Época de estado policial, por Ricardo Melo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Época de estado policial, por Ricardo Melo

Denuncismo sem provas independentes testa a democracia e impede que se chegue mais perto da verdade

Quem se interessa pelo que sai na imprensa hoje em dia acorda à espera de um novo vazamento da Polícia Federal. Ou do Ministério Público. Estará nas manchetes e, ao gosto do freguês, pautará telejornais.

Jornalistas somos inquietos por natureza. Faz parte do ofício. Nesses tempos de informação instantânea, a inquietação traz riscos maiores do que antigamente. Vivemos a república do e-mail: a coisa mais fácil do mundo é enviar uma mensagem venenosa para alguém e, então, usar como “prova” de que o alguém recebeu uma mensagem incriminatória. Isso vale para o PT, para o PSDB, para o PMDB, para Eduardo Cunha, para Renan Calheiros etc.

O ativismo do Ministério Público e da Polícia Federal pode ser um sonho para quem precisa produzir notícias sofregamente, de impacto, capazes de ganhar uma manchete, ou um alto de página ímpar. Um procurador tem poder de abrir investigação sobre qualquer coisa: sobre um condomínio não pago, uma briga de família, uma acusação de assassinato ou de roubalheira no erário. É bom que seja assim, num país cansado de impunidades. O que não parece bom é dar fé selecionada a algumas investigações, e deixar outras ao relento.

O papel do jornalista é informar. A liberdade de expressão, vamos combinar, fica por conta do dono do negócio. É a regra do jogo, como diria Cláudio Abramo. Mas, na origem, o jornalista tem a chance de opinar, de apontar falhas, ausências ou tintas demasiado carregadas. A favor ou contra.

Reportagens da semana que passou chamam a atenção para isso. A revista “Época” estampa, em letras garrafais, que o ex-presidente Lula virou um “operador” da empreiteira Odebrecht. Vamos reproduzir o início da denúncia, da lavra do Ministério Público: “SUPOSTAS [grifo meu] vantagens econômicas obtidas direta ou indiretamente pelo ex-presidente da República Luís Inácio da Silva, entre os anos de 2011 e 2014…”. Opa! Supostas! E o período abordado coincide com a época em que Lula já havia passado a faixa presidencial. Desde então, era, como é, cidadão comum –embora nunca possa sê-lo por completo pela sua atuação indelével no Palácio do Planalto. Para o bem ou para o mal.

Fernando Henrique Cardoso vive do quê? O príncipe que virou sapo, tão logo deixou o Alvorada, foi morar num apartamento que pertencia a uma família de banqueiros. Diz que o comprou a preços módicos, e quem sou eu para duvidar? Nomeou o genro para a cobiçada agência de petróleo –o cidadão foi defenestrado ao ser rebaixado a ex-genro. Tal qual Lula, FHC abriu um instituto quando voltou à planície. Vive de contribuição de sabe-se lá quem. Cobra fortunas por palestras, assim como Bill Clinton, Maílson da Nóbrega (aquele da inflação de 80% ao mês) e outros tantos, como André “Haras” Resende, que criam cavalos de raça além-mar com direito a mordomias de primeira classe. Bem-vindo à vida de ex-presidentes e ex-ministros. São todos ladrões? Cabe investigar, mas com seriedade e isenção.

Engana-se redondamente quem pensa que a profusão de meios de informação tornou mais fácil a vida de jornalista. Mais do que nunca são necessários filtros, apurações, documentos confiáveis, fontes fidedignas etc. Dá trabalho, mas a recompensa profissional vale a pena. Usar o Ministério Público e a Polícia Federal como donos absolutos da verdade equivale a terceirizar o ofício do jornalismo. Mas é o que está em voga nesta fase policial da nossa democracia.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Deve ser duro para um

    Deve ser duro para um jornalista sério como Ricardo Melo, fazer um artigo tentando se equilibrar para não atingir muito claramente seus patrões. Tem que ter muito sangue frio!

  2. Sinal dos tempos?

    Parece que a época das vacas gordas do denuncismo que só atinge o PT está se exaurindo ou encontrando dificuldades de pautar a vida informativa dos brasileiros, esse tipo de texto, saindo exatamente na Folha de São Paulo (que entre outras coisas acusa Fernando Haddad de fazer acordo com traficantes de drogas), é um indício de que os protegidos pelo jornal (PSDB, DEM, PMDB, PPS…) também começarão a aparecer aqui e ali em algumas denúncias, interpreto isso como uma certa dose de vacina, de prevenção, é como se a Folha dissesse ao seu público “olha gente, temos que ter cuidado com essa onda de dedo-durismo exacerbado, nosso papel como jornal é informar mas temos que nos ater que ‘são necessários filtros, apurações, documentos confiáveis, fontes fidedignas etc.’ (mas só agora, após passar para a vocês a ideia que o PT é uma quadrilha formada pelo mais inescrupulosos bandidos e que somente esse agrupamento político recebe doações de campanha e tem marqueteiros ladrões)”.

  3. Saiu na folha, é? Sei… No

    Saiu na folha, é? Sei… No auge da ditabranda este jornal emprestou veículos para a repressão, mas quando viu que o regime militar começou a fazer água e que havia cada vez mais gente descontente, o dono resolveu apoiar a Diretas Já! e conquistar uma grande quantidade de leitores que enxergaram o jornal um comprometimento com a luta pela redemocratização. Puro marketing, oportunismo para ganhar mercado em cima do concorrente – Estadão, reacionário, assumidamente apoiador do “Direita Sempre!” – e ajudar os políticos da turma a chegarem ao poder. O artigo de Ricardo Mello apenas coloca no jornal aquilo que muitos de nós já estamos carecas de saber.  O proprietário do jornal, defensor da meritocracia cujo único mérito para ter se tornado dono de um jornal foi ter nascido filho do antigo dono, está tentando enrolar a gente da mesma maneira que foi feito antes. Mas, dizem, a história se repete como farsa e desta vez eu não caio nesta balela não!

  4. Tenho por mim que o PIG está

    Tenho por mim que o PIG está rapidamente se autodestruindo. Quanto mais rapido, melhor. Porque o phedor que está espalhando está insuportavel. Parece com um corpo em decomposição.

  5. A denúncia é o que vale

    Fazer denuncias é o que resta ao pig. Teria até algo a pontar de errado no governo, mas perdeu toda a capacidade de fazer jornalismo e só lhe sobra denunbciar, tudo e qual quer coisa sobre o pt ou o governo. Contma com áreas oficiais, parte da pf e da mp que leem a revistinha do esgoto e nela acreditam..

    É uma tática suicida, como bem mostra a total perda de confiabilidade da imprensa, só aceita por aqueles que querem por que querem que o pt e o governo sejam desonestos e adoram denúncia ainda qeu vazias..

    Isto tudo dá um ótimo argumento para a prova da inocência, pelo menos relativa, do pt. Pena que ele não saiba aproveitar.

    Piores são as denuncias do luis nassif, de mesmo carater acusatório irresponsável, chamando o governo pt de ridículo e outros adjetivos sem aprensentar concretamente argumentos, tipo “tudo errado”, quando ele certamente não o é. 

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