Cesar Locatelli
César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.
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Nova governança do Sul Global, novos indicadores, por César Locatelli

Presidente do IBGE defende a criação de novos indicadores para consolidar governança mundial partir do Sul Global

Nova governança do Sul Global, novos indicadores

por César Locatelli

A base, sobre a qual se assenta a estrutura econômico-social ocidental e que apresenta sinais de declínio, tem como eixos a guerra, a separação entre homem e natureza e a difusão, pela indústria cultural, de padrões do que fazer e como fazer, declarou Márcio Pochmann, presidente do IBGE, em sua exposição para o Fórum de Governança dos BRICS.

O modo de vida predominante produz um consumismo insustentável tanto pela exaustão do planeta quanto pela iniquidade entre nações e povos. Tal modo de vida, continua o presidente do IBGE, é amplamente difundido pela mídia homogeneizada, que “funciona como legitimadora e perpetuadora dos interesses dominantes que se reproduzem social, econômica e politicamente no mundo.

O caminho para uma nova governança multilateral do Sul Global passa pela formulação de novos indicadores que reflitam os valores consagrados e perseguidos por esse bloco de países, como equidade e justiça social.

A defesa do mundo coletivo necessita de grande esforço de gestão da comunicação e da informação apoiada em dados. Esta pode ser a contribuição do IBGE na reflexão e geração de indicadores dos BRICS nesse processo, complementa Pochmann.

Veja a íntegra da exposição compartilhada por Pochmann em seu Twitter.

* * *

Papel dos BRICS na nova governança do Sul Global

Márcio Pochmann *

Após ter predominado por cerca de três séculos no mundo, o projeto de modernidade ocidental constituído a partir do Norte Global registra sinais crescentes de declínio. Em contrapartida, o protagonismo do Sul Global começou a se fortalecer.

Como o deslocamento relativo do centro dinâmico do mundo do Ocidente para o Oriente, o papel dos BRICS passou a ser referência na condução do multilateralismo associado às novas bases de sustentabilidade de uma modernidade consagrada pela equidade e justiça. Diferentemente dos propósitos de ensaio geral do Sul Global produzido na Indonésia pela Conferência de Bandung, movida em reação ao contexto internacional dominante na década de 1950, o momento presente pressupõe estratégia organizativa e construtiva que avance sobre o segundo quarto do século XXI.

Para tanto, [há] a necessidade de conhecer a base pela qual o projeto de modernidade ocidental erigiu a hierarquia entre países e povos que fundamenta  parte significativa das desigualdades e injustiças do  mundo. Os seus três principais eixos estruturantes são tratados a seguir.

O primeiro decorre da guerra moderna fomentada desde a difusão das armas de fogo, o que somente se tornou possível com o início da conversão da pólvora, inventada na China para uso ornamental e comemorativo, em projétil de uso militar. Sem isso, dificilmente o continente americano teria sido conquistado pelos impérios europeus que desde o final do século XVI constituíram o sistema colonial de extração de riqueza próprio do processo de acumulação primitiva que fundamentou a Revolução Industrial inglesa mais de dois séculos depois.

A sofisticação da guerra impulsionou a corrida armamentista a tal ponto da invenção da bombas nuclear e de hidrogênio capazes de destruir a própria humanidade. Nesse mesmo sentido, a importância da montagem do complexo industrial militar que se tornou parte integrante do sistema produtivo e, em grande medida, fonte de parte importante das inovações tecnológicas e do impulsionamento econômico do mundo.

O segundo eixo estruturante da hierarquia entre países e povos no interior do projeto de modernidade Ocidental decorre da separação dos seres humanos da natureza que terminou sendo transformada em recurso natural de uso ilimitado. A propagação do modo de vida assentada no consumismo emoldurado pelo progresso material insustentável ambientalmente gerou um mundo desigual.

Como não há condições objetivas de universalização do american way of life para toda a população da Terra face à escassez de recursos naturais, a desigualdade no padrão de vida é inegável, gravíssima e continuada no tempo. Ao mesmo tempo, o encaminhamento das propostas de origem Ocidental, orientadas ao desenvolvimento sustentável tem se mostrado incapaz de reverter a crise ambiental, consagrando o novo regime climático denominado por Antropoceno comprometedor da vida humana no planeta Terra.

Por fim e não menos importante, o terceiro eixo da hierarquia entre países e povos no interior do projeto de modernidade Ocidental refere-se à relação da indústria cultural com o processo de alienação e difusão da consciência ingênua. Isso porque a indústria cultural determina, em geral, o que fazer e como fazer através da mídia globalizada, de propagandas, séries, filmes, novelas cujos conteúdos e objetivos induzem comportamentos alienante, retirando espaço para a elaboração de uma consciência crítica.

Assim, o sentido universalizante do estilo de vida Ocidental do Norte Global propaga a sua superioridade e generaliza comportamentos  exógenos e massivos aos países e povos centrados na perspectiva do lucro e do consumismo exacerbado. Em grande medida, a indústria cultural se destaca por fabricar ilusões padronizadas a partir da extração do manancial cultural e artístico com a finalidade de serem mercantilizadas. Funciona como legitimadora e perpetuadora dos interesses dominantes que se reproduzem social, econômica e politicamente no mundo.

Diante disso, e a começar pelos BRICS, a nova governança do Sul Global passaria pela construção de novos indicadores de desenvolvimento que possam refletir parametrizados o sentido de equidade e justiça social almejado pelo multilateralismo. O esforço de olhar a história e trazer  para os dias de hoje as linhas gerais de como pode ser iniciado esse processo de preparação de novas bases e a circulação da informações sobre os países dos BRICS, do Sul Global e do mundo, uma vez que a defesa do mundo coletivo envolve ter parâmetros de dados e governança das informações e comunicações que expressem a credibilidade e a realidade do mundo novo a serem consolidadas a partir do Sul Global.

Nesse sentido,  o Brasil, por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, pode contribuir na reflexão e geração de indicadores dos BRICS para servir de base ao inédito multilateralismo, à modernização do mundo a partir do Sul Global.

* Márcio Pochmann é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo, ex-presidente do Instituto Lula (Ilula) e presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge).

Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

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