Covid-19 – Medidas paliativas e urgentes são necessárias para o bem da economia, do trabalho, da vida, por Marcelo Wanderley Guimarães   

Do problema de saúde pública decorre o desdobramento econômico, esse que tem sido o ponto principal da discórdia sobre as políticas públicas mais adequadas para enfrentar a doença no Brasil.

Covid-19 – Medidas paliativas e urgentes são necessárias para o bem da economia, do trabalho, da vida

por Marcelo Wanderley Guimarães

Provavelmente 2020 será conhecido no futuro como o ano da pandemia do Novo Corona Vírus, o ano em que a Covid 19 parou a economia do mundo. Não é a primeira e provavelmente não será a última, mas é a maior pandemia deste tempo, e é preciso procurar entendê-la.  É o que se pretende neste artigo, na verdade, um retrato escrito do momento atual: um breve panorama do problema, uma abordagem do atual estágio do tema no Brasil, sua repercussão econômica e no mundo do trabalho.

A China, considerado o país origem da pandemia, conseguiu rastrear o início do contágio até o seu paciente 0 (zero), cuja contaminação terá ocorrido no dia 17/11/2019.[i] Hoje, 29/03/2020, a situação é alarmante no mundo todo.  São mais de 150 países afetados, quase 700 mil caso oficialmente confirmados, mais de 32 mil mortes ao redor do mundo, sendo que a Itália, no momento, é o país que contabiliza o maior número de mortes, acima de 10 mil.[ii] Não é irrelevante dizer que o primeiro caso na Itália foi confirmado no dia 31/01/2020, porque significa que são quase 11 mil mortes em menos de 60 dias. [iii]

No Brasil, os números oficiais apontam quase 4 mil casos de contaminação e 114 mortes.[iv]

A pandemia do Novo Corona Vírus sobrevoa o mundo em alta velocidade, com inegável capacidade de disseminação da doença.

A baixa taxa de letalidade em comparação com outras causas de morte é completamente anulada pelo número absoluto de contaminados e de mortes em curto espaço de tempo.   O elevado número de pessoas contaminadas simultaneamente acorre aos sistemas de saúde, públicos e privados, que não dão conta de atender a todos os doentes. O mundo mostrou que nenhum sistema de saúde estava preparado para atender a tão elevada demanda em tão pouco tempo. Até o momento, a Alemanha se saiu melhor que os seus vizinhos e que a China, com taxa de letalidade bem inferior, o que pode ser explicado a partir de um conjunto de fatores, como o número maior de leitos bem equipados, a maior capacidade de testes, a precoce identificação a doença, o tratamento adequado conforme o estágio e a gravidade da doença. [v]

Do problema de saúde pública decorre o desdobramento econômico, esse que tem sido o ponto principal da discórdia sobre as políticas públicas mais adequadas para enfrentar a doença no Brasil. Para proteger o colapso do sistema de saúde com um número elevado de pessoas contaminadas ao mesmo tempo e com necessidade simultânea de atendimento médico, os governos determinaram medidas de distanciamento social, o que implica no afastamento social e laboral, isto é, evite-se a reunião de pessoas em todos os ambientes: pessoais, lazer ou trabalho.

Desde o transporte coletivo de ida e volta ao trabalho, o contato diário entre e prolongado durante o dia por diversos trabalhadores dentro de um mesmo ambiente, a participação de muita gente em cultos religiosos, a presença de muitos alunos em salas de aula de escolas de todos os níveis, o contato com clientes em estabelecimentos de comércio ou de serviços e mesmo a confraternização de pessoas em bares, restaurantes ou espaços públicos, tudo isso seria uma fonte de disseminação do vírus e contágio de pessoas.  Daí a necessidade de tentar reduzir o contato entre pessoas e, assim, a determinação de interrupção de diversas atividades econômicas.

A atividade econômica é diretamente afetada por essas medidas, o que atinge trabalhadores, empresas e empresários.

Diferentemente de outras crises econômicas originadas em atividades financeiras – crise financeira como a do subprime em 2008, que teve início nos EUA -, o momento atual se depara com o risco de crash da economia real, isto é, autoridades públicas ao redor do mundo determinaram aos trabalhadores que deixassem de trabalhar e às empresas que interrompessem a sua atividade, reduzindo-se, assim, em grande escala a produção real de riquezas e o consumo ao básico essencial para a sobrevivência.

