Wilson Cano fala sobre a desindustrialização

Matéria atualizada no dia 17 de junho*

Desindustrialização no Brasil é real e estrutural 

Por Lilian Milena, do Brasilianas.org

 

Nos anos 1980 o peso da indústria de transformação no PIB era de 33%, hoje é de 16% – nos últimos cinco anos o comércio exterior desse setor passou de um superávit para um déficit de 65 bilhões de dólares. A relação de manufaturados nas exportações totais chegou a atingir 59%, mas atualmente está na casa dos 40%. Para o professor colaborador do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, Wilson Cano, não há dúvidas de que o país passa por um processo contínuo de desindustrialização.

Em entrevista concedida ao Brasilianas.org o economista explica porque há praticamente três décadas a indústria perde peso na economia nacional, e problemas da falta de incentivo a essas atividades produtivas acarretam para o crescimento consistente do Brasil. Cano publicou, em 2008, o livro Desconcentração Produtiva Regional do Brasil 1970-2005, e atualmente trabalha em cima do mesmo tema, mas com levantamentos que vão de meados de 2000 até os dias atuais.

“A menos que a gente se defronte com uma crise severa, e isso ocorrerá em algum momento, certamente vamos ficar numa situação pior e mais deteriorada para o setor industrial. Não vamos nos iludir porque o consumo sobe, nenhum país do mundo cresce por muito tempo sem investimento. É o investimento que amplia a capacidade produtiva, não o consumo”, avalia.

O professor é incisivo quanto à necessidade do país controlar o câmbio, subir tarifas, controlar os dólares que entram no mercado interno, e reduzir a taxa básica de juros. Sem essas ações e “sem ter um fôlego de gastos públicos, não se faz política industrial nenhuma”, completa. Muito menos se reverterá à situação desencadeada pela abertura do mercado brasileiro iniciada no governo Collor (1990-1992), responsável por enfraquecer a produção industrial interna.

Acompanhe a entrevista.

Quais foram os efeitos da política macroeconômica das últimas duas décadas para o Brasil?

A partir dos anos 1990, sobretudo após o Plano Real o modelo macroeconômico brasileiro passa a ter um novo sentido e dinâmica que chamamos de ‘o voo da galinha’. Essa fase vai até 2003. De 2003 até 2010, esse modelo macroeconômico muda um pouco, mas não deixa de ser o voo da galinha, que é o nome que damos para o desempenho econômico de um país a partir um modelo de abertura comercial com o câmbio extremamente valorizado e juros escorchantes [extorsivo] muito altos, barateamento de importações, ou seja, as importações crescem mais do que as exportações.

Tudo isso, somado às privatizações e às desnacionalizações de indústrias e empresas de setores estratégicos, vão engordar os déficits das contas de rendas e serviços, portanto, maiores remessas de lucros, maior remessas de juros, maior contratação de serviços internacionais, maior gastos de turistas brasileiros no exterior, de tal forma que o Brasil acumula déficits nas transações correntes muito pesados.

No período 1990-2003 os fluxos de entrada de capital internacional eram restritos, dada a situação internacional. Mas a política do Plano Real valorizou fortemente o Real e elevou demasiadamente os juros, barateando sobremodo as importações e as privatizações e desnacionalizações causariam maiores rombos nas contas externas de serviaços, gerando enormes  déficits em conta corrente que se acumulam demasiadamente. Por exemplo, entre 1995 e 2002, a gestão Fernando Henrique torrou 200 bilhões de dólares em déficits acumulados em transações correntes. Chega num ponto em que o desequilíbrio cambial explode,  porque a entrada de capital internacional foi pouca, e a crise do balanço de pagamento explode, como ocorreu em 1999.

Então você tem um movimento de crescimento e decrescimento – sobe e desce – conforme os apertos da balança de pagamento, conforme o financiamento internacional das nossas contas externas e, internamente, o gasto público está contido e, portanto, o investimento público caiu demasiadamente em relação ao que era, fora os efeitos das privatizações, quando o Estado transfere as decisões de empresas importantes do setor público para o setor privado (seja nacional ou internacional).

Por que é tão difícil para o governo alterar essa lógica?

