De solução a problema: quem promove o ódio ao Estado? Por Emir Sader

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Emir Sader

Da RBA

Até não faz muito tempo, Richard Nixon, ainda presidente dos Estados Unidos, declarava: “Somos todos keynesianos”. Era a demonstracao da hegemonia desse modelo. Foram conservadores – e nao a esquerda – os responsáveis pelo Estado de bem estar social na Europa. Era a confirmação de que se tratava de um consenso geral.

Uma década depois, outro presidente norte-americano anunciou a mudança radical de rumo. Para Ronald Reagn, o Estado deixava de ser solução, para ser o problema. Apontava-se o elemento chave do modelo keynesiano, para torná-lo agora o alvo dos ataques concentrados do neoliberalismo, primeira por parte da direita tradicional, depois também por setores advindos da esquerda histórica.

A partir daquele momento, se deflagrou uma feroz luta de ideias e políticas sobre o papel do Estado, com consequências diretas sobre a economia. O ataque ao Estado muitas vezes não revelava claramente o que se colocava no seu lugar: o mercado. Trata-se de uma mesma operação ideológica, mas com duas caras.

Pelo diagnóstico neoliberal, as economias deixam de crescer, prejudicados pela excessiva quantidade de regulamentações, que travam e desincentivam os investimentos. Se tratariam então de liberar o capital dos limites que o obstaculizariam, para que se implemente o livre comércio, com o quê se retomariam os investimentos, a economia voltaria a crescer e todos voltariam a ganhar – era assim que pregavam Reagan e Margareth Thatcher, alegre e ingenuamente.

Mas, como Marx recordava sempre, o capital não está feito para produzir, mas para acumular. Deixado sem travas, ele se transferiu, em proporções gigantescas, para o setor financeiro, em todas as suas modalidades especulativas. As economias nao voltaram a crescer, mas se deu uma monstruosa transferência de renda para aquele que se tornou o setor hegemônico dali em diante.

O Estado mínimo é o corolário da centralidade do mercado. E a direita passou a intensificar seus diagnósticos críticos do Estado, de sua capacidade reguladora da economia – como contrapeso à sanha do mercado –, mas também de suas outras funções.

O Estado seria, por essência, ineficiente, desperdiçador de recursos, arrecadador em excesso de impostos dos quais devolveria pouco à sociedade, seria a raiz fundamental da corrupção e o fechamento “impõe” aos saudáveis ingressos de capitais externos e de inovações tecnológicas, gerador de uma imensa burocracia, desalentador dos investimentos. Além de quê, como tema privilegiado do liberalismo, seria fonte de totalitarismos políticos. Por tudo isso, é preciso atacá-lo incessantemente.

Os imensos processos de privatização, de abertura dos mercados, de desemprego de funcionários públicos, de suspensão de toda forma de controle estatal sobre a economia -, tornaram-se o eixo das políticas neoliberais. Medidas que fracassaram em todas as partes do mundo.

No máximo, controlaram a inflação por um tempo, mas aumentando exponencialmente a dívida pública, promoveram a precarização das relações de trabalho, aumentaram o desemprego, o endividamento externo. Para que tudo isso fosse possível, foi necessário incentivar, a todo momento, o ódio ao Estado.

Mas algumas funções do Estado interessam à direita. A primeira delas, essencial, é a repressão. Isso porque as políticas com tais características intensificam as crises sociais e requerem repressão. Requerem também o controle do Judiciário, que legitima governos autoritários. Requerem Bancos Centrais que garantam a liberalização da economia.

É, assim, um ódio seletivo às funções de regulação econômica do Estado, de garantidor e promovedor de direitos sociais, de proteção do mercado interno. E como não estão em posição que lhes permita fazer elogios ao mercado – responsável central pela crise econômica internacional que começou em 2008 e não tem prazo para terminar –, atacam, com ódio, ao Estado, forma encontrada de promover a centralidade do próprio mercado.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

14 Comentários

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  1. Que bonitinho

    O marquisista cita Marx para defender o Estado burguês.

    Seja ele pequeno ou enorme, o Estado continua sendo o que sempre foi, o garantidor das diferenças e não o promotor da igualdade.