O fechamento de fronteiras internacionais elimina os voos, as pessoas cancelam suas viagens, as companhias aéreas são instadas a restituir os valores recebidos, as agências não vendem mais passagens ou pacotes turísticos, os hotéis não hospedam, os recepcionistas não atendem, os restaurantes não servem refeições, os garçons não servem os clientes. Esse é um mero exemplo de cadeia produtiva interrompida, parada, sem produzir, sem faturar, mas com obrigações diversas a cumprir, principalmente aquelas de ordem trabalhista.

É então que se coloca o problema complexo. Entenda-se por complexo a existência de diversas faces do mesmo tema: a) a saúde individual e a saúde pública; b) a necessidade de conter a disseminação da doença para evitar o colapso do sistema de saúde; c) a interrupção total ou parcial de atividades econômicas e sociais para reduzir a propagação do vírus; d) a situação das empresas em franca redução de faturamento, mas com a obrigação de pagar suas obrigações civis, tributárias, trabalhistas; e) o risco de colapso e violência social na hipótese de a falta de renda se alastrar pela grande maioria das famílias, que ficariam então sem condições de obter o elementar para garantir as condições básicas da vida humana, a começar por alimentação, moradia, energia elétrica e por aí vai.

Diante desse cenário, os governos nacionais, independentemente do perfil ideológico que possam ter, agiram para dar respostas e coordenar as soluções dentro de cada sociedade.

O primeiro caso testado positivo nos Estados Unidos ocorreu no dia 08/03/2020. No dia 25/03/2020 foi anunciado um pacote de estímulo à economia no importe acima de 2 trilhões de dólares, o que inclui o pagamento de um auxílio pelo governo diretamente às famílias de baixa renda (inferior a 75 mil dólares por ano), no importe de 1.200 dólares, com adicional de 500 dólares por filho, limitado a 3 mil dólares.[vi]  Os profissionais autônomos e freelancers também teriam direito a esse benefício. Em relação aos desempregados, o período de seguro desemprego ficou ampliado de 13 para 26 semanas, no importe de até 600 dólares semanais. [vii]

A Inglaterra, por sua vez, teve o seu primeiro caso confirmado em 12/02/2020. No dia 20/03/2020 foi anunciado um pacote de medidas que promete cobrir até 80% da renda dos trabalhadores, com limite de 2.500 libras, por mês, para aqueles que ganham até 50 mil libras por ano, o que representa 95% dos autônomos do país. [viii]

Outros países europeus seguem a mesma linha. A Suécia se comprometeu a arcar com 90% do salário dos trabalhadores, mesmo que estejam em jornada reduzida, em casa, além de prorrogar todos os impostos para 2021. Na Dinamarca, o governo assume 75% do salário dos trabalhadores, com o compromisso das empresas de não demissão.   Na Suíça, uma espécie de seguro-desemprego de 2.500 dólares para evitar que famílias passem necessidades. [ix]

O Brasil teve o seu primeiro caso confirmado em 26/02/2020 e até este momento não aprovou uma medida sequer que garanta o pagamento de qualquer valor aos trabalhadores. A Resolução 851 do Codefat, que libera 5 bilhões para “linha de crédito especial”, não trata especificamente de como a verba será utilizada, embora a previsão seja para “empréstimos voltados a capital de giro das micro e pequenas empresas”. [x] Vale destacar: valor oriundo do FAT – Fundo de Amparo do Trabalhador, cujos recursos se destinam “ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao  pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico”, na forma do art. 10, da Lei 7998/90. Ao lado disso, o PL 9236/17, que deve ser votado no Senado no dia de hoje (30/03/20), destina R$600,00 a famílias de baixa renda (inferior a R$3.135,00 ou R$522,50, por pessoa) constituídas por desempregados, autônomos, informais, MEIs, podendo ser acumulados por 2 membros da mesma família ou por mulher que sustente sozinha a família.

Do ponto de vista dos custos, a MP 927, única norma efetivamente editada até agora a respeito das relações de trabalho, não trouxe muito refresco. Salários continuam devidos, FGTS também – com vencimento prorrogado por 3 meses –  mas devem ser pagos pelas empresas, mesmo que não faturarem 1 centavo no período. Indiscutivelmente justo para os trabalhadores, que não podem deixar de receber, mas amargo e impossível de se cumprir para diversos empregadores!