Vamos separar em período. No primeiro (1990-2003), porque foi difícil? Foi difícil porque o investimento público foi para o chão, porque as finanças públicas ficaram desbaratadas com a crise da dívida, e depois a crise da dívida pública, que cresce sete vezes em termos reais, entre 1993 e 2002. E com isso você tem um personagem novo no orçamento público que se chama juros da dívida pública que são pesadíssimos. Nas duas gestões do governo Fernando Henrique eles oscilaram em cerca de 8% chegando a 9% do PIB. Ou seja, você liquidou com a capacidade de gastos do Estado. Como o investimento público foi ao chão, aquele incentivo do investimento público como indutor e estimulador do setor privado acaba. E as taxas de juros imensas inibem ainda mais o investimento privado. Ao mesmo tempo, o investimento privado estrangeiro se desloca para outros setores oportunistas (por exemplo, setor financeiro, serviços ou agrobusiness). A indústria vai cada vez mais sendo deslocada, nesse cenário. O investimento é débil, o crescimento é débil e as nossas vulnerabilidades e buracos no setor externo são enormes.

O que muda de 2003 para cá? O câmbio continua altamente valorizado, a taxa de juros continua escorchante, os juros da dívida pública continuam elevados no orçamento público e, portanto, o gasto público está contido assim como o investimento público, ou seja, o investimento privado continua também inibido  por força dessa circunstância.

O que há de novo aí (de 2003 até os dias de hoje) são duas coisas: primeiro é a expansão desmedida dos preços das commodities, que favoreceram e fizeram com que as exportações crescessem, até recentemente, mais do que as importações. Só que esse cenário já está mudando. Bom, por outro lado, o fluxo de entrada de capital internacional cresceu enormemente. Então você pode continuar fazendo a mesma farra de gastos externos que fazia antes. Se você verificar o que era o balanço de pagamentos nos anos 1990 até 2000, e verificar o que é o balanço de pagamentos hoje, irá perceber que a conta turismo cresceu ainda mais, que a conta juros cresceu ainda mais, assim como a conta de remessas de juros, e outros gastos internacionais. Só que estamos acumulando 300 bilhões de dólares em reservas. Mas essa mágica se dá graças à enorme entrada de capital internacional.

Que pode sair a qualquer momento…

Sim, o que está em carteira. Mas, de qualquer forma, [eu Estado] destaco o balanço de pagamento e evito o debacle das contas externas e continuo com a farra de gastos até quando puder, até que o capital internacional não saia correndo. Portanto não se vê uma perspectiva de uma crise de balanço de pagamento imediata e, por esse motivo , a economia brasileira conseguiu crescer a taxas médias, de 4% a 4,5%, entre o final de 2003 até 2010.

Isso não quer dizer que o país está vivendo um novo período. Minha hipótese é que há uma atipicidade nas questões de preços das commodities, e mesmo a demanda chinesa também é em partes uma atipicidade, por duas razões: primeiro a China está abrindo frentes de fornecimento de matérias primas (grãos, minérios e petróleo) na África, na América Latina e outras partes do mundo. Obviamente ela está fazendo isso pretendendo diversificar suas fontes de fornecimento e tentar debelar os preços extorsivos. Segundo motivo, porque os preços das commodities em grande parte se devem também ao movimento especulativo financeiro internacional – operações com derivativos sobre preços de commodities, que cresceram desmedidamente a partir do início dos anos 2000, portanto jogam o chamado preço futuro para frente. Então esses dois equilíbrios: efeito da demanda da China e Ásia, e esse efeito decorrente da especulação no mercado financeiro, não no de commodities, mas no de derivativos, aumentaram de preços dos alimentos e minérios. O fato é que isso não pode persistir por muito mais tempo, por causa da crise financeira internacional, logo não podemos pensar que isso deva durar muitos anos.

Qual é o problema do Brasil continuar apostando em commodities? Elas não carregam em si inovação também? Sabemos que a pecuária e agricultura respondem por 26% da nossa pauta de exportação.

Isso é uma questão importante. Não há dúvida nenhuma que temos ciência e tecnologia colocada na galinha, na soja, no boi, não se ignora isso. Porém o efeito de disseminação do progresso técnico é muito mais restringido no caso da agricultura, na pecuária, e mais ainda na mineração, do que no setor industrial. E isso decorre dos efeitos de encadeamento e da forma de assimilação do progresso técnico no setor agrícola. Por exemplo, se dá num segmento da química, mas que é feito lá fora; você tem defensivos agrícolas, fertilizantes mais modernos, mais eficientes, mais produtivos, tem também sementes mais eficientes, criaturas reprodutoras mais eficientes, mas isso está muito mais ligado à agricultura e pecuária do que ao setor econômico em si, e altamente dependente de oligopólios internacionais. Os efeitos são setorialmente mais contidos do que no setor industrial que permeia tudo, não apenas os demais segmentos, e a própria agricultura na retaguarda, mas também determinados compartimentos do setor de serviços: ele exige melhor educação, melhores serviços de engenharia,  urbanos, melhor treinamento e capacitação da sua força de trabalho. Essa agricultura, pelo contrário, desemprega, porque é mecanizada – pode induzir progresso no setor de máquinas agrícolas, mas não no restante da indústria.

