Pesquisa de avaliação: resíduos reais de realidades imaginárias, por Túlio Muniz

A insatisfação é tamanha que Lula arrisca enfrentar algo que não aconteceu em seus governos: é imininete uma greve das universidades.

Pesquisa de avaliação: resíduos reais de realidades imaginárias

por Túlio Muniz

A mais recente pesquisa Genial/Qauest é plena de recados ao Goveno Lula, que registrou ligeira queda na aprovação, embora ainda conte com maioria (51% consideram o governo ótimo/bom). Um grande feito, aliás, a se considerar a sabotagem do BC, os rompantes massivos de Bolsonaro e dos seus, a sanha da mídia hereditária contra posicionamentos corretos da diplomacia e da Economia, e outros.

É significativa a desaprovação da parcela evangélica da população, e da percepção lenta das melhorias na Economia (conforme analisou o GGN em https://jornalggn.com.br/politica/quaest-aprovacao-de-lula-cai-mas-ainda-e-maioria/), mas convém o Governo atentar para outros aspectos objetivos e subjetivos, e ligar o sinal de alerta.

A alta do PIB em 2023 (2,9%), a volta do Brasil ao ranking das 10 maiores economias globais, o lucro exepcional do agronegócio só lentamente alteram o mundo real da maioria da população de baixa e média renda, que, mesmo beneficiada pelo Desenrola, segue sem grande perspectivas de incremento no consumo, seja de bens imóveis, automóveis, eletro eletrônicos – cujos preços se mantém praticamente inalterados em relação há um ano -, seja de alimentos, que registram alta ou ao menos interrupção na queda de preços. E o caso, por exemplo, dos produtos da cesta básica, particularmente hortifrutis.

São parcelas da população que não relacionam essas estagnações à tímida queda da SELIC, que impede investimentos industriais e queda nos preços e financiamentos a longo prazo. Erroneamente, o governo parou de cobrar severamente a redução mais célere da SELIC pela cúpula do Banco Central, e paga o preço com popularidade em baixa.

Entretanto há outros fatores que denotam um distanciamento da plutocracia governamental de esquerda, que hoje está um tanto descolada do ‘chão de fábrica’ que a originou e sustentou outrora. Alguns exemplos estão no tratamento seletivo ao serviço público, beneficiando categorias com reajustes salariais diferenciados (e algumas muito identificadas com o bolsonarismo, como as Polícias Federal, Rodóviária e Penitenciária). De outra parte, o governo negligencia, no trato que beira a humilhação, com categorias expressivas que tradicionalmente apoiam o PT e as esquerdas, como o que se tem dispensado a docentes e técnicos administrativos das Universidades e Institutos federais (pra não esquecer dos cortes na manutenção dessas instituições).

A insatisfação é tamanha que Lula arrisca enfrentar algo que não aconteceu em seus dois primeiros mandatos: é imininete uma greve das universidades. Seria uma fragilização desnecessária e evitável na sua relação com Academia, donde são oriundos vários de seus ministros e ministras que de certo sabem da deterioração salarial e da condição física precária dos campi, trincheiras dilaceradas no combate ao Golpe do Impeachment de Dilma e aos governos Temer e Bolsonaro. Será um embate desnecessário e paradoxal entre o ensino superior e o presidente que mais fez por ele, e que foi o mais laureado com títulos de Doutor Honoris Causa Brasil e mundo afora.

Por fim há também o distanciamento para com o ‘povão’, dando azo às provocações de Bolsonaro (‘eu me jogo no meio do povo, Lula não’). Muito desse quesito vem das cessões ao Centrão. Sugiro que o presidente da Caixa vá pessoalmente a uma agência qualquer em dia de pico do mês e espere de pé e ao sol na calçada, duas, três horas na fila para retirar senha, e aguarde outras tantas horas para atendimento no interior da agência, e muitas vezes para resolver questões que bem poderiam ser solucionadas por aplicativo – atualizar dados, abrir conta salário, etc.

E se o Governo acerta em atentar para demandas de categorias recentes (como fez com os motoristas e entregadores de aplicativos), várias outras categorias de trabalhadores que têm direito a auxílio têm penado com atraso no recebimento, enquanto ficam impedidas de trabalharem, ainda que seja dentro de seu próprio setor. É o que ocorre com pescadores artesanais de lagosta, camarão, caranguejo etc, que no período de reprodução dessas espécies têm direito ao auxílio – que está atrasado, no caso dos lagosteiros já lá se vão dois meses – e são proibidos de pescar peixe, o que acarreta prejuízos imensos e é um detalhe burocrático que devia ter sido resolvido administrativamente há tempo, o que é de conhecimento de parlamentares ligados à pesca e ao Governo, e do próprio Ministério da área.

