Tempo Veritas, Extrema Direita X Esquerda Conservadora Progressista, democracia e crise, por Victor Barau

A expectativa é que os golpistas sejam condenados à prisão, estabilizando o regime democrático brasileiro recentemente ameaçado.

Tempo Veritas, Extrema Direita X Esquerda Conservadora Progressista, democracia e crise

por Victor Barau

Os últimos meses foram marcados por uma grande expectativa no entorno do inquérito da tentativa de golpe do 08 de janeiro, especialmente após a divulgação a público do conjunto de documentos e vídeos em que o ex mandatário e seus asseclas, explicitamente, discutiam o golpe contra as instituições democráticas e ao governo Lula. A se somar com o farto conjunto de provas das nefastas intenções reacionárias e autoritárias já conhecidas desde 2020, os depoimentos dos generais Freire Gomes (Exército) e Carlos Baptista Junior (Aeronáutica), ainda que não divulgados, vêm alimentando uma “esperança” quanto a proximidade da conclusão do inquérito do STF, a oferta de denúncia criminal e o início do julgamento público do ex mandatário.

A expectativa é que, com isso, os golpistas sejam condenados à prisão, estabilizando o regime democrático brasileiro recentemente ameaçado. Ao mesmo tempo em que seria expressão do fim a uma cultura de conciliação histórica com os militares brasileiros, especialmente após a Lei da Anistia que marca o inicio do fim da ditadura militar de 1964/1985.

Será mesmo que todo esse cenário permite que tal expectativa seja alcançada? Será mesmo que a “democracia” neoliberal brasileira estará protegida com a condenação das lideranças envolvidas no 08 de janeiro?

A resposta é um forte não.

Sua justificativa se inicia pelo entendimento do significado dos acontecimentos recentes no entorno da operação Tempo Veritas.

Antes de mais nada é importante compreender que, contrariamente às leituras juspositivistas em que quase a totalidade da sociedade contemporânea é constituída, o processo judicial, como toda forma jurídica, para além de ser derivada das estruturas fundamentais que caracterizam o modo de produção capitalista – a mercadoria como forma social elementar – é uma forma política por excelência. Não se trata de um modo de agir político tal como ocorre no arranjo institucional do Poder Legislativo ou do Poder Executivo. Sob procedimentos próprios e com a finalidade de se garantir a reprodução da ideologia que estrutura a sociedade capitalista, o processo judicial, ou melhor, o devido processo legal alçado à condição de um direito humano, é um modo específico pelo qual se exerce a política sob a mediação da forma política estatal. Tal não se dá meramente pela adjetivação de uma conduta de um agente como certo e errado, legal ou ilegal, constitucional ou inconstitucional, justa ou injusta. Mas sim, e sem pretender aprofundar nesse aspecto filosófico, pela mediação necessária dos conflitos de atores sociais, pelo Poder Judiciário, cuja síntese é alçada a construção de uma nova ideologia – sob a roupagem de uma nova racionalidade juridicamente posta – em sentido positivo ou negativo, a partir de práticas reais conflitantes, sob a baliza relacional dos fundamentos ideológicos constituintes dos atores sociais jungidos sob a forma mercadoria. Não importando para isso a espécie de fato e/ou o alcance do conflito mediado pelo Poder Judiciário – desde um simples inadimplemento de um contrato entre partes particulares até mesmo atos tendentes à atentar contra o Estado democrático de direito.

Por se tratar de uma forma política, o processo judicial pressupõe também a construção social no entorno do binômio da legitimidade-credibilidade na tessitura das redes de poder social a legitimar o uso da violência estatal sobre o patrimônio e/ou a vida/liberdade das partes em conflito. Quer no plano formal, sob as balizas procedimentais do devido processo legal positivados na lei. Quer no plano real no entorno das relações sociais complexa, antagônica e contraditoriamente estruturadas sob a forma mercadoria.

Se num caso simples de um furto e/ou o descumprimento de um contrato, por exemplo, o binômio legitimidade-credibilidade do Poder Judiciário já são pressupostos, pela aceitação, em sentido positivo, da ideologia própria aos direitos humanos e da legislação vigente, no entorno de uma situação complexa e de ampla repercussão – como é a tentativa de golpe do 08 de janeiro – não obstante a discricionariedade ampliada atribuída ao Poder Judiciário no contexto do novo constitucionalismo e do novo processo judicial desde a Emenda Constitucional 45, é tarefa mais complexa e mais morosa.