A mineração é muito pior, os efeitos de encadeação para trás são mínimos, porque é um buraco na terra, e pra frente só existe se você montar uma metalúrgica importante. Sem montar nada tudo é exportando e, portanto, não há nenhum efeito alem da criação de divisas de exportação. Petróleo é um exemplo maior disso quando não se tem uma petroquímica.

O país já teve o oitavo parque industrial do mundo capitalista (até 1980). O que aconteceu?

Até a década de 1970, por exemplo, a Coréia do Sul estava bem abaixo de nós. O que aconteceu foi que tivemos a década de 1980 que foi um desastre, depois você teve os anos de hiper inflação e crise, que foi os anos do Collor e saída dele. E depois teve a política a partir do Plano Real, que é os juros escorchantes e câmbio valorizado, dívida pública e baixo investimento. Não há segredo nenhum. Então como você abriu a economia (a partir do governo Collor) e liquidou com o grau de protecionismo que tínhamos, não só afetamos indústrias simples e complexas que tínhamos  consolidadas, como abandonamos os campos da indústria que estávamos ensaiando uma entrada mais incisiva (fármacos, química fina, aprofundamento na petroquímica, informática e microeletrônica). Essas coisas foram praticamente abandonadas.

Sente que nos últimos anos o governo possa ter mudado nesse sentido, aumentando linhas de financiamento para empresas de tecnologia, por exemplo?

Não temos até hoje fábricas de chips , a despeito, inclusive, do que o Lula afirmou quando da  negociação do sistema da TV Digital com o Japão, que  envolvia necessariamente compromissos japoneses de montar uma fábrica e até agora, nada. Foi verdade naquele momento, depois esquecido. Não temos esses componentes, eles são feitos lá fora. E gastamos uma fortuna em bilhões de dólares importando chips.

Não é que você não tenha política industrial, temos políticas industriais, que são até razoavelmente bem construídas, mas elas não adiantam frente à política macroeconômica que continua a existir. O empresário quer ter o menor grau possível de incerteza, mas com esses juros e com esse câmbio não há certeza nenhuma.

Veja o que a China fez com o México. Este país montou suas indústrias maquiladoras, com o que ampliou fortemente suas exportações (mas também suas importações) notadamente para os EUA, transformando-se praticamente numa máquina agregada à economia norte-americana, dado que 85% das vendas externas deles é com os Estados Unidos. A China deslocou exportações tradicionais e modernas que o México fazia para os Estados Unidos. E deslocou inclusive exportações indústrias brasileiras para os Estados Unidos. Mas ela não faz isso  apenas pelo uso de trabalho barato. É claro que ela tem trabalho barato, mas além disso, tem indústria de ponta de alta tecnologia onde o peso do trabalho é muito menor do que nas demais. Ela tem tecnologia, eficiência, produtividade. A pauta exportadora da China hoje para países subdesenvolvidos é uma pauta de país desenvolvido, industrializado.

O que você está dizendo o tempo todo é que não adianta o Brasil montar uma boa política industrial, sem amarrar isso às questões macroeconômicas.

Sem dúvida nenhuma. Se não houver uma alteração na política macroeconômica, não adianta. É como enxugar gelo, é como dizer ‘vamos diminuir o peso da dívida pública no PIB’. Se você olhar os dados do Banco Central irá verificar que tem uma curva levemente descendente e ela cai [o peso da dívida pública no PIB], mais ou menos, de 50% para 40%, por aí. Mas isso se deve, entre 2004 a 2010, mais  ao crescimento maior do PIB e à valorização cambial do que propriamente ao esforço fiscal.

Pelo contrário, o Banco Central, vira e mexe, joga a Selic [taxa básica de juros] lá para cima. Estamos atravessando os dois mandatos do governo Lula com o percentual de juros em relação ao PIB em torno de 6% ou 6,5%. É menor do que nos anos do Fernando Henrique, em que a média foi de 8%, que bom que diminuímos a sangria relativa, mas ela continua pesadíssima mais até do que a folha de pagamento do servidor público.

