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O desmonte do arranjo institucional e financeiro para o financiamento do desenvolvimento brasileiro, por Fernando Amorim Teixeira e Gustavo Teixeira F. da Silva

Atender as necessidades associadas alonga maturação, risco mais altos e elevado retorno social, entretanto, não é trivial.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O desmonte do arranjo institucional e financeiro para o financiamento do desenvolvimento brasileiro

por Fernando Amorim Teixeira e Gustavo Teixeira F. da Silva

Por desenvolvimento econômico entende-se um processo de crescimento com mudança estrutural que resulte em aumento da produtividade agregada, com geração de emprego e renda de maior qualidade. Para que esse processo se viabilize, sabemos, desde Schumpeter e Keynes, da importância do adiantamento de recursos por intermédio do sistema financeiro, em condições adequadas para que os investimentos se realizem.  Na mesma linha, Mazzucatto[1] tem trabalhado, mais recentemente, com o conceito de “finanças pacientes”, relacionado com as prerrogativas de um desenvolvimento ambientalmente sustentável e puxado pela inovação.

A existência de financiamentos apropriados a setores-chave como os de infraestrutura econômica e social, torna o processo de desenvolvimento mais factível, exatamente pelo caráter estruturante que esses investimentos assumem para as demais atividades produtivas. Atender as necessidades associadas alonga maturação, risco mais altos e elevado retorno social, entretanto, não é trivial.

Pressupõe a existência de uma institucionalidade financeira que seja funcional, isto é, que ofereça recursos em prazo e condições adequados ao fluxo de caixa dos projetos, que demandam qualidades diferenciadas para enfrentar os riscos inerentes ao descasamento de vencimentos. Por conta disso, tal arranjo precisa seguir uma lógica de planejamento, ser capitaneado pelo Estado, o que extrapola a alçada de políticas regulatórias convencionais.

O grau de informação e de incerteza envolvidos na tomada decisão de tais investimentos, justificam um papel ativo de instituições financeiras estatais e a utilização de fundos de caráter público no sentido de propiciar o direcionamento do crédito a taxas inferiores às taxas de mercado. Não obstante, tal construção institucional não exclui o papel do mercado financeiro neste processo, mas leva em consideração uma complementariedade entre diagnósticos, expertises e interesses do Estado (ou da sociedade por ele representada), com a capacidade inovativa na alocação de recursos própria ao mercado.

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No caso brasileiro, o reconhecimento de quão distante estávamos de algo similar ao que se possa chamar de desenvolvimento, ensejou desenhos de políticas utilizando determinados fundos constitucionais[2] como mecanismos- funding – à disposição de bancos públicos para estimular setores específicos. Para ficarmos em apenas dois exemplos – ambos, por sinal, associados ao sistema de proteção social -, o Fundo de Amparo ao trabalhador (FAT) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foram cedidos para serem geridos[3], no primeiro caso, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), permitindo que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP[4]) fosse referência dos desembolsos do banco e, no segundo caso, pela Caixa Econômica Federal (Caixa), se destinando a subsidiar o financiamento a infraestrutura social, incluindo habitação popular.

Apesar dos exorbitantes déficits atuais em tais infraestruturas, é inegável a contribuição que ambas as instituições exerceram como braços de política pública, sobretudo a partir dos anos 2000.  No caso do BNDES, cabe lembrar o seu papel ativo no ciclo de investimentos em infraestrutura, em especial no tocante ao setor elétrico – dos quais muitos projetos greenfield foram realizados em parceria com empresas do Grupo Eletrobras[5]. Já no caso da Caixa, destaque para sua atuação no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e na promoção do financiamento imobiliário, que chegou a superar 80% do crédito para esta modalidade no Brasil, em anos recentes.

Infelizmente, o fim da TJLP[6] e o desmonte interno da Caixa – através de IPO´s de subsidiarias[7] – não parecem ter sido capazes de conter o apetite dos que buscam terra arrasada. Nesse sentido, as tentativas de desvincular o FAT do BNDES para direcioná-lo a financiar flexibilizações de contratos de trabalho[8], por um lado, e a liberação da utilização de uma parcela do FGTS para a aquisição de papéis de empresas em processo de privatização, por outro, são facetas do recente capítulo de nosso desmonte institucional.

As engenharias financeiras em curso no incipiente processo de capitalização da Eletrobras[9], por sinal, trazem elementos para nossa reflexão sobre o que seria uma nova economia política em torno da relação entre fundos, privatização de ativos e sistema financeiro privado no Brasil. Exemplo disso são os chamados Fundos Mútuos de Privatização (FMP), produtos criados por bancos e corretoras como uma modalidade de fundo de investimento que possibilita a utilização de até metade do recurso do FGTS para investir em ações de empresas estatais em processo de privatização A ideia é que os gestores apliquem uma taxa de administração – relativamente baixa, mas que diante do montante de recursos atraídos, permitiria ganhos extraordinários -, com prazos de carência de alguns meses para migração para outro FMP e de cerca de um ano para solicitação do retorno do recurso para a conta do FGTS.

