Reforma Política em Debate: nada é tão ruim que não possa piorar, por Pedro Cavalcante

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Reforma Política em Debate: nada é tão ruim que não possa piorar

por Pedro Cavalcante

Que o sistema eleitoral e partidário é uma das principais razões das recorrentes crises políticas e institucionais do país, em seus diferentes níveis de governo, não é uma novidade há um bom tempo. Entretanto, os principais pontos da reforma política na ordem do dia do Congresso Nacional possuem um enorme potencial de piorar aquilo que já é consensualmente ruim.

As negociações e acordos que estão sendo costurados e os trâmites acelerados da reforma se justificam em função da necessidade de cumprimento do prazo para a vigência das novas regras já nas próximas eleições de 2018. O relatório final da Comissão Especial da Câmara, que discute o tema há cerca de 10 meses, apresenta propostas de mudanças positivas, como o fim das coligações e a cláusula de barreira, e outras irrelevantes em termos de alteração efetiva do sistema, tais como o fim dos cargos de vice ou mandatos para ministros do STF. Não obstante, duas propostas ganharam força recentemente e se tornaram prioridades de grandes legendas no Congresso: o Fundo Especial de Financiamento da Democracia e a adoção do ‘Distritão’.

A primeira é defendida como estratégia de adequação à proibição pelo STF ao financiamento empresarial e ao fantasma da Lava Jato que assombra o meio político. Em linhas gerais, o novo fundo, mantido com recursos públicos, corresponde a 0,5% da Receita Corrente Líquida e, representaria, em 2018, aproximadamente R$ 3,6 bilhões. Naturalmente, a proposta enfrenta forte resistências da população e da opinião pública diante da persistente recessão econômica que afeta o mercado de trabalho, o financiamento das políticas sociais e, mais recentemente, utilizada como justificativa para aumentos de impostos. Como argumentar novas despesas dessa magnitude para a classe mais desprestigiada do país em um contexto tão negativo? Sem dúvida, será mais um fator de degradação da imagem do Legislativo brasileiro.

Ademais, a mudança não atinge a questão de assimetria do poder econômico entre os candidatos que não foi alterada pela proibição do STF: o limite de doações de pessoa física. Muito embora o parecer do relator na Comissão propunha restrições tanto no limite da doação individual quanto do próprio candidato com vistas a fomentar mais isonomia no processo eleitoral, dificilmente, as propostas serão aprovadas. Isto é, na prevalência do status quo, permite-se doações de pessoas físicas ou autofinanciamento dos candidatos em até 10% da renda declarada no ano anterior. Logo, as enormes desigualdades de renda da sociedade brasileira se reproduzirão nos pleitos. Enquanto o grande empresário ou ruralista poderá doar milhões a sua campanha, as doações de representantes de segmentos menos abastados se restringem ao fundo público ou às doações individuais, historicamente irrelevantes no Brasil. Como agravante, a manutenção da regra vigente não resolve outro problema praticado na última campanha municipal, empresas doando por meio de seus executivos, posteriormente premiados com ‘bônus’. Em suma, a tendência, identificada nas eleições para prefeitos e vereadores em 2016, é o contínuo aumento da elitização ou oligarquização da representação legislativa.

O segundo ponto, o denominado ‘Distritão’ surge como alternativa para substituir o sistema atual proporcional de lista aberta e, objetivamente, aproxima as eleições para deputados federais, estaduais e vereadores ao sistema majoritário que elege os senadores. Assim, os candidatos mais votados no distrito – por exemplo, os setenta primeiros no estado de São Paulo – seriam os eleitos.

O argumento principal é que o distritão constitui uma transição ao modelo distrital misto que passaria a vigorar em 2022, todavia, há pouca confiança de que até lá isso não será alterado pela próxima legislatura e, sobretudo, poucas informações sobre seus efeitos na representação. O primeiro ponto só o futuro dirá, mas quanto às consequências, elas devem ser deletérias ao já famigerado sistema político. Vigente em nações inexpressivas do ponto de vista democrático, como Afeganistão ou Jordânia, o modelo é criticado pela maioria dos cientistas políticos.

Primeiro, o crescente apoio à proposta dentro do Congresso se deve porque os parlamentares acreditam que se beneficiarão com a reeleição pela sua visibilidade junto ao eleitorado e importância dentro da legenda e, assim levariam a maior parcela do novo fundo de financiamento. Ao inibir novas candidaturas ou representantes de minorias, pois os altos custos e as dificuldades em se eleger tendem a provocar desinteresse aos postulantes, a mudança cria obstáculos à rotatividade e à oxigenação do sistema político.

O segundo aspecto ainda mais problemático é o aumento da força individual dos candidatos, o que gera mais personalismo, já exacerbado na política brasileira. Ao contrário do caminho de fortalecimento das instituições partidárias, receita básica das democracias desenvolvidas, com o Distritão os candidatos não mais precisarão dos votos da legenda ou de correligionários. Por conseguinte, o alinhamento e a fidelidade às orientações partidárias perdem força.

Além disso, o argumento de que reduziria custos de campanhas é controverso, na medida em que haverá incerteza quanto à vitória, uma vez que historicamente a grande maioria não se elege somente com seus próprios votos, pode provocar ainda mais gastos, como também mais rivalidade e conflito intrapartidário.

Em um momento em que vivemos a pior crise política e econômica da Nova República, em vez de se propor alterações que aprimorem o sistema eleitoral e partidário, a classe política confirma o senso comum de prevalência de uma visão autocentrada, de curto prazo e, principalmente, à margem dos anseios da população. A reforma política a caminho da aprovação no Congresso Nacional, portanto, nos faz lembrar à célebre expressão do poeta português Manuel Bocage. “pior a emenda que o soneto”.

Pedro Cavalcante – Doutor em Ciência Política e Professor dos Mestrados em Administração Pública da, do Ipea/Enap e do Idp.
 
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Lourdes Nassif

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1 Comentário

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  1. Com toda essa titulação

    e responsabilidade de ensino, não é aceitável que você não saiba julgar no tempo  subjuntivo.

    Quero crer tenha sido um lapso.

    No 4º parágrafo, segunda linha:

    ….Muito embora o parecer do relator na comissão propunha restrições tanto no limite da doação individual quanto do próprio candidato….

    Que o parecer proponha – no presente do subjuntivo

    Que o parecer propusesse –  no  pretérito imperfeito do subjuntivo

    parecem mais apropriados.

    O Moro, os dalanhóis da vida podem cometer barbaridades gramaticais porque têm titulações duvidosas.

    Não queremos duvidar de outras titulações

     

     

     

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