França tem dificuldade em lidar com protestos sem líderes e sindicatos, por Marc Bassets

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Marc Bassets
 
França vive o desafio de uma onda de atos sem líderes e desvinculada de sindicatos
 
No El País
 
A onda de protestos desencadeada neste fim de semana na França por conta do aumento nos preços do combustível serve de alerta ao presidente Emmanuel Macron, que até então vinha superando sem problemas os protestos sindicais relativos às reformas trabalhista e das ferrovias públicas nos seus quase dois anos de Governo. O movimento chamado coletes amarelos —a indumentária fluorescente que os motoristas precisam usar quando saem de seus carros nas estradas—, desvinculado do sindicatos e sem líderes definidos para negociação, interromperam rodovias, estradas e ruas em toda a França. Nos atos, foram contabilizados um morto, 227 feridos e 73 detidos, expondo a dificuldade do Governo francês em lidar com essas manifestações. O balanço político é ainda mais complicado: o Governo estuda um incentivo para a população de menor poder aquisitivo, mas não considera voltar atrás no aumento do combustível.
 
A morte de uma manifestante marcou a jornada de protestos deste sábado. Segundo dados oficiais, cerca de 282.710 pessoas interromperam rodovias, estradas e ruas em aproximadamente 2.000 locais no país inteiro. O incidente mais grave ocorreu em Le Pont-de-Beauvoisin, na região da Savoia. Uma mulher que levava sua filha ao médico de carro foi cercada por manifestantes numa rotatória. Dominada pelo pânico, acelerou e matou outra mulher, segundo relato do ministro do Interior, Christophe Castaner. A vítima era uma aposentada de 63 anos que se chamava Chantal Mazet, informa o Le Parisien.
 
m Paris, centenas de manifestantes bloquearam alguns pontos do anel viário da capital. Muitos dos vinham de localidades periféricas e tinham visto a convocação no Facebook e em outras redes sociais. À tarde, dirigiram-se à Champs Elysées, a grande avenida central, e à praça da Concórdia, a algumas centenas de metros do Palácio do Eliseu, a residência presidencial, isolada por cordões policiais e agentes da tropa de choque.
 
A lista de reivindicações era extensa. Partia do aumento do imposto sobre combustível e outras queixas dos motoristas, como a redução da velocidade máxima nas estradas para 80 quilômetros por hora. Mas ia além. Da alta da tributação aos aposentados até a redução do imposto sobre as fortunas, passando pela suposta arrogância de Macron. Mas, de maneira mais geral, há um denominador comum: a percepção de uma perda de poder aquisitivo por parte da classe média e a insatisfação com os governantes do país.
 
“Os mais ricos estão mais ricos, e os mais pobres, mais pobres. As classes médias pagam pelos mais ricos e pelos mais pobres”, dizia, enquanto caminhava pela Champs Elyseés, o manifestante Éric, que trabalha como organizador de casamentos e festas na região de Paris, e não quis revelar seu sobrenome.
 
A ausência de ordens e líderes e a divisão de estratégias ficaram evidentes minutos depois, quando meia centena de manifestantes com coletes amarelos interromperam o tráfego —incluindo um ônibus cheio de turistas perplexos— na praça da Concórdia. “Estamos aqui para desacelerar o trânsito, não para bloqueá-lo”, repreendia outra manifestante, dirigindo-se aos seus colegas. Umas dezenas de coletes amarelos conseguiram entrar no luxuoso Faubourg Saint-Honoré para se aproximar do edifício mais conhecido desta rua, o Palácio do Eliseu. “Macron, demissão”, gritavam.
 
A extrema direita da Reagrupação Nacional (antiga Frente Nacional), a esquerda populista da França Insubmissa e a direita tradicional dos Republicanos declararam sua simpatia aos protestos. Os sindicatos se desvincularam.
 
Os protestos de 17 de novembro foram o primeiro teste deste movimento organizado através das redes sociais e com contornos ideológicos difusos. Os bloqueios não paralisaram a França, e o fato de ocorrerem num feriado diluiu o impacto. Mas os coletes amarelos conseguiram congestionar o trânsito e causaram congestionamentos em centenas de pontos do país. E a capacidade de mobilização envia um sinal aos poderes políticos sobre a amplitude do descontentamento. O grupo expressa a insatisfação de muitos franceses do interior que se sentem desprezados pelas elites e em particular pelo presidente Macron. O estopim dos atos foi o aumento dos impostos sobre a gasolina e o diesel. O preço do combustível tem pouco impacto para os franceses urbanos que costumam se deslocar em transporte público —ou mesmo de bicicleta—, mas representa um ônus cotidiano para quem vive em pequenas cidades ou povoados e precisa do carro para ir ao trabalho e às compras.
 
