Comemorando a delinquência, por Jeanderson Mafra

Enquanto escrevo estas linhas, não cessam os folguedos, e em minha simplória análise, como agente de segurança pública - consciente da violência urbana ao meu redor - o Estado falhou e continua a falhar sobre a questão da segurança pública.

Comemorando a delinquência, por Jeanderson Mafra

Neste exato momento, vários fogos de artifício se ouvem em alguns bairros de São Luís. São conglomerados de grupos – em sua maioria jovens e adolescentes – que dizem pertencer a facções criminosas. É “aniversário” de uma destas facções.

Enquanto escrevo estas linhas, não cessam os folguedos, e em minha simplória análise, como agente de segurança pública – consciente da violência urbana ao meu redor – o Estado falhou e continua a falhar sobre a questão da segurança pública.

O “Pacto Pela Paz” estadual, tentativa nobre e relevante para as periferias, é apenas um slogan sem efeito prático, cheio de defeitos e inaplicabilidades. Em suma, um nome bonito colocado no papel e para se usar no palanque político.

Esses jovens, em sua maioria negros e miseráveis das periferias de São Luís, não têm sequer, de escolaridade, o nível fundamental menor e a grande maioria não tem o que comer no almoço e jantar.

São um exército de delinquentes sem nenhuma perspectiva de “futuro” e que se constituíram graças “ao apoio ‘inconstitucional'” do Estado, que se quedou somente a fazer-se presente nas periferias como “Estado Policialesco”. Sim, a única presença estatal nas periferias de São Luís é sob a forma de camburões da Polícia Militar (o que é importante sim, pois todos sabemos que segurança é direito do cidadão). O que acontece – e só nós, favelados, sabemos – é que os camburões não estão na periferia para nos dar “segurança” e muito menos nos veem como “cidadão”.

No aglomerado de bairros (Divinéia, Sol e Mar, Turu, Santa Rosa, Vila Luizão, Alonso Costa, Araçagi) que formam a Vila Litorânea, e onde ouço ecoar os folguedos em comemoração à delinquência, não há nenhum Projeto Social para a infância e a juventude. As crianças brincam nas ruas descalças e não há planejamento familiar. Os esgotos correm a céu aberto até desembocarem, num grande braço de dejetos, no Rio Gangan e Rio Anil.

Como você, caro leitor, pode inferir, nunca se implementou, nestes bairros, saneamento básico algum e faltam remédios e vacinas nos hospitais e postos de saúde próximos.

O número de HIV positivos são dos maiores de toda a Grande São Luís e a dependência química não para de alçar voo entre a juventude. Enquanto isso, a única proposta do governo estadual, mesmo não sendo uma ordem direta (nunca é! – ao menos recentemente ) tem sido vigiar e punir estes “corpos não-rentáveis”, como diria Foucault; dar-lhes o famoso “baculejo”, encostá-los à parede, como a polícia sempre faz, e isso quando não ocorre uma tragédia e mortes por intervenção policial como vem ocorrendo nos últimos anos.

Na minha concepção, olhando de dentro do sistema e também por fora, como residente no meio desse caos social, é urgente uma presença do Estado como Cultura, Esporte, Saneamento Básico, Urbanização e Moradia.

Só pra se ter uma ideia, o bairro onde nasceu uma das facções mais violentas de São Luís, e no exato lugar onde eclodiu, é um emaranhado de casas formando uma espécie de condomínio fechado por onde não passam viaturas, ambulâncias, ônibus e nada mais a não ser os próprios moradores regidos por um código de conduta do crime e do tráfico de drogas que ali se estabeleceu. Não por ironia, a essa localidade deram a alcunha de “Marrocos”, dado o seu amontoado de casas de alvenaria mal acabadas e desreguladas que ali convivem.

Bem entendido, toda ausência de políticas públicas e promoção social nos territórios discriminados pelo poder público é responsável por essa lacuna e vazio de oportunidades. Toda esta situação empurra com mais vigor a infância e a juventude rumo à marginalização, cada vez mais presente no cotidiano periférico. Fazendo com que a única “identidade” – e aí está a palavra chave para se entender o contexto – com que estes indivíduos se revistam seja a “violência” e toda sua disposição para a barbárie tão banalizadas nos jornais e programas policiais sensacionalistas.

É necessário dizer que esses jovens e adolescentes que anualmente empunham foguetes para comemorar o crime – mesmo não tendo dinheiro para se alimentar adequadamente e fumem crack e cheirem pó bancados pelo roubo – não empunham tais foguetes sozinhos. O Estado, com sua negligência em várias áreas, empunha e comemora o crime junto com eles.

O Estado é o Pai da Delinquência. Uma Delinquência que ele sempre se nega a assumir, mas que possui, flagrantemente, o seu DNA.

São Luís, 19 de Outubro de 2019

Jeanderson Mafra

Redação

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