Sem a participação providencial do Estado, portanto, a equação  não fecha. Isso está claro como a luz do sol.

O ponto mais importante aqui não é comparar as condições financeiras do Brasil com a dos países citados, nem tampouco a situação fiscal e das contas públicas de cada um deles.

Fato é que o apoio financeiro do Estado neste momento é a alternativa que permite que a roda da economia continue girando.

Tendo à frente um cenário de economia derrubada, qual empresa terá interesse de emprestar dinheiro para pagar a folha de salários, se sofreu uma interrupção de atividades e não teve faturamento? Arriscará o próprio pescoço com o cenário negativo?  A cota de R$600,00 para os trabalhadores de baixa renda é insuficiente para aquecer a economia, serve apenas para manutenção das necessidades básicas da vida humana.

O centro da discussão está nas alternativas apresentadas para a superação das crises de saúde pública, econômica, de trabalho e social que se avizinham. A se confirmar este cenário, há enorme risco social, decorrente de uma quebradeira de empresas em grande escala e de um acréscimo assombroso do desemprego e de pessoas vivendo em condições de miséria.

Enquanto os comandantes da nação batem cabeça e retardam em demasia a tomada de decisões importantes para os destinos do país, a situação se agrava, as pessoas continuam em dúvida se retornam ao trabalho com risco de se contaminar ou se permanecem em casa com medo de serem despedidas.

A liberação de recursos públicos para fazer frente a este momento delicado da história permite que o maior número de pessoas permaneçam em seu necessário isolamento, com menor impacto na desejada condição de vida digna de cada um e menor redução da atividade econômica. Quanto mais cedo possam as empresas e as pessoas decidirem, com base em alternativas jurídicas e econômicas minimamente seguras, tanto melhor.

Quanto mais tempo passa sem respostas de Estado para a crise, mais terá se caracterizado o Estado suicidiário a que se refere Vladimir Safatle. [xi]

Os empresários, os trabalhadores, a população em geral  ansiosas a divulgação de medidas urgentes provenientes do Estado Brasileiro para que possam se tranquilizar e decidir com a razão entre as alternativas possíveis.

Marcelo Wanderley Guimarães.  Advogado, Mestre em Direito pela UFPR, Professor de Direito do Trabalho e sócio do escritório Marcelo Guimarães & Advogados Associados, em Curitiba/PR.

 

[i] https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/03/china-identifica-pessoa-que-pode-ter-sido-paciente-zero-da-covid-19.html

[ii]  https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51718755

[iii] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/26/1-mes-de-coronavirus-no-brasil-compare-a-situacao-do-pais-com-china-italia-eua-e-coreia-do-sul-no-mesmo-periodo-da-epidemia.ghtml

[iv] https://saude.gov.br/

[v] https://www.dw.com/pt-br/por-que-a-taxa-de-mortalidade-por-coronav%C3%ADrus-%C3%A9-mais-baixa-na-alemanha/a-52856780

[vi] https://oglobo.globo.com/economia/congresso-dos-eua-casa-branca-chegam-acordo-para-socorro-de-us-2-tri-empresas-trabalhadores-24326422

[vii] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/25/O-pacote-trilion%C3%A1rio-dos-EUA-para-combater-a-crise-do-coronav%C3%ADrus

[viii] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/26/por-coronavirus-reino-unido-pagara-ate-2500-libras-por-mes-a-autonomos.htm

[ix] https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/03/23/governos-europeus-subsidiarao-salarios-de-milhoes-de-trabalhadores.htm

[x] http://www.economia.gov.br/noticias/2020/marco/confira-as-medidas-tomadas-pelo-ministerio-da-economia-em-funcao-do-covid-19-coronavirus

[xi] https://jornalggn.com.br/blog/doney/bem-vindo-ao-estado-suicidario-por-vladimir-safatle-n-1-edicoes/

Redação

1 Comentário

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  1. A burguesia não permite que se abra nem a bolsa do próprio povo, quanto mais a sua bolsa privada, na qual soca o dinheiro expropriado dos trabalhadores.

    Em 2006, o Cláudio Lembo, então Governador de São Paulo, afirmou:

    “Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa. A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações”.

    De 2006 pra cá, a ganância da burguesia só piorou.

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