus 35 quilômetros.

“Nós, do sindicato, já emitimos um comunicado para repudiar as ações desse governo. Disseram que os militantes que vieram manifestar tinham agredido os jornalistas. Mas está tudo filmado. Além do mais, estão ensaiando novos métodos repressivos, usando gases lacrimogêneos que não se usavam antes, que geram queimaduras químicas na pele. Foram feitas denúncias de distintos organismos de direitos humanos”.

O militante da Corrente Marxista Internacional, Lautaro García, 42, acredita no poder das ruas, disse que os protestos irão continuar, e lembrou as manifestações anteriores, que acontecem desde 20 de dezembro. Para ele, essa é a forma de derrotar governos de ultradireita. García considera que o governo é “frágil e se apoia unicamente na “cozinha parlamentária”.

“Estão acontecendo uma série de manifestações aqui no Congresso, a imensa mobilização que significou a greve geral de 24 de janeiro, como também a marcha à Praça de Maio, dia 20 de dezembro, quando se quebrou o protocolo antiprotesto. Para derrotar a ultradireita não temos que confiar nem no Parlamento, nem na Justiça, vai ser a própria força dos jovens, dos trabalhadores organizados em seus sindicatos, em seus bairros, em suas organizações sociais, políticas e estudantis é que podem derrubar a política de Milei. Vamos estar permanentemente em mobilização”.

No dia seguinte à votação e aprovação, por meia sanção, da chamada “lei ônibus”, o presidente Javier Milei viajou à cidade de Mar del Plata, um dos destinos mais conhecidos da costa argentina, para ver o espetáculo “Fátima 100%”, apresentado por sua namorada, a atriz, humorista e imitadora Fátima Flórez, no dia de seu aniversário, 3 de fevereiro. Com ingressos esgotados desde dezembro do ano passado, o espetáculo “Fátima 100%” é o sucesso da temporada de verão marplatense.

Maíra Vasconcelos – jornalista, mora em Buenos Aires, publica artigos sobre política argentina no Jornal GGN e cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também publica crônicas no GGN.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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