Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Verdadeiro papel do Judiciário no Estado brasileiro, por Ion de Andrade

Por Ion de Andrade

O verdadeiro papel do Judiciário no Estado brasileiro

Para além do aspecto psiquiátrico que faz a PGR considerar imparcial um certo juiz de primeira instância, (clique aqui); quando as imagens difundidas pelo MTST do Triplex atribuído a Lula demonstram que as reformas milionárias (que provariam a associação do imóvel à figura do ex-presidente) nunca foram realizadas e que isso não pode ter sido constatado a tempo pela defesa, pois ela foi proibida de visitar o referido apartamento por sete vezes; o Judiciário vem mostrando (tripas de fora) o seu papel no Estado brasileiro.

Até aqui a melhor elaboração sobre o Estado capitalista contemporâneo, a de Gramsci, o percebe como uma combinação entre a Força (operada a partir da Sociedade Política) e o Consenso (construído na Sociedade Civil).

A Sociedade Política é normalmente associada aos aparelhos repressivos do Estado, à polícia e forças armadas, responsáveis, comprovadamente, ao longo da história pela iniciativa golpista em inúmeros países.

A Sociedade Civil, instância onde o Poder estabelece as bases da governança pelo consenso, locus onde se situa a Globo, por exemplo, opera de forma a tentar transformar a subordinação política, a exploração e entre nós também o entreguismo, em coisas naturais e inevitáveis.

Porém o que vemos hoje no Brasil e na América do Sul é a emergência de um Judiciário que ocupou o locus anteriormente ocupado pelos aparelhos repressivos. A manter-se a formulação de Gramsci a Sociedade Política é hoje no Brasil, e em outros países do continente, o Poder Judiciário.

Poderíamos imaginar que a migração do Judiciário para o papel de núcleo duro e classista do Estado se deve ao próprio processo de ampliação/democratização do Estado capitalista contemporâneo que vem, em decorrência das lutas do próprio proletariado, sendo escorraçado do exercício do Poder pela Força (as baionetas e sabres bem conhecidos) para, em toda parte, um exercício do Poder mais centrado sobre o componente “Consenso” (entre nós hegemonizado pela globo, jornalões et caterva). O exercício do Poder pelo Consenso não significa ainda, ou automaticamente, que ele seja democrático ou que esteja a serviço das maiorias, como sabemos fartamente, e é também ele um feroz campo de batalha.

Não se trata de uma evolução desimportante ou inócua, a força política do povo para produzir essa migração do Poder (da Força para o Consenso) ao longo de todo o século XX não foi pequena e devemos ter clareza de que isso aponta para o fato de que estamos vivos no jogo e podemos fazer mais. Razão, aliás, pela qual o golpe foi dado.

Mas o Judiciário está mal posicionado para cumprir esse papel espúrio que o obriga ao oposto do que as leis e tratados internacionais preveem para ele. É como se repousasse sobre um árbitro de futebol o dever “cívico” de empenar um jogo assistido por uma multidão, sendo ao mesmo tempo obrigado, num estádio cheio de câmeras e de replays, a reafirmar peremptoriamente a todos e a toda hora a sua imaculada neutralidade…

O Poder que prendia e arrebentava, como dizia o general Figueiredo, era muito menos cínico do que o contemporâneo.

Esse tremendo mal-estar institucional que deverá, aliás, produzir uma experiência amarga em alguns anos, quando a máscara fascista estiver rota, e quando promotores e juízes se perguntarão como foram capazes de ir tão longe, é o ambiente doentio que contextualiza as decisões do desembargador Rogério Favreto e à luz do qual devem ser entendidas.

Favreto rompe, ainda que por um breve momento, o transe hipnótico fascista em que a maioria do Judiciário está mergulhado, permite que a luz do sol entre na cova dos vampiros. A capacidade de Favreto de pensar e formar juízo por conta própria é a maior ameaça à legião e instabiliza psicologicamente os seus pares.

A reação desse poder tomado pelas trevas não poderia ser mais furiosa. Não se trata mais da discordância doutrinária que poderia legitimamente haver entre pares, mesmo acesa. Não, nesse Poder, no entanto feito para julgar e produzir justiça, a PGR pediu pena máxima contra o desembargador que ousou atuar de forma divergente do fascio, sem estender a sua fúria nem ao juiz de piso, nem ao relator, nem ao presidente daquele Tribunal, nem ao Ministro da Segurança Pública, nem à juíza da porta do presídio, nem ao delegado da Polícia Federal que descumpriram todos a ordem judicial de soltura, ferindo, aí sim, um princípio sagrado para o Judiciário: o do “cumpra-se”… Autofágica e capaz de trair os seus valores mais altos para continuar fiel ao seu vil papel de cão de guarda do arbítrio (e aí vemos que esse é que é o papel finalístico, capaz também de desrespeitar o domingo e as férias), essa é a trágica (e ridícula) Sociedade Política com que esse capitalismo tardio nos brinda.