Mas e a questão do aquecimento do mercado interno graças ao aumento real do salário mínimo, redistribuição de renda?

Essa restauração parcial do salário mínimo, feita a partir do governo Lula, foi extremamente significativa não apenas para o aumento do consumo, mas a melhoria real do bem estar da população de baixa renda. Isso, e mais os efeitos da Constituição de 1988, notadamente a questão da aposentadoria rural, foi importantíssima, tanto é que diminuiu os fluxos de migrantes nordestinos para São Paulo.

Junto a isso houve aumento de gastos realizados com PAC Saneamento, o Minha Casa Minha Vida, que incentivou a construção civil. Tudo isso não foi importante?

Sim, tudo isso foi muito importante para tentar sair da crise [financeira mundial] ou evitar que a crise fosse mais grave do que foi em 2009, sem dúvida nenhuma. Mas o que mudaram na questão habitacional? Elevaram o piso de subsídios para imóveis de 140 mil reais para 170 mil reais. Fizeram isso porque estão com uma concepção de mercado, não há construtoras para fabricar casas de 60 ou 70 mil reais nem compradores com capacidade para assumir essa dívida. Então você faz o mesmo que o Médici [Emílio Garrastazu Médici, presidente militar de 1969 até 1974] quando elevou também o piso de financiamento e deslocou toda a gama de financiamento do BNH para a classe média. Assim você não mexe na questão fundamental e importantíssima que é o déficit habitacional – cerca de 85% dele está concentrado na população de baixa renda, com menos de três salários mínimos.

A lógica de, simplesmente, aumentar a possibilidade da população gastar  não é suficiente para impedir o processo de desindustrialização real do país?

Não é, porque o pessoal gasta mais importando, na verdade. O déficit comercial do setor industrial ainda é enorme. Só em eletrônica é de quase 20 bilhões de dólares. Em automóveis, o setor que mais recebe dinheiro desse governo, o déficit é colossal, entraram em crise porque o Brasil exportava 900 mil veículos, em 2008, e quando vem a crise reduzem a exportação em 500 mil veículos, mas produzem 300 e poucos mil a mais com o que a oferta interna aumentos em cerca de  800 mil. Então não há como segurar isso salvo uma generosa política de incentivos e uma permissividade de  vender automóveis em 84 pagamentos.

Que condições o governo deveria, então, ter imposto para esse setor poderia ter ajudado? Sabemos que a indústria automobilística vem reduzindo a produção de insumos no país.

Sem você controlar câmbio, sem controlar tarifa, sem controlar entrada e saída de capital internacional, e sem ter um fôlego de gastos públicos, não se faz política industrial nenhuma. O Estado consegue fazer política agrícola porque a agricultura foi possível pelos preços mais baixos de terras, um assalto à natureza pelo desmatamento, com recursos baratíssimos. O Estado veio e gerou a infra-estrutura de graça e a velha Mãe – o Banco do Brasil – concedeu empréstimos que, sabemos, em grande parte nunca foram pagos. É histórico o calote da agricultura brasileira.

O governo afirma que os investimentos no país deveriam passar de 19% para 26% do PIB. Quais são as áreas que devem receber mais investimentos, do seu ponto de vista?

Em primeiro lugar o governo tem que explicar o que vai fazer com os 6% dos juros da dívida pública. Veja que, curiosamente, é quase essa a diferença que ele precisa aumentar nos investimentos. O governo não tem dinheiro para fazer isso.

E como seria possível ao governo aumentar recursos para atingir esse patamar? Tem alguma sugestão por onde devemos começar?

Tem que mexer na dívida pública, baixar consideravelmente a taxa de juros, reformular o estoque de divida pública. Obviamente, os banqueiros vão dizer não para o Estado – esse é um problema político de grau maior hoje na sociedade brasileira. Ele [Estado] tem que controlar a entrada de capital internacional. E aí os Estados Unidos e o Fundo Monetário irão dizer, também, que não pode. É a camisa de força macroeconômica como disse a você. Não adianta a gente se iludir.

Então tudo isso se resume, como você mesmo disse, ao medo que o Estado tem de fazer essas reformas e ver aqueles recursos saírem da noite para o dia…

Mas ele [governo] já deveria ter acordado antes. Que faça um acordo com esses investimentos para fixar uma permanência mínima. Pode fazer políticas diferenciadas de investimentos no mercado de capitais. Pode fazer políticas diferenciadas e investimentos com a dívida pública. Não sou tão utopista afirmando que tudo isso pode dar certo, mas o governo deveria trilhar um caminho para esse processo. E nesse sentido não faz nenhum esforço.