Galvanizando tudo, há uma certa ineficácia da Comunicação Social em traduzir celeremente posicionamentos corretos e dignos de Lula acerca da melhoria de todas as políticas sociais (Educação, Saúde, salário mínimo), do Genocídio em Gaza, da expansão do BRICS, de manter-se neutro em relação à Guerra Rússia-Ucrânia, de combater o bolsonarismo (não basta o STF fazê-lo), abrindo guarda para que a mídia hereditária (que sempre será oposta a Lula) ressoe destrambelhices como ‘terroristas do Hezbollah no Brasil’, ‘Israel tem o direito de se defender ainda que pratique Genocídio,’ e outras diatribes, como os ‘precatórios do Ciro Gomes’. À falta de resposta imediata e à altura, são notícias com efeito ‘chiclete’, colam de imediato na mente do grande público e mesmo que seja removida, deixa resíduo…

É um acúmulo considerável de fragilidades às vésperas das eleições municipais, que, como de praxe, mensuram o desempenho real do governo, para além das pesquisas de avaliação.

Túlio Muniz é professor da Universidade Federal do Ceará (FACED-UFC), historiador (graduação e mestrado pela UFC), Dr. na área de Sociologia (Un. de Coimbra), Jornalista Profissional e filiado ao Partido dos Trabalhadores.

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Redação

4 Comentários

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  1. Do Autor: o aqui afirmado é em relação ao formato de greve ampla, à qual aderem todas ou a imensa maioria das Universidades, como as que ocorreram nos Governos Dilma (2012 e 2015). Um greve assim é iminente, pois ambos os sindicatos docentes (PROIFES e ANDES) têm recebido do Governo tratamento inadequado (pra dizer o mínimo), e será algo novo para Lula lidar. Será diferente de 2005, quando houve uma greve que dividiu o movimento sindical e com adesão parcial das Universidades.

    1. Não. A adesão à greve em 2005 foi ampla. Poucas IFES não paralisaram. De fato, ao contrário do dito pelo autor, somente nas greves de 2001 e 2012 todas as IFES paralisaram suas atividades em algum momento. Mesmo na ditadura isso não ocorreu, por razões óbvias ligadas, principalmente, ao medo da repressão, mas também ao peleguismo e colaboracionismo com o governo vigente. A ditadura tentou dividir o movimento docente, mas não conseguiu; o tucanismo fez o mesmo, já com a ajuda da direita petista (Marcelo Sereno, então secretário da CUT, fez esse trabalho), em 1998, mas a esquerda docente se manteve fiel à luta dos trabalhadores; o petismo conseguiu em 2005 e aprofundou esse processo nos anos posteriores, fragmentando a fragmentação! Resumindo a prosa: se hoje temos um dos mais baixos salários iniciais das categorias do Serviço Público Federal (SPF), se hoje não temos autonomia financeira e jurídica das universidades federais (ao contrário das paulistas, por exemplo), se hoje temos um dos menores (ou o menor) teto salarial dos trabalhadores do SPF, boa parte dessa culpa pode e deve ser posta no peleguismo denominado PROIFES e seus satélites, criado e cultivado pelo petismo. Mas, é claro, trata-se de uma escolha política do lulismo, que, como qualquer grupo político no poder, sempre encontra aqueles que se propõem a fazer o trabalho sujo, seja na forma de Sérgio Paranhos Fleury, seja na forma de Joaquim dos Santos Andrade e outros pelegos.

  2. Em tempo: aqui refiro à greves amplas, envolvendo imensa maioria de docentes das universidades federais, como a que se anuncia e como Lula nunca enfrentou, e não a greves parciais, como foi a de 2005, que parou cerca da metade das universidades porque o movimento sindical rachou à epoca.

  3. Os docentes das instituições federais de ensino fizeram greves em 2003, 2004 e 2005. A greve de 2003 foi contra a contrareforma da previdência imposta pelo Governo Lula, que extinguiu a integralidade e a paridade nas aposentadorias e criou os fundos de pensão. Foi a maior traição sofrida pela categoria em sua História. A greve de 2004 foi contra o reajuste de 1% imposto pelo Governo Lula. A greve de 2005 novamente foi por reajustes salariais. Dela surgiu a segunda maior traição que a categoria sofreu: sua divisão de representação, com a criação, a partir do gabinete de Tarso Genro, do grupo PROIFES, representação pelega, apoiada pela CUT. O governo Lula antecipou a reforma sindical, quebrando a unicidade da representação da categoria ao dar carta sindical a este grupo, como também a outros ligados aos interesses cutistas, como as associações docentes da UFSCAR, UFSC, UFRGS e UFMG. Até esse momento (outubro de 2005), a representação dos docentes das IFES era unificada no ANDES-SN. Os salários dos docentes continuaram sua queda de valor real e os recursos que poderiam ser usados para possibilitar alguma melhoria salarial foram usados para realizar a expansão da rede federal de ensino, com a criação de novas universidades e de dezenas de IFs. Por outro lado, a divisão da categoria travou sua mobilização no segundo governo Lula e facilitou o caminho da expansão. Isso foi até 2012 (já no governo Dilma e após a saída de Haddad do MEC), quando explodiu a maior greve da categoria em sua História. Em suma: a relação dos docentes das IFES com o lulismo é péssima, pelo absoluto desrespeito político e profissional que essa linha política tem da categoria. Óbvio que, como tudo nesse país, o deslocamento do petismo/lulismo para direita e o consequente deslocamento da antiga direita liberal para a extrema direita cria uma situação TINA (there is no alternative). O que resta frente a isso é a luta política, insana e suicida, contra um governo e uma linha política para a qual não há alternativa viável eleitoralmente.

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