Em suma, em uma só tacada, o governo transfere para a iniciativa privada uma empresa estratégica, coloca como sócio da empreitada setores da classe média- aviltados pela alta da inflação e pela queda de seu poder de compra – e retira do Estado a capacidade de que políticas públicas via crédito direcionado possam ser implementadas no futuro próximo.

Soma-se a esse contexto, a exponencial subida recente da Selic que tende a desincentivar ainda mais o empresariado ­­­a incorrer em riscos intrínsecos a investimentos de mais longo prazo. Por fim, em um cenário onde as emergências ambientais tornam ainda mais complexas as tarefas da sociedad­­­e e que o mundo desenvolvido tem reforçado as capacidades dos Estados, o Brasil toma o caminho oposto. Ao invés de estarmos utilizando o arcabouço institucional e financeiro construído por décadas para ampliar investimentos estratégicos para o nosso desenvolvimento, optamos por direcionar recursos para atender interesses de curto prazo e a ânsia por ganhos especulativos.

Fernando Amorim Teixeira – Doutorando pelo PPGE/UFF, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE), Professor Substituto no Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ

Gustavo Teixeira F. da Silva- Doutorando pelo PPGE/UFF, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) e diretor do Ilumina.

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB) desenvolve estudos e pesquisas sobre economia brasileira, em seus diversos aspectos (histórico, político, macroeconômico, setorial, regional e internacional), sob a perspectiva da heterodoxia. O NEB compreende como heterodoxas as abordagens que rejeitam a hipótese segundo a qual o livre mercado proporciona a melhor forma possível de organização da economia e da sociedade.


[1]Pensado a partir da ideia de investimentos orientados por missão, Mazucatto, propõe, inclusive, que bancos de investimento de caráter público são estratégicos no sentido de endereçar as respostas necessárias aos desafios atualmente colocados pela emergência climática. Ver mais em: https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/sites/public-purpose/files/180911_policy_brief_patient_finance_april_2019_edit.pdf

[2] Tanto o FGTS quanto o FAT foram redesenhados pela Constituição Federal de 1988, não havendo equívoco em serem denominados fundos de caráter constitucional.

[3] Funcionando como uma espécie de aplicação do governo, dado que os bancos públicos gerem esses recursos e remuneram os fundos.

[4]A TJLP foi substituída, em 2018, pela Taxa de Longo Prazo (TLP), mais parecida no nível e volatilidade com as taxas de mercado. Na prática, significou queda vertiginosa nos desembolsos do banco para infraestrutura. Coincidência ou não, os níveis de investimento também caíram consideravelmente.

[5]https://inctpped.ie.ufrj.br/desenvolvimentoemdebate/pdf/dd_v7_n_2_Fernando_e_Gustavo.pdf

[6] No caso do BNDES, soma-se o adiantamento dos pagamentos ao Tesouro e a desmobilização de investimentos da carteira da BNDESPar.

[7] Uma forma encontrada pela atual gestão da Caixa para realizar desestatizações sem ter que passar pelo penoso processo de uma privatização plena foi diluir a propriedade e abrir capital. O mecanismo de lançamento público foram os chamados IPO´s (sigla para initial public offering) que tendem a causar impactos negativos na estrutura de receitas no curto, médio prazo e longo prazo. A recente liberação do FGTS, por sinal, tende a impactar ainda mais severamente essa estrutura. Basta termos em mente que, em 2020, os chamados serviços do governo – que compreendem basicamente a administração do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), das loterias, programas de transferência de renda e garantias prestadas – representavam, 33,9% das receitas do banco.

[8]https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2021/03/4912212-corte-de-salario-e-jornada-e-suspensao-de-contratos-devera-atingir-3-milhoes.html

[9] Para uma análise detalhada do processo ver: O que está por trás da privatização da Eletrobras? Disponível em: https://jornalggn.com.br/energia/o-que-esta-por-tras-da-privatizacao-da-eletrobras-por-gustavo-teixeira/GGN

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  1. A mais relevante questão necessária de ser avaliada quando trata-se da infraestrutura, é o quanto perde o País com a ausência de melhores condições nesse quesito. Nas diversas variedades de infraestrutura necessárias para colocar o Brasil num patamar mais elevado de alavancamento do progresso, seria preciso mudar essa visão imediatista, utilizando a percepção do que é estratégico, como sugerido neste artigo, para uso pilar, numa ação irradiadora que propicie novos investimentos. Traçar estratégias de financiamento e de investimentos, que busquem elevar a velocidade no avanço de desenvolvimento do País, não deve contrapor mercado e políticas de financiamento público. A falta de mobilização e clareza acerca desses investimentos, com a retirada do pouco que havia de possibilidade para fazê-los, mais a instabilidade em relação aos juros e a inflação, rebaixa o interesse pelo assunto. A economia são partes que precisam se juntar, por menos relacionadas sejam. Mais do que o financiamento, o importante é o interesse . Diante de incertezas, construir a informação do que se deseja perseguir é indispensável. Considerar o ganho possível a todo o conjunto do País.

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