Porém, essa situação institucional decadente, insustentável no longo prazo, precisa ser bem compreendida pelos que aspiram a uma democracia despida desse primitivismo, pois devem estar política e teoricamente preparados para propor novos cenários institucionais. Sim, pois ainda que não saibamos quanto tempo durará tal como está, os sintomas institucionais do Judiciário brasileiro contemporâneo parecem apontar para a instabilidade e para a baixa longevidade histórica.

Ainda que a cidadania demore muito tempo para acumular forças para materializar uma nova Constituinte capaz de alterar profundamente o Judiciário, a reforma desse Poder está, definitivamente, na pauta das prioridades.

Questões como as que tocam (1) ao provimento dos juízes dos tribunais recursais e superiores, (2) ao controle social sobre o Judiciário, (3) à vitaliciedade, (4) à remuneração e aos privilégios de função e (5) ao compromisso com a democracia e com as maiorias devem começar a ser objeto de reflexão entre juristas do campo democrático.

O dito “século das luzes” antecedeu em muitas décadas a Revolução Francesa, mas um e o outro são uma coisa só.

É hora de desenharmos o Poder Judiciário que queremos, para que atue como força sinérgica ao processo (em curso e golpeado) de aprofundamento e realização da democracia política sempre almejado pela parte saudável da nação.

De fato, esse Judiciário aristocrático e sem controle é um problema para a democracia. Na próxima parada, deverá ser objeto de uma Constituinte Livre e Soberana.

 

 

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

10 Comentários

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  1. Outra que não passaria em um exame psicotécnico

    PT denuncia: Raquel Dodge falta com a verdade ao STJ; “ódio autoritário” da PGR é “tão virulento” que DOI-CODI é fichinha

    13 de julho de 2018 às 19p7

     

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    Raquel Dodge mente em peça ao STJ para atacar desembargador e deputados

    PT na Câmara

    A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mentiu – ou ignorou grosseiramente um fato público notório – na peça em que pede ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a abertura de inquérito para investigar o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e os deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS), Paulo Teixeira (PT-SP) e Wadih Damous (PT-RJ).

     

    “Chama a atenção o fato de os impetrantes do Habeas Corpus, os Deputados Federais Wadih Nemer Damous Filho, Paulo Roberto Severo Pimenta e Luiz Paulo Teixeira Ferreira, não integrarem o grupo encarregado da defesa técnica do ex-presidente da República”, diz o texto do Pedido de Inquérito Judicial assinado pela PGR na última quarta-feira (11), omitindo o fato de Wadih Damous ser advogado constituído de Lula desde o mês de maio passado.

    MATÉRIA COMPLETA:

    https://www.viomundo.com.br/denuncias/pt-denuncia-raquel-dodge-falta-com-a-verdade-ao-stj-o-odio-autoritario-da-pgr-e-tao-virulento-que-ignora-que-damous-integra-defesa-de-lula.html

     

  2. Lula livre
    O PT no poder deixou um legado positivo, mas errou drasticamente ao não fazer o enfrentamento politico-ideologico.
    Acreditou nas instituições e agiu como se fizesse parte da elite, esquecendo do passado de enfrentamento.
    Desde o início era óbvio que Palocci era um traidor, assim como Paulo Bernardo e Zé Cardozo.
    A ingenuidade do PT era tanta que, mesmo alertada por Snowden, Dilma e Lula conversavam em canais sem criptografia
    Até hoje o PT não possui um sistema de inteligência nem de segurança próprios. O amadorismo é gritante.
    Agora temos que torcer para que o mesmo não volte a acontecer.
    #HaddadNoGovernoLulaNoPoder

    1. inteligência própria nos partidos de esquerda e centro-esquerda

      os grupos e partidos que foram pra luta armada provavelmente tinha gente infiltrada, muito bem treinada, como deve ser. Burlavam a “inteligência própria” (não me refiro às torturas que entregavam no limite). O PT tem várias correntes,umas anticomunistas, outras social-democratas que abominam os comunistas (mesmo os renovados que fizeram autocrítica). Não é de se descartar nunca as infiltrações. Jogar  jogo dos macacos-velhos no “Mensalão” , a flexibilidade nas indicações da base aliada Petrobrás, etc foi desses erros, subestimar os “antigos” tudo pela governabildiade. A hierarquia de alto a baixo talvez tenha infiltrados. Mas a onipotência, a soberba, o apoio popular, as estatísticas externas deveriam ser vistas com cuidado.