Sob o pálio de uma maior celeridade e efetividade da prestação jurisdicional – ideologia imediata posta a partir da Emenda Constitucional 45 – a ampliação da discricionariedade das competências do Poder Judiciário guarda intíma relação e se apresenta como a síntese dos conflitos do fordismo, como expressão da rearticulação de seu arranjo institucional frente ao pós fordismo. Uma nova sociabilidade que se erige desde os anos 1970, expressão tanto do aprofundamento da desigualdade real, como principalmente por seu regime de acumulação calcada na financeirização dominante de todas as relações sociais, a hiperprodutividade e o hiperconsumo frente a concentração ainda maior da população em sua concentração nas cidades.

A ampliação da discricionariedade do Poder Judiciário desde a Emenda Constitucional 45, não só implodiu o caráter elitista colonial característico do Poder Judiciário brasileiro. Como também e, principalmente, impôs a seus membros uma preocupação maior com a construção da legitimidade-credibilidade de suas decisões, ainda mais em se tratando dos julgamentos de ampla repercussão pública especialmente junto aos tribunais constitucionais do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Fortalecendo, com isso, a posição de poder de tais instituições perante a realidade e o imaginário da sociedade.

Não a toa, como se diz cá e acolá, atualmente está na boca do povo o nome dos 11 integrantes do STF, mas não o nome dos 11 titulares da seleção brasileira de futebol.

Não a toa, ao atrair para si uma relevância de poder cada vez maior, o debate sobre o STF extrapolou os debates doutrinários internos ao mundo jurídico – no entorno de dogmatismos aparentemente vazios como a questão da interferência do Poder Judiciário nos demais Poderes, a efetividade e celeridade da prestação jurisdicional, dentre outros princípios dogmáticos que constituem a disputa ideológica interna ao mundo jurídico – sendo alçado ao debate de botequim por atores políticos, como o ex mandatário, na disputa pela concentração autoritária de poder.

Não é sem razão, portanto, que desde 2018, que o alvo da extrema direita fascista e autoritária, para justificar seu autoritarismo reacionário, se volta exatamente ao Poder Judiciário. Como se vê do ódio visceral maior do 08 de janeiro com a destruição quase que total da sede do Supremo Tribunal Federal.

A amplitude e morosidade do chamado inquérito do fim do mundo assim denominado pela extrema direita, pressupõe seu entendimento neste contexto. No plano imediato, na disputa de poderes de atores políticos institucionais. No plano mediato, no entorno da construção da legitimidade-credibilidade de eventual condenação do ex mandatário, assim como se deu, no passado recente, com o mensalão e com a operação lava-jato. Alinhadas ao acaso do encontro de interesses pontuais, com os principais atores do capital e, simultaneamente, pela produção ideológica em sentido positivo, de uma construção, ante a opinião pública, de uma dada legitimidade-credibilidade de uma eventual e futura decisão condenatória sujeito ao escárnio público lento e moroso – que este autor concorda e legitima – tal como ocorreu, infelizmente, com a Dilma e o Lula preambularmente ao golpe de 2016 e a prisão ocorrida em 2018.

De volta a imediaticidade dos depoimentos dos generais de alta patente e seu significado para o futuro da democracia e da operação Tempo Veritas, por óbvio que as declarações prestadas possuem, no plano imediato enorme relevância no entorno enorme na construção da narrativa fática política a legitimar futura denúncia contra aquele que não merece ser nomeado.

Tal se dá por 2 aspectos. O primeiro, como evidente, pelo fato de tais testemunhas ocuparem cargos de alta patente no arranjo institucional das forças armadas. Como também e, principalmente, em razão do contexto político que levaram ambos os generais a serem alçados aos mais altos cargos das forças militares no interior do arranjo político imediato do governo anterior.

Não se olvide que em 2021 houve uma grande crise no seio das forças armadas, com a renúncia dos comandantes das forças militares. Inúmeros fatores contribuintes podem ser apontados para tal crise. Quer a discordância moralista do projeto miliciano de Bolsonaro no poder. Quer sua articulação política com o centrão a dar suporte a segunda metade de seu governo. Quer ainda pela disputa interna entre as principais frações das forças militares que desde 2016 se uniram tanto no projeto do golpe da ex presidente Dilma Roussef, quanto na eleição do miliciano à presidência da república.

