Uma longa travessia, por Ricardo Cappelli

Levará tempo para que o povo consiga diagnosticar corretamente o fenômeno e suas causas. Por enquanto, vai sendo manipulado numa brutal guerra semiótica.

Obra de Ivan Konstantinovich Aivazovsky

Uma longa travessia

por Ricardo Cappelli

As últimas pesquisas fornecem algumas pistas de para onde podemos estar indo. Os militares possuem o maior nível de confiança da população (66%).  O Senado (17%), a Câmara (11%) e os partidos (7%) são as instituições de menor prestígio.

Sérgio Moro (59%) segue sendo o político mais popular do Brasil. Bolsonaro encolheu. Apesar disto, o presidente representa a nova política para 61%. A maioria considera que ele deve endurecer ou manter como está sua relação com o Congresso.

Metade da população considera que os governos Lula e Dilma são os responsáveis pela crise.

A democracia é uma invenção humana, uma construção dos sapiens, espécie dotada da capacidade de acreditar e cooperar em torno de abstrações.

Para a grande maioria do povo, ela é apenas meio para a melhoria de sua condição de vida. Seu João e Dona Maria participam da democracia apenas de dois em dois anos quando, obrigados, votam.

A democracia, na sua plenitude, é exercida por uma elite. Como dizia Churchill, “é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Mas, e se a democracia não funcionar?

O Brasil passou por três presidentes nos últimos quatro anos. Aguentaria o quarto, numa eventual queda de Bolsonaro? Ou seria mais um fracasso da alternativa democrática?

Roma foi uma República exitosa durante séculos, até que uma guerra pelo poder dividiu os romanos. A disputa entre Júlio César e Pompeu Magno gerou um vácuo de poder. O caos administrativo teve como conseqüência fome e desesperança.

Quando César voltou a Roma vitorioso e colocou ordem na casa, saciando a fome do povo, sentiu que poderia governar sozinho. O Senado, manchado por denúncias de corrupção e inoperância, foi obrigado a se dobrar diante do autoproclamado ditador.

O povo apoiou César. Ele manteve o Senado, esvaziando seus poderes. Os senadores, inconformados, assassinaram o mito com 23 facadas. Foi inútil. O destino da República já estava selado. Os Imperadores estavam a caminho.

Os movimentos de junho de 2013 formaram uma poderosa onda anti-sistema. Bolsonaro é apenas o surfista que pegou a onda certa. Não domina e está longe de ser a própria onda.

A esquerda, no governo, era a representação do sistema a ser derrubado. Com a economia crescendo foi possível enfrentar a onda. Quando o emprego faltou, a narrativa da corrupção como “causa sistêmica” finalmente triunfou.

Mas, e se mesmo com o triunfo do “combate à corrupção” o país não voltar a crescer? Os ataques sistemáticos ao Congresso Nacional e ao STF dão pistas de quem serão os próximos culpados engolidos pela onda.

O horizonte não é nada promissor. O Itaú revisou sua expectativa para o PIB deste ano para +1,3%. A capacidade ociosa da indústria beira os 40%.  O consumo das famílias já recuou 5,2% em 2019. A retomada do crescimento é uma miragem.

Na contramão da política de austeridade e desmonte, Bolsonaro anunciou a contratação de mil novos policiais federais e nomeou um delegado da PF para a chefia do Inep.

É pouco provável que os militares embarquem numa aventura aberta contra as instituições democráticas, mas com um Estado Policial sendo montado – que coloca faca até mesmo no pescoço de ministros do STF -, será preciso se expor? O destino da República está selado?

Levará tempo para que o povo consiga diagnosticar corretamente o fenômeno e suas causas. Por enquanto, vai sendo manipulado numa brutal guerra semiótica.

Tudo indica que o desfecho da crise, infelizmente, pode ser ainda pior. A travessia será longa. A onda parece estar longe do fim.

Redação

5 Comentários

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  1. A conspiração é lojistas…..

    Nem precisa ser um grande estrategista pra saber que tentarão eleger um dos dois ministros que os lojistas enfiaram goela abaixo do capetão….o tchutchuca e o conje…..um deles claramente sendo recompensado por serviços prestados……

    Resta saber se o povo vai cair na lábia da escumalha pela segunda vez, logo após ter tido seus direitos pulverizados pela malta….

    E esses índices do conje hein…….acredite se quiser………

  2. “Metade da população considera que os governos Lula e Dilma são os responsáveis pela crise.”

    Não é preciso ser bolsonarista nem de direita para fazer parte dessa metade lúcida da população.
    O PT não consegue se dar conta disso.
    Já foi o tempo em que pedíamos ao PT para se dar conta disso.
    Agora, mané… Agora dane-se!

    O PT nos deu de presente a Dilma.
    Depois nos deu de presente o Temer.
    Por último, nos deu de presente o Bolsonaro.
    É bem possível que ainda nos dê de presente o fundo do buraco.

    1. “Metade da população considera que os governos Lula e Dilma são os responsáveis pela crise.”

      É evidente, meu caro cidadão “lúcido”, que muito mais da metade da população é influenciada pelo que diz CEM PORCENTO da imprensa mercenária brasileira.
      E parte da população, principalmente aquela que se considera ilustrada e “lúcida”, é CEM POR CENTO dirigida pelo que propaga a imprensa mercenária.
      O PT nos deu de presente várias coisas extraordinárias. Primeiro demonstrou, pela primeira vez na história desse país que um Brasil melhor, mais humano e menos violento e desigual é possível.
      Depois comprovou que é possível assistir a urgência da miséria e manter equilibradas as contas públicas, com pleno emprego.
      Depois, e o mais importante, forçou a parte podre da população brasileira e das instituições a mostrar a cara feia que sempre manteve escondida sob uma máscara de cordialidade. Esse é o maior legado deixado pela passagem do PT no poder central do país. Mostrou ao país a sua própria doença, a hipocrisia, a violência e o ranço escravagista que sempre esteve presente nos traços mais fundamentais da formação originária da sociedade brasileira e, por isso, só agora se sabe o que deve ser eliminado para que essa terra possa ser algum dia uma grande nação.

  3. “A esquerda, no governo, era a representação do sistema a ser derrubado. Com a economia crescendo foi possível enfrentar a onda. Quando o emprego faltou, a narrativa da corrupção como “causa sistêmica” finalmente triunfou.”

    Não tem nada a ver com a realidade dos fatos. Ao contrário, alinha-se com a interpretação fantasiosa produzida, com muito esforço e poder de comunicação, pelo Ali Kamel, para consumo das massas ignaras.
    O desemprego foi construído deliberadamente pela atuação deletéria da parceria criminosa entre a Farsa a Jato e o oligopólio midiático controlado pelas forças do deus Mercado, a partir de 2014. Coroando uma campanha de desestabilização do PT iniciada junto com o governo em 2003. Com a inestimável colaboração da quadrilha de parlamentares liderada pelo bandido Eduardo Cunha, no Congresso, mantido pelo PGR bandido, Rodrigo Janot, até que o GOLPE, “o grande acordo nacional, em torno do nome de Michel Temer, com STF, com tudo” estivesse perfeitamente estruturado. A política interna nacionalista e desenvolvimentista e externa altiva e soberana implementadas pelo governo social democrata realizado pela coalisão liderada pelo Lula não pode e não deve ser chamada de esquerda e tampouco representava coisa nenhuma. Esse projeto político construído pelo PT era e é o próprio alvo do movimento golpista arquitetado, coordenado e implantado pelo Mercado. Desde 2005 o PT enfrentou todo esse poderio midiático que, junto com as esquerdas, faziam coro numa campanha impiedosa de acusações e difamação. Todo esse conjunto de forças, a tal esquerda, que se diz autentica e os corneteiros da imprensa, merece crédito de autoria do desastre que se abateu sobre o país. Outra realidade extraordinária que se revelou foi a negação daquela crença de que a esquerda só se unia na cadeia. Agora sabe-se que essa afirmação não é verdadeira. Só quem vai para a cadeia é o PT que deve ser sempre grato a todos que o ajudaram a ser condenado e enclausurado.

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