  2. Alegre, talvez, mas ingenuamente?

    “era assim que pregavam Reagan e Margareth Thatcher, alegre e ingenuamente”

    Faltou dizer que, para essa turma, o Estado também serve para garantir a “salvação da lavoura”, quando a crise por eles mesmos causada bate à porta. O mantra dessa turma sempre foi, é e será: privatizar os lucros e socializar os prejuízos.

    1. Falsidade

      Exatamente! Eles são contra o Estado, MAS:

      – adoram quando o Banco Central aumenta a taxa Selic, para que o Estado lhes pague juros pornográficos;

      – adoram quando o Estado os salva das crises que eles próprios criam. Por exemplo, Obama injetou BILHÕES na General Motors para evitar que ela falisse. E nenhum dos entusiastas do Estado mínimo deu um pio sequer.

  3.  “Foram conservadores – e nao

     “Foram conservadores – e nao a esquerda – os responsáveis pelo Estado de bem estar social na Europa.” Empurrados pelo medo da URSS.  Caindo o Muro, caem as “benesses” (direitos).

  4. No Brasil, a coisa tão bem

    No Brasil, a coisa tão bem exposta por Emir Sader veio por intermédio de FHC, que passou a ser um dos governantes mais puxa-saco de Reagan e Tatcher, que o puseram em seus colinhos e passaram a fazer bilú-bilú na boquinha dele.

  5. Quando alguém cita os EUA

    Quando alguém cita os EUA como exemplo, eu gosto de lembrar que eles tem o maior orçamento militar do planeta. Dinheiro público que não vai para a saúde ou educação. Vai para armamentos e guerras.

  6. totalitarismo invertido

    O termo que a esquerda americana usa para designar o estado americano é ‘totalitarismo invertido’, não o modelo nazista ou stalinista de estado que domina a economia, mas o estado dominado pelo totalitarismo corporativo ‘capitalista’. Liberalismo econômico é balela para embromar as massas. Polícias armadas estão aí para matar a queima-roupa qualquer ralé desobediente.

    O jornalista americano Chris Hedges vai direto ao assunto. Sugiro visitar http://www.truthdig.com (em inglês).

  7. Tem horas que bate uma dúvida:

    aqui: 

    “O Estado seria, por essência, ineficiente, desperdiçador de recursos, arrecadador em excesso de impostos dos quais devolveria pouco à sociedade, seria a raiz fundamental da corrupção e o fechamento “impõe” aos saudáveis ingressos de capitais externos e de inovações tecnológicas, gerador de uma imensa burocracia, desalentador dos investimentos. Além de quê, como tema privilegiado do liberalismo, seria fonte de totalitarismos políticos. Por tudo isso, é preciso atacá-lo incessantemente.”

    Se aquele sindicalista ator e canastrão citado disse realmente isso, então de onde ele obteve estas conclusões ?

    Minha suspeita é que ele deve ter obtido isso de algum relatório dum agente da CIA, infiltrado num país comunista europeu oriental, não? Afinal, com a queda do comunismo naquelas paragens, tudo o que está escrito neste parágrado acima se mostrou real posteriormente.

    Vai ver, o pateta-mor da CIA daquela época esqueceu de avisar que isso não se aplicava necessariamente aos Estados Unidos, mas era apenas um relatório daquelas outras paragens.

     

     

     

  8. Quem desdenha quer comprar.
    Tudo conversa. O que esses “liberais” querem eh o Estado pra eles (e quem não quer?).
    Mas pra isso têm que aceitar o resultado da eleições.

  9. a elite burguesa brasieira

    a elite burguesa brasieira elogiou muito o estado quando regido

    por suas forças concentradas na ditadura cívico-militar…

    vide o amaral neto, da globo, conhecido na pépoca como amoral nato…

    vide os famigerados e abomináveis editoriais de o globo..;.

    vide a globo incensando os militares…

    contudo, basta qe um governo popular assuma a presidencia da república

    e tente o mínimo –  um pouco de distribuição de renda e manutenção do emprego –

    para que essa alta elite burguesa demonize o estado como produtor de todos os males do planeta….

     

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