Lawfare: táticas de guerra utilizadas pelo INSS e o silêncio das instituições, por Gabriel O. Almeida

As ADIs eram, até então, defuntos jurídicos esquecidos pelo STF e que, desde 2001, não tinham qualquer tipo de movimentação processual.

Rafa Neddermeyer – Agência Brasil

do ConJur

Lawfare: táticas de guerra utilizadas pelo INSS e conveniente silêncio das instituições

por Gabriel Oliveira Almeida

No último dia 23 de março, toda a sociedade acompanhou, boquiaberta, o Supremo Tribunal Federal julgar as ADIs 2.110/2.111, reconhecendo como legitimas as manobras jurídicas desleais do INSS, utilizadas de forma inconsequente para barrar o direito dos aposentados a obterem o devido reajuste em seus benefícios previdenciários. Direito esse que, até então, tinha sido reconhecido pela Corte superior em inúmeras oportunidades.

Esse julgamento marcou a história da previdência social brasileira como um dos episódios mais lamentáveis de sua existência e manchou a história da Corte Constitucional, que tem, cada vez mais, se curvado aos interesses difusos que rodeiam temas relevantes eventualmente julgados em seu Plenário.

As ações diretas de inconstitucionalide eram, até então, defuntos jurídicos esquecidos pelo STF e que, desde 2001, não tinham qualquer tipo de movimentação processual.

Vale explicitar, de forma resumida, que as ADIs não traziam em seu pedido original qualquer tipo de conexão com o Tema 1.102 STF (“revisão da vida toda”), que foi criada pelo próprio Supremo, em sede de controle difuso de constitucionalidade. E sequer foi dada a oportunidade para as partes afetadas pela decisão se manifestarem durante o julgamento.

Não é de hoje que a corte constitucional tem suprimido advogados a exercerem o contraditório e cerceando a ampla defesa, principalmente nas ações que podem causar a exigência de algum tipo de reparação da União.

É evidente que tudo isso foi cuidadosamente arquitetado pela AGU, que utilizou a grande mídia como uma metralhadora de fake news e, assim, ganhou o apadrinhamento de alguns ministros que defendem incansavelmente a imputabilidade do INSS.

Essa estratégia processual tem nome: lawfare, que surge da mistura da palavra law (lei) e warfare (guerra), e se resume no uso ou manipulação da lei como instrumento de combate a um oponente, desrespeitando os procedimentos legais e os direitos individuais de quem se pretende eliminar. Inclusive, essa estratégia foi muito utilizada na 2ª Guerra Mundial, durante o regime nazista, para legitimar a repugnante pulverização  dos direitos de toda uma população.

Ou seja, a lawfare é uma arma de guerra, que emprega manobras jurídico-legais de maneira desleal e configura uma guerra jurídica que tem por finalidade causar dano irreversível a um adversário, principalmente nos adversários que não tem a mesma força política de quem utiliza essa arma. Isso torna o combate desproporcional e injusto.

Na guerra, se escolhe, cuidadosamente, o local onde o combate acontecerá, o armamento mais adequado para aniquilar o inimigo e o controle eficiente das externalidades.

Trazendo isso para o contexto jurídico, temos a escolha cuidadosa da AGU em trazer essa guerra para a arena do plenário no STF, que nem sequer deveria ter afetado o tema, tendo em vista que se trata de matéria infraconstitucional.

Além disso, se escolheu cuidadosamente a arma que poderia aniquilar o direito dos aposentados, as ADIs 2.110/2.111, que tinham por objetivo julgar novamente o tema 1102 e se aproveitar da nova composição do plenário.

Por último, as externalidades foram controladas com o auxílio irresponsável da grande mídia, que trouxe na primeira página de seus jornais, em diversas oportunidades, o mirabolante impacto econômico da “revisão da vida toda” — números que nunca foram nem juntados nos autos do Tema 1.102.

As fake news têm papel importantíssimo dentro da estratégia lawfare, conforme explica o ilustre professor João Batista Damasceno:

A imprensa e a opinião pública formada a partir do seu noticiário tem grande influência sobre os julgadores, que, inconscientemente, são levados a formar seus juízos pelo que a mídia lhes informa. Não raro, durante julgamentos em órgãos colegiados, é possível ouvir discursos sobre eventuais concepções e fatos não constantes nos autos, que se tornam fundamentos nas razões de decidir. Julgadores deveriam expressar juízos e não opiniões. Mas, não raro, emitem opiniões durante julgamentos, e autorrefentes, tratam o que expressam como fato notório.

Fato é que a “revisão da vida toda” deixou de ser um embate jurídico em 2022, quando o mérito foi decidido no plenário e o direito dos aposentados foi reconhecido pelo STF.

Desde então, o embate jurídico cedeu seu lugar ao embate político e, evidentemente, o aposentado foi eleito o adversário político a ser derrotado, ora responsabilizado por todo o descontrole das contas públicas e pelas desigualdades que assolam o país. Afinal, como sugeriu o ministro Barroso durante a sessão que julgou as ADIs, as aposentadorias causam desequilíbrio nas contas da Previdência Social.

Diante de toda a estratégia desleal do INSS e a pulverização de direitos sociais pelo STF, o conveniente silêncio do Conselho Federal da OAB e dos órgãos representativos dos aposentados tem chamado a atenção.

Não podemos esquecer que o enfrentamento da insegurança jurídica e das injustiças institucionais cometidas a torto e a direito por tribunais superiores é uma das obrigações do CFOAB.

Hoje, quem sangra na arena do plenário no STF são os aposentados, mas a violação de normas processuais e de julgados pacificados cria precedentes malignos que podem prejudicar a advocacia como um todo, seja ela previdenciária, trabalhista, tributarista, cível, criminal ou qualquer outra.

Infelizmente, são poucos os advogados que de fato compraram essa luta e que continuam defendendo ferrenhamente os aposentados. Esse fato é reflexo de uma classe desunida, que prefere, em sua maioria, abaixar a cabeça e reconhecer a afrontosa derrota sofrida.

Talvez, tenham se esquecido que o advogado é indispensável na administração da justiça, que é um peça fundamental na luta pelo cumprimento da lei e que a verdadeira advocacia é exercida nas trincheiras do Judiciário.

Por fim, resta inequívoco que episódios semelhantes ao do dia 23 de março continuarão a acontecer. Temos uma Corte Constitucional que decide politicamente e sem qualquer tipo de limitação em seus poderes.

Também temos  uma classe de advogados que, em sua grande parte, prefere o conveniente silêncio ao exercício combativo da advocacia. Contudo, por vezes na história, foi necessário que alguns estivessem dispostos a lutar, para que os direitos sociais de todos fossem respeitados.

Portanto, mais uma vez, seguiremos lutando e sem arredar os pés.

Gabriel Oliveira Almeida é advogado e sócio do escritório Marcos André Advocacia Previdenciária.

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Redação

1 Comentário

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  1. Excelente artigo. O STF achar que os aposentados são palhaços. SO fazem isso porque nao vao se aposentar pelo INSS queria ver o Gilmar Mendes ou o Fox precisar das contribuições antigas dele pra calcular aposentadoria se ele ia voltar contrario.

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