Do Adital
Não se teve oportunidade semelhante em 1945/6, na criação do Fundo Monetário Internacional, o FMI, e do Banco Mundial. Nem em 1950, quando o Brasil fundou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Agora, o cenário é outro. Há consenso sobre a necessidade de tais instituições incorporarem mecanismos de transparência e controle social, para garantir que os projetos por elas viabilizados distribuam renda e respeitem culturas e o ambiente.
Além de nascer da crítica que os BRICS fazem ao antidemocrático sistema que garante a hegemonia eterna dos EUA e da Europa no Banco Mundial e no FMI, o banco dos BRICS, que nascerá com aportes totais de 50 bilhões de dólares (2 bi cash e 8 bi em garantias de cada sócio) é justificado pela nova realidade econômica internacional, que possibilita maior raio de ação a essas nações. Desde o início dos anos 2000, com o aumento da demanda e dos preços internacionais de commodities e demais matérias-primas, mercados em que os BRICS são especializados, esses países acumularam expressivas reservas em moeda forte (cerca de 5 trilhões de dólares em dezembro de 2011).
Assim, capitalizadas, essas nações recuperaram parte de sua capacidade de conduzir internamente políticas públicas e de transitar com razoável autonomia no fechadíssimo clube das finanças internacionais, onde predominam, por ordem, o dólar (EUA), o euro (Europa) e o iene (Japão).
Foi nesse cenário que nasceu a ideia, em 2010, na segunda cúpula dos BRICS, realizada no Brasil, de criar um fundo de fomento ao desenvolvimento, quando a África do Sul ainda não integrava o bloco. O acordo foi capitaneado pelo BNDES, instituição que tem tido papel importante na criação do novo banco. O fundo servirá para fazer reservas em moedas próprias dos BRICS, dispensando dólares e euros, e atender aos cinco países em caso de futuras crises do capitalismo globalmente interconectado.
O banco teve sua ideia vocalizada pela Índia, que sediou a terceira cúpula dos BRICS em 2011 e também integra a estratégia de isolamento diante das crises. Mas, está sendo desenhado para atuar especificamente no apoio às oportunidades comerciais abertas pela crise climática, conforme paper dos economistas Nicholas Stern e Joseph Stiglitz que circula entre governos do bloco desde setembro de 2011 (ver a íntegra do em www.maisdemocracia.org.br).
Os estudos preliminares detiveram-se até agora sobre o sistema de governança e os esquemas comercial e financeiro do novo banco. O governo brasileiro, em consonância com o texto Stern-Stiglitz, defende que a instituição tenha o menor número possível de funcionários e não promova políticas públicas a serem exigidas dos tomadores de empréstimos. O local da sede ainda não está definido. O Brasil postula a adoção do sistema de cotas iguais, com direito a voto, para os fundadores principais, cabendo a diversos tipos de países participantes diferentes modos de aportar e acessar os recursos, mas sem direito a voto. A África é apontada como campo de interesse particular da nova instituição, por deter grandes quantidades de terras férteis, água e subsolo riquíssimo.
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Box 1
Geopolítica
Uma cunha na hegemonia de EUA e Europa
A criação de um banco como o dos BRICS não deve ser encarada como uma decisão apenas da esfera econômica. Ela também se fundamenta no espaço político aberto pela fragilidade conjuntural de EUA e Europa diante das recentes crises cíclicas do capitalismo globalizado. A mais recente delas, a de 2008/09, fragilizou esses dois gigantes diante de um momento relativamente privilegiado para as chamadas economias emergentes, em termos de balanço de pagamentos e de suas reservas geradas pela alta dos preços e da demanda nos mercados internacionais de produtos primários.
Nesse cenário, tanto instituições como o FMI, hegemonizado pela Europa, e o Banco Mundial, pelos EUA, quanto fóruns como o G-20, liderados pelos dois, tiveram sua existência e eficácia confrontadas pela incapacidade de prevenir e de lidar com as fragilidades cíclicas de um modelo de desenvolvimento hegemônico que volta e meia se aproxima do abismo. Além, é claro, de não abrirem qualquer espaço efetivo para o aumento da influência na governança dessas instituições por parte de novos e importantes jogadores no cenário internacional, como pleiteiam os BRICS.
É nesse enquadramento que se precisa olhar a oportunidade e a decisão de criar de os BRICS criarem um novo banco de desenvolvimento que seja governado por um grupo especial de países. Entre esses países estão dois com assento permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU e que também são grandes produtores, exportadores e consumidores mundiais de petróleo e gás natural (Rússia e China); outros três são pleiteantes históricos de inclusão no CS (Brasil, Índia e África do Sul); e três declaradamente possuem armas nucleares (Rússia, China e Índia). Em seu conjunto, os cinco abrigam perto de 40% da população mundial.
Ainda que a economia dos BRICS cresça abaixo do esperado, uma coalizão como essa coloca um ponto de interrogação para EUA e UE, polos tradicionais de poder. Tudo isso ainda não ameaça a hegemonia de estadunidenses e europeus, mas cria uma perturbadora cunha na geopolítica global.
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Box 2
Controle social sobre a economia
Uma janela histórica para a sociedade civil
Em se confirmando a fundação de um banco com a escala e a natureza deste dos BRICS, é urgente a intervenção articulada, propositiva e incisiva de organizações da sociedade civil para garantir que o banco se fundamente sobre pelo menos cinco critérios que caracterizariam algum lampejo de democracia no mundo das finanças.
Os critérios seriam: 1. uma ampla política de informação pública e adoção de normas internacionais de transparência; 2. critérios internacionais de controle e accountability; 3 anterior aos seus desembolsos, um processo aberto de discussão e decisão com as populações direta e indiretamente impactadas pelos projetos a serem financiados; 4. um espaço público de deliberação geral sobre a nova instituição; e 5. a adoção de uma norma internacional contra violações de direitos humanos a ser respeitada por toda cadeia produtiva dos projetos apoiados. No caso do banco dos BRICS, a falta de acesso público e amplo aos documentos sobre as negociações oficiais para sua criação demonstra a premente necessidade de ação cidadã sobre esta poderosa instituição que está prestes a ser fundada. Afinal, se a criação do banco dos BRICS se fundamenta, entre outras razões, em um déficit de legitimidade do FMI e do Banco Mundial, o novo banco precisa, para ser legítimo, basear-se em critérios democráticos sobre a utilização de recursos públicos.
O Instituto Mais Democracia realizará, em articulação com a Fundação Heinrich Böell, uma oficina sobre o banco dos BRICS, em março, na África do Sul, em paralelo à cúpula oficial para levantar questões críticas sobre o banco, como o respeito ao meio ambiente e direitos humanos, e, a partir daí, construir uma rede internacional de organizações da sociedade civil que monitore e incida sobre o banco.
[Fonte: Instituto Mais Democracia].
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