O balanço do Ministério do Interior —uma morte, 227 feridos, dos quais seis em estado grave, e 73 detidos— mostra as dificuldades em administrar um protesto sem as estruturas de organização típicas das manifestações sindicais. O balanço político, entretanto, é ainda mais complicado. O primeiro-ministro Édouard Philippe anunciou nesta semana uma série de medidas, avaliadas em 500 milhões de euros (2,14 bilhões de reais), para ajudar os motoristas com menor poder aquisitivo. Mas não está disposto a ceder no aumento do imposto sobre o combustível, uma medida considerada necessária na luta contra as emissões de poluentes. A partir de 1º. de janeiro, a taxa sobre a gasolina subirá 0,039 euro (0,167 real) por litro, e 0,065 euro sobre o óleo diesel.
 
O problema é que, mesmo que Macron e Philippe quisessem negociar, não teriam com quem. Os coletes amarelos carecem de líderes. É uma incógnita se, depois da convocação deste sábado, os bloqueios continuarão.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. Não são só 20 centavos ?

    Está acontecendo na França o que ocorreu no Brasil a partir de 2013?

    Sem partidos, sem sindicatos, `espontaneamente` milhares de pessoas tomam as ruas.

    Será mera coincidência?

  2. No Brasil, o diagnóstico é de paralisia sindical.

    Por enquanto, aqui, apenas pequenas manifestações de descontentamento.

    Até outro dia, em um debate de sua associação de classe (prefiro não dizer qual é, para poupar tanto a pessoa quanto a associação… desculpem), uma senhora disse em alto em bom som que, se a sua associação continuasse a manter o padrão de “debates públicos” infrutíferos e “manifestos protocolares”, ela iria se retirar da associação… mas não da ação social e de classe.

    Uma outra pessoa, durante dias a fio, mandou comunicados ao sindicato a qual é associado denunciando não um assédio moral, mas um assédio moral coletivo (mobbing), derivado de um acordo entre funcionários e chefias; o funcionário estava sendo vigiado, seu trabalho foi fatiado entre outros funcionários sem justificativa relacionada com o trabalho (o problema é mais complexo, não quero me estender, desculpem 2). O sindicato de classe deu as costas. Dias depois, recebeu um comunicado do sindicato para que votasse em membros do sindicato candidatos a cargos de função local; ele mandou a direção do sindicato à m* (literalmente), chamando de canalhas, oportunistas e hipócritas

  3. A solução é simples: basta chamar o Alexandre Frota

    Basta chamar o Alexandre Frota para intermediar as negociações entre governo e o movimento acéfalo.

  4. A burrice da classe mérdia é universal

    Será que essa classe média francesa não se dá conta de que a sua perda de poder aquisitivo decorre da própria lógica do capitalismo e que, portanto, em vez de lutar contra os governantes de plantão, cabe lutar pela supressão do capitalismo?

    Kct. A burrice da classe mérdia não é um fenômeno local, é global.

    Marx e Engels escreveram em 1848:

    “Os pequenos estados médios até aqui, os pequenos industriais, comerciantes e rentiers, os artesãos e camponeses, todas estas classes caem no proletariado, em parte porque o seu pequeno capital não chega para o empreendimento da grande indústria e sucumbe à concorrência dos capitalistas maiores, em parte porque a sua habilidade é desvalorizada por novos modos de produção. Assim, o proletariado recruta-se de todas as classes da população”.

     

    Em carta endereçada a Pável V. Annenkov, Marx escreveu:

    “Os homens nunca renunciam ao que ganharam, mas isso não quer dizer que nunca renunciem à forma social em que adquiriram certas forças produtivas. Muito pelo contrário. Para não serem privados do resultado obtido, para não perderem os frutos da civilização, os homens são forçados, a partir do momento em que o modo do seu comércio já não corresponde às forças produtivas adquiridas, a mudar todas as suas formas sociais tradicionais. – Tomo aqui a palavra comércio no seu sentido mais geral, como nós dizemos em alemão: Verkehr. – Por exemplo: o privilégio, a instituição das jurandas e das corporações, o regime de regulamentação na Idade Média, eram as únicas relações sociais que correspondiam às forças produtivas adquiridas e ao estado social pré-existente, do qual essas instituições tinham saído. Sob a protecção do regime corporativo e da regulamentação, os capitais tinham-se acumulado, desenvolvera-se um comércio marítimo, haviam sido fundadas colónias – e os homens teriam perdido os próprios frutos se tivessem querido conservar as formas sob cuja protecção esses frutos tinham amadurecido. Por isso se deram duas trovoadas: a revolução de 1640 e a de 1688. Todas as antigas formas económicas, as relações sociais que lhes correspondiam, o estado político que era a expressão oficial da antiga sociedade civil foram quebrados, na Inglaterra. Assim, as formas económicas sob as quais os homens produzem, consomem, trocam, são transitórias e históricas. Com novas faculdades produtivas adquiridas, os homens mudam o seu modo de produção e, com o modo de produção, mudam todas as relações económicas, que não foram senão as relações necessárias desse modo de produção determinado”.

    https://www.marxists.org/portugues/marx/1846/12/28.htm

     

    Ora, a fim de não renunciar ao que adquiriram, só tem uma saída para os Franceses: renunciar à forma social em que adquiriram suas forças produtivas, isto é, a revolução socialista.

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