  3. nem ingenuidade (termo cômodo), nem fatores psiquiátricos (idem)

    Temos o q temos, é simples e complexo simultaneamente. Nossa História não formou cidadãos e cidadãs no sentido de cidadania(de exercer,não da boca pra fora):já nas reuniões de Condomínios. Quem daqui vai? Disse alguém que é fácil amar a Deus,difícil é amar o Próximo – esta deficiente fraternidade e solidariedade: quem daqui serve, de alguma maneira,em trabalho voluntário ou em doações sistemáticas para ONGs (sérias), para nosso entregador de jornal, como lidamos com o bem brasileiro elevador de serviços,e as proibições discriminatórias em clubes sociais? Nem precisamos ler Raízes do Brasil e Os Donos do Poder, ativemos nossos botões e consciências, difícil pela “cultura”. Seguir ídolos também tem 2 faces.

  4. 40 ANOS DE REDEMOCRACIA. ERA PARA OBTER ESTE LIXO?

    É sério que nossas Elites, Imprensa, Intelectuais, Públicas perceberam o papel do Judiciário? Agora, depois de 40 anos? Mas não estamos sob o manto de um tal Constituição Cidadã? Constituição que mesmo escrita por mãos progressistas e redemocráticas manteviveram todo o cerne da Legislação Fascista de Ditadura Militar dos anos de 1930? Então cúmplices e parceiros? Pior. Defensores e Guardiães. 88 anos de Estado Fascista, replicados por quarenta anos numa farsante redemocracia. Agora é que perceberam que tipo de Judidicário controlava a vida dos Brasileiros? Somente agora, quando este Poder Inquisidor tenta derrubar seus Cúmplices? Lembraram inclusice do Povo? Que Alma Democrátiica !!! 93% de uma População de 210 Milhões de Pessoas, que ganham menos que os 4.500 reais do Auxílio-Moradia do Poder Judiciário. O Brasil é de muito fácil explicação. 

  5. O grande capital tornou-se

    O grande capital tornou-se incapaz de vencer eleições democráticas. Para continuar no poder, tomou o controle do judiciário e da grande mídia. Uma guerra comercial de alcance mundial está em curso. O grande capital nacional escolheu seu lado na guerra, tornando nosso povo bucha de canhão. Enquanto os partidos de esquerda aceitarem combater no campo jurídico e midiático, absolutamente nada mudará nesse cenário.

  6. Papel do Judiciário

    Boa noite a todas e todos

    Do artigo do Prof. Ion, gostaria de ressaltar a parte final. 

    De fato, uma “Revolução Francesa” ainda não aconteceu em nosso triste país. O Poder Judiciário, e Ion está certíssimo, age hoje como os antigos aparelhos repressivos da época da última ditadura. Nada que surpreenda pois, em uma sociedade como a nossa — na qual a chamada elite tem uma mentalidade escravocrata –, os juízes operam exatamente de acordo com os interesses da classe à qual pertencem. Lembremos que pelo salário que recebem os juízes ocupam a faixa do topo da pirâmide social.

    Por isso, as barbaridades cometidas contra Lula são “naturais”. 

    O ideal, como bem apontou Ion, seria acabar de vez com a vitaliciedade, acabar com os obscenos privilégios e estaber um órgão de controle social efetivo sobre essa verdadeira casta. Essa é a dificuldade. Sem um processo revolucionário popular e demócrático não vejo como essas mudanças proderiam ocorrer. Uma constituinte dependeria de representantes. Observando a composição do atual congresso vemos claramente que a grande maioria dos deputados e senadores representam a si próprios e a diversos setores da elite. 

    Por fim, aos colegas que se manifestaram: um dos grandes erros do PT foi acreditar que uma “composição” com esse tipo de gente seria factível. Mais ou menos como o cordeiro acreditar que um lobo se converteu ao vegetarianismo.

    Um abraço e vamos à luta

    LULA LIVRE !! 

  7. Problemas dos super impostos pagos pelo contribuinte

    Sem a menor dúvida o poder judiciário é tendencioso, principalmente quando uma das partes é um banqueiro concessionário autorizado pelo Bacen. Estão duvidando, dá uma olhada nos juros de 500% do seu cartão de crédito. Sinceramente creio que seja um dos principais problemas do país, qual seja, a causa primária de injustiças sociais e econômicas vivida no dia a dia pela população, com agravante que são mantidos pela sociedade brasileira que paga uma das maiores cargas tributárias do planeta para sustentar mordomias e super salários, que recebe em contrapartida serviços públicos de péssima qualidade como da saúde, educação e segurança…. Solução, talvez seja através das privatizações, redução do Estado, digo de todos poderes da República, redução de impostos, quem sabe a economia cresça e gera novas vagas de trabalho, porque da forma que está, com máxima concentração de renda, de impostos, gerida por um Estado corrupto, ineficiente, que não responde pelas injustiças, não funciona….

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