O que diferencia fundamentalmente esses anos de governos progressistas, de 2003 para cá? Eles tiveram muito mais coragem em termos de políticas sociais – com Bolsa Família expandido o salário mínimo real, e agora o anúncio desse plano contra miséria. Tiveram coragem e efetividade em termos de políticas sociais e melhoraram as relações internacionais do país – foram mais progressistas em prol do interesse nacional. Mas no plano macroeconômico, que é a questão crucial, fizeram muito pouco.

Com relação aos problemas de desigualdade regional que temos, em uma entrevista que concedeu em 2009 disse: “Temos de regionalizar as decisões nacionais com sabedoria e responsabilidade, e não da forma como é feita agora: abre-se a fronteira de produção e subsidia-se a infraestrutura com gasto público, além do estímulo real ao desmatamento”. De que forma o governo deveria fazer então?

Você transferiu o centro da decisão nacional para grupos de empresários nacionais e internacionais regionalizados. Eles que fazem agora o destino dessas regiões, na fronteira agrícola e mineral. O governo permitiu inclusive que a Vale do Rio Doce vendesse para um truste norueguês suas jazidas e plantas metalúrgicas de alumínio.

Essas regiões estão crescendo economicamente até mais do que a média nacional, o problema é que se você não faz uma política inteligente de redistribuição de renda e de ativos e de empregos, não resolve o problema da falta de desenvolvimento consistente. Não é só o problema regional. Miséria não tem só no Piauí, a cidade com maior número de miseráveis e pobres no Brasil chama-se São Paulo, o grosso do déficit habitacional e saneamento do país está em São Paulo e Rio de Janeiro.

A partir dessa conversa é possível delinear um pacto que o governo deveria fazer com os ministérios para solucionar essa questão da desindustrialização e favorecer um crescimento consistente do país?

Acho que não há nem interesse político para isso, no seio do governo. Ou, então, ele se encontra tão atarantado e achando que “a vida é isso mesmo…” Em recente pronunciamento, em São Paulo, na FIESP, o ministro do Desenvolvimento Econômico e Industrial, [Fernando Pimentel] disse que o câmbio era isso mesmo e não tinha o que fazer. Se o ministro que tem que cuidar desse assunto da desindustrialização é um conformista e diz isso publicamente diante dos empresários de São Paulo, o que eu posso dizer?

Mas, basicamente o que temos que fazer não é uma aliança?

Você tem que fazer uma reconstrução da política nacional. Um dos piores males do golpe de 1964 foi esse, destruir as bases da política nacional. A corrosão da política foi dilacerante para o desenvolvimento do país. Política e educação foram duas áreas que foram destroçadas pelo golpe de 1964 e temos que reconstruir isso. E não é fácil, pode levar mais de uma geração. O resultado é que estamos há 31 anos em crise! Destruiu-se uma geração inteira.

O Brasil é apontado entre os BRICS, países em desenvolvimento que crescem positivamente…

A Índia é um BRIC, mas eu jamais gostaria de viver lá, embora ela tenha atitudes mais coerentes na sua política macroeconômica.

Tendo a conversa que tivemos, e vendo um governo como você disse que não concorda entre si, que linha o Estado deve seguir para realizar uma política macroeconômica e impedir a desindustrialização? Como o senhor vê o Brasil daqui a dez anos?

A menos que a gente se defronte com uma crise severa, e isso ocorrerá certamente em algum momento, vamos ficar numa situação pior e mais deteriorada para o setor industrial. Não vamos nos iludir, porque o consumo sobe, mas nenhum país do mundo cresce por muito tempo sem investimento. É o investimento que amplia a capacidade produtiva, não o consumo. O consumo pode estimular investimentos, mas não é ele que faz crescer o PIB. Tem que ficar claro que é o investimento. Essa é uma questão muito relevante. Outro ponto que tocou, sobre o aumento da classe média e sua renda, veja a que ponto chega o conhecimento das pessoas: nós economistas aceitamos pacificamente a rotulações de classe média, para as pessoas que ganham mais de 70 reais e dez centavos – são os que deixaram de ser pobres pelo Bolsa Família. E ricos passaram a ser aqueles os que ganham mais de mil reais e um centavo. Então estamos criando distorções com as palavras propícias para manter essa ideologia errada. Enquanto isso, a indústria de transformação passou de um superávit para um déficit de US$ 65 bilhões, acumulados, hoje.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador