A semana mais insana dos últimos anos, por Eduardo Borges

Na quarta feira (10 de março) o ex-presidente resolveu se pronunciar ao Brasil. Falou como o velho Lula de sempre. Alternou, como já é de sua estratégia, entre o ex-torneiro mecânico e o estadista.

Fachin, Lula, Bolsonaro, Gilmar, Maia e a ‘esquerda consentida’: A semana mais insana dos últimos anos

por Eduardo Borges

Desde a eleição do capitão Jair que o Brasil não mais descansou. Da posse para cá temos vivenciado momentos insanos que certamente nem a mais fértil mente criativa dos roteiristas de Hollywood poderia conceber. Os humoristas nunca tiveram uma concorrência tão desleal. Elegemos um bufão que como todo bobo da Corte tem como dever de ofício nos divertir a cada manhã. É certo que tudo isso realmente seria cômico se não fosse trágico pelo fato do tal bobo ser o presidente da nação. Aquele que tem a responsabilidade de conduzir o presente e preparar o futuro de 220 milhões de seres humanos.

Desde quando uma figura tão tosca e impensável como Bolsonaro conseguiu viabilizar-se enquanto candidato e, o que é pior, se eleger para o posto de presidente da República, que parte do país tem se perguntado como esse fenômeno aconteceu. Como a democracia conseguiu falhar tanto? Quem foram os responsáveis por estabelecer de forma tão vigorosa e cretina a demonização da política a ponto de possibilitar a viabilidade de Bolsonaro? Quem esteve por trás (aqui leia-se principalmente a grande mídia e seus porta-vozes) da desconstrução diária do Partido dos Trabalhadores iniciada desde à época da Ação Penal 470? (me nego a chamar de mensalão para não reproduzir um termo cunhado por uma figura com a folha corrida de Roberto Jeferson). Hoje, alguns destes periodistas (incluindo os youtubers) que em passado recente fizeram fama, escreveram livros, cunharam termos, incorporaram seguidores e certamente ganharam muito dinheiro à custa de um abjeto antipetismo estão passando por uma estratégica reposição de imagem e para nossa tristeza (digo de quem é verdadeiramente de esquerda) estão sendo tranquilamente incorporados como aliados por uma parcela desta mesma dita esquerda (em diante a chamarei de esquerda consentida).

Esses tipos bateram no PT quando era conveniente bater no PT e pularam do barco quando a democracia foi defenestrada por Bolsonaro e se tornou conveniente para sua imagem posar de progressista e, porque não, antifascista. Um famoso youtuber, com milhões de seguidores, hoje queridinho da esquerda consentida (no novo projeto “revolucionário” da esquerda a quantidade de seguidores é o que tem importado), comemorou em uma pizzaria o golpe contra Dilma. Um famoso ex-ator, hoje deputado, que se viabilizou politicamente lambendo os pés da famiglia Bolsonaro e passou toda a sua campanha demonizando qualquer pauta progressista, hoje, é figurinha carimbada em programa de canais progressistas. Essa esquerda, que tenho chamado de “esquerda consentida” não percebeu que o Brasil não é um país para amadores. Basta estudar um pouco mais os bastidores das entranhas do jogo político republicano (coisa que tenho feito nos últimos vinte anos) que vai perceber a complexidade das relações de poder no Brasil e o quanto nossa elite dirigente manipula corações e ementes de incautos (entre eles progressistas bem intencionados) com seu eterno canto da sereia da civilidade liberal. Desde 2005, com a Ação Penal 470, até 2014 com o início da Operação Lava Jato e com a culminância do projeto em 2016 com o golpe contra a presidente Dilma Rousseff que a elite dirigente (leia-se mídia, militares, burguesia econômica e judiciário) controla e define os rumos de nossa democracia pelo alto (este é o conceito que defendo para a democracia brasileira).

A cereja do bolo dessa gente, depois de demonizar o PT e qualquer projeto de esquerda, seria “matar” politicamente o maior líder popular da história do Brasil, o ex-presidente Lula. Mas a esquerda consentida aparentemente ainda não percebeu de que realmente havia um projeto de poder muito maior por parte de nossa elite dirigente forjado desde 2005. Portanto, ela segue “ingenuamente” transigindo com golpistas et caterva. Na tarde do último dia 8 de março o país se viu de frente com mais um movimento de peça do xadrez da elite dirigente, e entre 8 e 12 de março tivemos uma semana para não mais esquecermos.

O Ministro do STF, Edson Fachin, através de uma decisão monocrática anulou todas as condenações impostas pela justiça Federal do Paraná ao ex-presidente Lula no âmbito da Operação Lava Jato. Imediatamente o país entrou em convulsão. Apoiadores e adversários do ex-presidente trataram de construir rapidamente as interpretações para a decisão do ministro. Uma parcela da população vibrou, a outra se sentiu ofendida. Fachin (lavajatista de primeira hora) agia de forma calculada. Possivelmente, ao anular somente as condenações (assegurando a manutenção das provas colhidas no processo), conseguiria tirar do foco de críticas o ex-juiz Sergio Moro e os Procuradores e, ao mesmo tempo, assegurar que Lula continuaria sendo réu em processo posterior. Seria, para o ex-presidente, uma vitória de Pirro. Mas o que nos interessa aqui não é o desdobramento jurídico da decisão de Fachin, esse, para quem acompanhava de perto o xadrez da elite dirigente desde 2005, foi somente um movimento de peça, o que realmente importa  é o desdobramento político para 2022.

Aqui a semana insana foi verdadeiramente um manancial de simbologias. O primeiro movimento foi dado pelo próprio STF (os coleguinhas de Fachin). Um possível desdobramento da jogada de Fachin era, ao anular as condenações contra Lula, anular por tabela o julgamento de um Habeas Corpus impetrado desde 2018 pela defesa do ex-presidente (Gilmar Mendes tinha pedido vista do processo e este ficou parado até a última terça feira) alegando a suspeição do ex-juiz Sergio Moro em julgar Lula. A leitura que se fez da relação entre a decisão de Fachin e o julgamento do Habeas Corpus foi a de com isto Fachin visava esvaziar ou anular a possibilidade de Moro ser considerado suspeito e todo o processo por ele conduzido ser juntamente anulado. O receio maior de Fachin e lavajatistas era o de que Sergio Moro sendo julgado suspeito, o novo processo contra Lula aberto em Brasília, começaria da estaca zero.

Nesse momento, a “semana insana” colocaria em cena mais um personagem além de Fachin e Lula, refiro-me ao Ministro do STF Gilmar Mendes. O ministro, para tristeza dos javajatistas, pautou para a terça feira (9 de março) o processo que julgaria a suspeição de Moro (relembro, o julgamento estava parado por pedido de vistas do próprio Mendes desde 2018). A 2ª Turma do STF, composta de cinco membros, é a responsável pelo julgamento. Nela estão os ministros Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques (recentemente indicado por Bolsonaro). Fachin e Lúcia já tinha votado da primeira vez a favor de Moro. No julgamento do dia 9 Lewandowski votou contra o ex-juiz, mas foi o voto de Mendes que o levou à ribalta dando-lhe 25 minutos de Jornal Nacional.

Mendes passou à limpo (sem ser essa sua verdadeira intenção já que também é um antipetista declarado) uma parte do hipócrita seletivismo jurídico/político que vem se impondo no Brasil desde 2005 contando com o apoio da burguesia nacional (aquela que Jessé de Souza chama acertadamente de “elite do atraso”) da grande mídia e seus porta vozes (alguns deles hoje queridinhos da esquerda consentida) e de parcela de uma classe média cretina, subserviente e elitista. Ainda no âmbito do STF a decisão de Fachin, além de Mendes, deu luz a outro personagem, o “divertido” ministro Marco Aurélio. O ministro resolveu se pronunciar sobre a decisão do colega e falando fora dos Autos (o que já é condenável para um ministro do Supremo) fez um comentário coloquial sem apresentar uma única justificativa legal que amparasse suas críticas à decisão de Fachin. O STF seguia brincando com fogo.

Mas a semana continuou sendo sui generis. Na quarta feira (10 de março) o ex-presidente resolveu se pronunciar ao Brasil. Falou como o velho Lula de sempre. Alternou, como já é de sua estratégia, entre o ex-torneiro mecânico e o estadista. Usou de toda sua experiência de quem já esteve lá e saiu com mais de 80% de aprovação. Atirou para todos os lados, mas deixou claro que não guardava magoas. Sinalizou para a união nacional e incorporou empresários e setores políticos de direita.

Terminado sua fala, o Brasil não teve outro assunto a tratar ( o paredão do BBB foi eclipsado).  Mas o melhor ainda estava por vir. À tarde, poucas horas depois do discurso de Lula, o capitão/presidente participou de uma cerimônia pública usando máscara e incorporando o discurso pró-vacina. No mesmo dia, Carluxo, o filho mais arredio nas redes sociais, publicou que seu pai nunca foi contra a vacina antiCOVID-19. O efeito Lula fazia estrago na estratégia da famiglia Bolsonaro. Durante o discurso de Lula, outro personagem surgiu em cena, Rodrigo Maia, o recente todo poderoso Presidente da Câmara (hoje em crise existencial) usou o Twitter para se render aos “encantos” de Lula e colocar mais uma pimenta no caldeirão para 2022, escreveu Maia: “Você não precisa gostar do Lula para entender a diferença dele para o Bolsonaro. Um tem visão de país; o outro só enxerga o próprio umbigo. Um defende a vacina, a ciência e o SUS; o outro defende a cloroquina e um tal de spray israelense”.

À noite, um Jornal Nacional histórico repercutiu o discurso de Lula. O efeito Lula também desorientou repentinamente a parcela da elite dirigente representado pelo grupo Globo.  Na live do dia seguinte, (11 de março) Bolsonaro colocou na mesa um globo terrestre (Lula o tinha chamado de terraplanista). Mais cedo, no próprio dia 11 de março, Bolsonaro deu mais uma pista de que as cartas para 2022 estavam embaralhadas ao exonerar o Secretário Especial de Comunicação Social Fábio Wajngarten. O almirante Flávio Augusto Viana Rocha foi nomeado interinamente. Com esta exoneração (Wajngarten fazia parte da cota de Carluxo e do grupo ideológico do governo) Bolsonaro parece se definir por um recuo estratégico pensando em 2022 que consiste em reforçar a aliança com o setor militar e fechar com a “velha política”, aquela dos acordos de bastidores controlada pelos membros do Centrão. Diante de sua total incompetência de liderar o país frente aos desafios econômicos e sociais causados pela pandemia, Bolsonaro percebeu que a política “frívola” das redes sociais, criada em uma conjuntura de extrema polaridade e antipetismo, possivelmente já não seja mais suficiente para ganhar uma eleição.

O efeito Lula seguia provocando uma confusão na recomposição de forças para 2022. A guerra de narrativas foi ampliada com um tuíte do apresentador Luciano Huck (a eterna carta na manga do conservadorismo/liberal) que se referindo a Lula, escreveu: “figurinha repetida não completa álbum”.  Huck, aparentemente, tentava com esta frase apresentar-se como um descolado que sabe jogar o jogo das frases de efeitos típico dos políticos profissionais. Lula, este sim um político, enquadrou com o devido sarcasmo o  dublê de apresentador e político: “o que ele não sabe é que figurinha repetida carimbada vale pelo álbum inteiro”. A deputada Joice Hasselmann ( uma dessa figuras caricatas que o antipetismo idiota ajudou a criar) se mostrou irritada com a decisão de Fachin e depois de divulgar uma Fake News contra Lula (hoje a esquerda consentida acha que Joice é contra as Fake News) e xingar muito, resolveu fazer uma enquete em seu facebook colocando como opções de candidatos Bolsonaro, Lula e uma 3ª via de centro. Resultado final: O petista ficou com 61,1% dos votos dos internautas, contra 27,6% de Jair Bolsonaro e 11,3% da “terceira via”. A ideia da 3ª via é hoje a única esperança da elite liberal e conservadora do país. O pior é que até mesmo o “esquerdista” Ciro Gomes se juntou ao limpinho Amoedo e embarcou oportunisticamente nesta. O fato é que o efeito Lula embaralhou definitivamente as cartas para 2022. Porém, para quem acha que o projeto de poder da elite dirigente de acabar com o PT finalizou, está muito enganado. Eles tiveram somente um pequeno dissabor. Lula e a esquerda ainda terão muita luta pela frente.

É o momento da esquerda consentida cair na real e perceber que este país está  à beira do caos e necessita de uma postura mais radical, que defenda abertamente as tradicionais pautas da classe trabalhadora e que combata frontalmente o projeto excludente da burguesia liberal. A esquerda consentida precisa parar de se submeter à imposição de pauta da mídia burguesa e escolher entre debater uma tal de Karol Konká e o desmonte da legislação trabalhista iniciada com o fim do Ministério do Trabalho. Onde estavam os famosos youtubers “progressistas” e seus milhões de seguidores, juntamente com a “esquerda civilizada”, quando Bolsonaro exterminou o Ministério do trabalho? Não me recordo deste assunto ter atingido os trending topics do Twitter.  Não é transigindo com golpistas, mas se aproximando do povo e da classe trabalhadora, que hoje sofre de morte os efeitos sociais e psicológicos da pandemia, que iremos defender Lula, a esquerda, a democracia e o socialismo que nos permita alcançar uma sociedade mais justa e verdadeiramente humana.

Eduardo Borges – Doutor em História / Professor Adjunto da UNEB.

Redação

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