O governo Dilma e a crise de governança

A literatura brasileira especializada estabelece uma distinção entre governabilidade e governança. Se levarmos em conta estudos de Fábio Wanderlei Reis, de Marcus André B. C. de Melo e de Eli Diniz, podemos sintetizar as diferenças entre os dois conceitos da seguinte forma: 1) Governabilidade, diz respeito às condições políticas e institucionais estruturais gerais sob as quais ocorre o exercício do poder e a articulação entre Estado e sociedade no processo de produção de decisões e resultados, na relação entre os três poderes e nas relações de instâncias federativas; 2) Governança, diz respeito ao modo de operação do poder, à articulação entre atores, ao exercício da autoridade política e moral, ao desempenho das políticas públicas e às relações de sustentabilidade política e social de apoio aos governantes. Para se ter uma noção comparativa, podemos dizer que o Egito, neste momento, vive uma crise de governabilidade com o colapso das instituições, enquanto que o Brasil vive uma crise de governança em face da incapacidade operativa dos governos em produzir bens e resultados demandados pela sociedade.

O desabamento brusco nas avaliações dos governos municipais, estaduais e, principalmente, federal, a queda nos índices de confiança nas instituições públicas e sociais, as manifestações de rua e a má qualidade dos serviços públicos, são sintomas dessa crise de governança. No plano federal, a desarticulação do governo com sua base de apoio, o seu desencontro com os movimentos sociais e com os agentes econômicos e a direção errada da política econômica, que potencializa os impactos da crise internacional na economia brasileira, complementam esse quadro de um governo que não consegue operar com acuidade e competência a ação política e administrativa com vistas a produzir resultados satisfatórios.

Nos contextos democráticos, as crises de governança se caracterizam também pelo crescimento das demandas sociais – o que exige um aumento da atividade governamental. Quando há o encontro entre o crescimento das demandas sociais projetadas em protestos com a falência da capacidade dos governos de dar respostas adequadas e com a deslegitimação da autoridade política e das instituições, as crises de governança tendem a se transformar em crise de governabilidade. O risco de isto ocorrer no Brasil, embora não seja a tendência mais forte, é uma possibilidade posta no horizonte, dada a incapacidade do governo federal e dos governos em geral de dar respostas no curto prazo.

A evolução da conjuntura irá depender do ânimo de setores sociais de permanecer em protesto nas ruas e das respostas governamentais que serão dadas para enfrentar a crise. O fato é que parte da renda se evadiu por conta da inflação e o emprego é cada vez mais afetado pelo baixo crescimento, circunstâncias que poderão agravar a crise. O pós-junho mostra que setores diversos vêm se lançando às ruas, com pautas múltiplas. Muitas vezes o próprio governo tem a capacidade de mobilizá-los, como foi o caso dos médicos.

Algumas das respostas que o governo Dilma deu aos protestos foram desastrosas, a exemplo da constituinte, do plebiscito e de toda trapalhada na questão dos médicos, que resultou em outro recuo. Ou seja, o governo não soube interpretar o que estava ocorrendo e não deu respostas adequadas. O Brasil vive, no momento, uma crise de eficiência do Estado na área de serviços e de garantia de direitos, o que estabelece um contraste inaceitável entre a alta carga tributária que o poder público arrecada dos cidadãos e má qualidade dos serviços que o cidadão recebe. A questão hoje não é mais apenas a universalização de serviços e direitos, mas é a da sua garantia efetiva e de qualidade para além da sua mera formalização na Constituição e nas leis. Não ter feito uma reforma do Estado, com vistas a torná-lo mais eficiente e menos custoso, mais defeso à corrupção e menos sujeito à judicialização, constitui um dos principais fracassos dos governos tucanos e petistas.

            Se na área política do governo há desarticulação, na área econômica há erros de condução e perda de credibilidade junto aos agentes econômicos. Ao alto custo da produção e baixa produtividade, somam-se o relaxamento fiscal e a falta de transparência, o que gera desconfianças em relação à seriedade do governo. A política fiscal ficará ainda mais pressionada pelas demandas das ruas e pelo advento da conjuntura eleitoral. A pressão popular por serviços públicos de qualidade, o controle dos preços das tarifas e a baixa capacidade de investimento do setor público nessa área, geram uma equação complicada para respostas de curto prazo. Enfim, a imprudência, a incapacidade de antecipação ao advento de problemas e erros de leituras acerca do que está acontecendo, são fatores que estreitaram a margem de manobra do governo.

            A presidente Dilma não consegue emitir sinais simbólicos positivos, que apontem para a mudança de rumos no futuro próximo. Ao avaliar que o problema principal a necessidade de estímulo à demanda e ao consumo, o governo contribuiu para desorganizar a política econômica, não adotando medidas estratégicas capazes de torná-la mais eficiente e de aumentar o nível de investimentos. A persistir neste caminho, sem mudança ministerial nas áreas econômica e na articulação política, o governo Dilma tenderá a arrastar-se para uma lenta agonia em direção às eleições. Dilma precisaria repactuar sua relação com a sociedade e com os agentes econômicos através de uma reforma ministerial profunda e de uma retomada da responsabilidade fiscal, sinalizando o que seria um possível segundo mandato. Se deixar para fazer isto só nas eleições, poderá ser tarde demais.

Aldo Fornazieri é Cientista Político e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

          

Redação

1 Comentário

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  1. O governo Dilma e a crise de governança

    Boa noite! Aldo Fornazieri, estava fazendo pesquisa de governança quando encontrei seu artigo, pois estou cursando Gestão da Tecnologia da Informação. Gostaria de parabenizá-lo por conseguir expressar com tamanha precisão a crise que esse governo está passando.

    Jayme Sena.

    Sds.

    Belém-Pará-Brasil

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