Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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45 dias de governo: primeira greve geral contra a motosserra de Javier Milei

Representantes sindicalistas prometem voltar às ruas, caso a desregulação da economia seja aprovada. “Tudo depende do decreto”.

45 dias de governo: primeira greve geral contra a motosserra de Javier Milei

por Maíra Vasconcelos, especial para Jornal GGN

Por volta do meio-dia, o clima era de tensão no centro de Buenos Aires, na Avenida de Maio e arredores. Uma multidão representada por trabalhadores, organismos de direitos humanos, movimentos sindiciais e sociais de oposição, entre peronistas, progressistas e trotskistas, marcharam nesta quarta-feira, 24, em direção ao Congresso, contra as políticas de ajuste do governo de ultradireita do extremista Javier Milei, expressadas em um mega decreto de necessidade e urgência (DNU) e na chamada “lei ônibus”, que juntos contemplam mais de 900 artigos. Com apenas 45 dias de mandato presidencial, essa é a greve mais rápida contra um governo, na Argentina, desde 1983. As manifestações aconteceram também em outras cidades do país, como Rosario, Córdoba, Bariloche e Mar del Plata. De acordo com os presidentes dos sindicatos, os protestos levaram 1,5 milhões de pessoas às ruas, em todo o país, e 600 mil na Capital Federal. O governo estimou 40 mil manifestantes na capital argentina e a polícia 80 mil.

Representantes de sindicatos e movimentos sociais afirmam que, caso o governo avance com as medidas e a “lei ônibus” seja aprovada no Congresso, novas marchas e greves serão convocadas. O dirigente do movimento popular “La Dignidad”, Javier Burelli, 48, falou à reportagem do Jornal GGN que a Argentina nunca tinha visto um projeto de “destruição do país avançar tão rapidamente”. A “lei ônibus” não tem precedentes na Argentina e contempla, por exemplo, a privatização de grandes empresas, como a “Aguas y Saneamientos Argentinos”, o “Correo Argentino”; a suspensão das restrições para novos endividamentos externos em grande escala, a isenção de responsabilidade criminal para policiais ou qualquer pessoa que execute um criminoso, e a restrição ao mínimo possível do direito ao protesto.

“Enquanto o governo não quiser escutar e entender que essas ações são muito negativas para o povo, nós vamos às ruas todas as vezes que forem necessárias. Enquanto o governo não deixar de prejudicar o trabalhador, os aposentados, os jovens, os moradores dos bairros populares, seguiremos”, disse Burelli. A jornada de greve e manifestação contou com um numeroso operativo policial nas ruas, mas a multidão marchou e desafiou as ameaças de repressão da ministra de Segurança, Patricia Bullrich, que se esforça em repetir que não será tolerado que os pais levem crianças às marchas, e que irá cobrar dos sindicatos e movimentos sociais o custo com as operações policiais. Segundo o protocolo antiprotesto lançado pelo governo, os manifestantes devem andar nas calçadas, sem bloquear ruas e avenidas.

Uma multidão que vinha do subúrbio, da zona sul de Buenos Aires, foi impedida de chegar ao Congresso. Carros da polícia bloquearam a passagem pela ponte “Pueyrredón”, que liga a capital ao município de Avellaneda. O argumento para o número desmedido de policiais é que a multidão atrapalharia o trânsito na ponte. Mas foi a própria polícia que tornou inviável a passagem pelo local, durante todo o dia. A greve teve adesão do sistema de transporte, que funcionou durante as primeiras horas dos protestos para que os manifestantes pudessem se locomover, alguns comércios, teatros e livrarias da capital, mais de 300 voos ao país foram cancelados, entre outros serviços que deixaram de funcionar.

Para Juan Carlos Amerfil, 72, aposentado, que veio de Florencio Varela, zona sul da Província de Buenos Aires, para participar do protesto, as medidas do governo representam uma “condenação à morte” ao povo argentino, pela ameaça a direitos básicos como alimentação e aposentadoria. “Isso é uma síntese funesta do que foram outros governos. Querem privatizar empresas estratégicas, como a YPF (petroleira) e a Aerolíneas Argentinas, desde onde nosso país tem uma visão política soberana. Minha mãe, esteve 10 anos com Menem (ex-presidente neoliberal) e recebia uma cifra ínfama. Ela foi uma miserável durante esse tempo. E esse homem quer fazer o mesmo conosco”, afirmou Amerfil.

A região do Congresso, em Buenos Aires, tem concentrado inúmeras manifestações contra o governo, desde de dezembro do ano passado, quando assumiu o novo presidente. Desde então, têm sido sucessivas as manifestações de rua na capital.

O secretário-geral da Federação Gremial da Carne, para a Região Metropolitana de Buenos Aires (AMBA) e Província de Buenos Aires, Otero Miguel Ángel, 63, falou com a reportagem do Jornal GGN sobre a necessidade de anulação do mega decreto e ironizou sobre a promessa de campanha de Javier Milei, de que quem pagaria o ajuste fiscal seria a “casta política”. Quer dizer, a grosso modo, a classe política que se sustenta no poder a partir de privilégios e, que, segundo prometia o presidente, seria eliminada. Já que Milei também foi eleito com o discurso de que ele não é político.

“O primeiro que vamos esperar é a derrogação do DNU. É aberrante, não somente com a classe trabalhadora, mas também com os aposentados. Acho que quando o presidente falava de casta, ele se equivocou, começou pelos de baixo ao invés de começar pelos de cima. Tudo depende do DNU. Se for aprovado, vai ter mais greve e vamos sair às ruas”, destacou Ángel. 

A manifestação terminou com o discurso de uma das referentes das Mães da Praça de Maio, Taty Almeida, histórica militante dos direitos humanos, que teve seu filho desaparecido, Alejandro Almeida, em junho de 1975, pela Triple A – Aliança Anticomunista Argentina. “Nós dizemos, as mulheres loucas, que apesar das bengalas e cadeiras de rodas, ainda estamos de pé”. Antes de finalizar, Taty bradou o clássico grito de luta, “30 mil desaparecidos presentes, agora e sempre”.

A “lei ônibus” e a “oposição amigável”

Nesta segunda-feira, 22, foi divulgada uma nova minuta da “lei ônibus”, que leva o nome imperioso de “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, com 525 artigos, 139 a menos do que a original. Dos 257 deputados do Congresso argentino, 102 peronistas e 5 trotskistas conformam uma oposição direta aos mega projetos de “desregulação da economia” e a quase supressão do Estado. O partido de governo “La Libertad Avanza” tem uma minoria na Câmara dos Deputados e no Senado, 15% e 10%, respectivamente. Após a vitória do extremista Milei, surgiu a “oposição amigável”, formada por blocos de direita e centro.

Sobre os artigos que compõem a lei “Bases…”, o jornalista Sebastián Lacunza, escreveu: “uma curiosidade é que não se sabe exatamente quem redigiu, mas está claro que foram elaborados às pressas, com sérios problemas técnicos. Várias fontes disseram a este jornal que a autoria foi de escritórios privados de advocacia, que representam grandes empresas e o mundo financeiro, fato não admitido por funcionários de alto escalão, mas que também não foi negado”, escreveu Lacunza em artigo para o jornal “El DiarioES”.

Maíra Vasconcelos – jornalista, mora em Buenos Aires, publica artigos sobre política argentina no Jornal GGN e cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. 

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