O que importa, neste momento, é apreender que, com a crise militar de 2021, perante as forças armadas, o ex mandatário ganhou uma maior liberdade na acomodação de interesses da facção militar que lhe dava suporte imediato. Facção esta que remonta a sua formação inicial nos anos 1970. Isto especialmente na indicação dos principais cargos de comando institucional do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

O caso do general Freire Gomes é emblemático. Desde sua formação na AMAN ambos pertencem a um mesmo grupo político no seio do Exército, então sob o pálio do General Silvio Costa, que nos anos da presidência de Geisel e, posteriormente, João Figueiredo, também tentaram dar um golpe para fins de se evitar o processo de redemocratização.

É nesse contexto que emerge o primeiro significado importante a se extrair de seu depoimento, para além de suas repercussões no âmbito do processo penal em si considerado. Estamos aqui diante de uma traição, interna a uma mesma facção das forças armadas, tal como exclamado em mensagem de texto, pelo General Braga Neto como agora sabemos. Traição esta que também pode ser lida como um jogar aos leões da opinião pública, dos principais articuladores da tentativa de golpe de 08 de janeiro que, covarde e infantilmente agora dizem que sempre jogaram nos “limites das 04 linhas da constituição”.

Ironia do destino sobre a desculpa esfarrapada em questão é o fato de que todos os principais denunciados – o ex mandatário, o General Braga Neto, General Heleno e o Anderson Torres – a exceção da Damares (que a meu ver também deveria estar denunciada por este e inúmeros outros crimes, o último sobre Marajó), são signatários da sanção da Lei 14.197/2021 que inseriu o artigo 359-L (abolição do estado democrático) e 359-M (deposição de governo) no Código Penal.

Tampouco se pode heroificar o General Freire Gomes por seu depoimento. Ou quiçá se passar o pano às Forças Armadas que agora jogar aos leões os principais articuladores da tentativa de golpe. Os fatos que se apresentam à luz da ribalta neste momento mostram que a tentativa e, principalmente, a intenção de golpe é clara em todas as forças armadas. A despeito de até mesmo destes calcularem o fracasso da intentona golpista. Não obstante a força da mobilização das massas como se viu com os diversos acampamentos espalhados brasil afora, o golpe não se perpetua não só pela ausência de apoio internacional. Como também interno, especialmente dos diversos setores do capital dominante de centro e direita (não há empresariado de esquerda) insatisfeitos com o governo anterior e receosos com os impactos econômicos para o Brasil de um golpe de Estado.

Todavia, a omissão dos generais, como o General Freire Gomes revela que, mesmo com traição recentemente escancarada, como também a postura das Forças Armadas, independentemente de suas facções em disputa, não se prestam a qualquer perdão. Desde a vitória de Lula em outubro/2022, estes se colocaram em cima do muro para manter as possibilidades abertas até o último minuto. Ou melhor, até o dia 08/01.

O segundo significado, ainda mais importante que se pode extrair dos depoimentos dos generais perante a Policia Federal indicam um movimento que já se inicia com a prisão e posterior delação premiada do Major Cid Gomes: Um realinhamento das forças armadas no plano da política institucional e uma reacomodação de forças nas disputas internas entre as diversas frações das forças armadas. Todos esses acontecimentos dão um o indicativo de um passo a trás das forças armadas como um todo, a preservar e realinhar sua zona de influência política frente a nova realidade vigente.

Uma repactuação oculta, realizada nos bastidores do noticiário nacional, cujos limites ainda não estão claros, mas que tem como ponto nodal, a perpetuação das Forças Armadas como “tuteladoras” do Estado Brasileiro desde a proclamação da República em 1889 e, principalmente, no pós Constituição Federal de 1988.

A política de mediação dos bastidores que está em curso remonta à lógica adotada desde a redemocratização e à Constituição Federal de 1988 em que, as Forças Armadas, que até então participavam, à luz da ribalta da política nacional, no pós redemocratização foram relegadas aos seus bastidores, atendidos os seus interesses econômicos e políticos imediatos e conflitantes, pelos políticos civis dos governos eleitos no pós 1988.

Ao deporem oficialmente nos autos do inquérito da operação Tempo Veritas, o significado real das falas ainda sujeitas ao sigilo judicial tem um significado ainda maior que da legimitação de uma decisão, pelo STF, contra os lideres dos núcleos de articulação da tentativa de golpe de 08 de janeiro. Trata-se aqui de um movimento de escamotear esse recuo estratégico frente ao fracasso da tentativa. Isto no seio da luta política tanto entre os atores políticos da sociedade civil e os atores políticos das Forças Armadas, num reacomodar de interesses em disputa. Quanto a ocultar o movimento de uma rearticulação da disputa das fracções de poder internos das forças armadas brasileiras, calcados por interesses que ainda não são claros. Ou seja, um realinhamento interno das facções antes dominantes, substituídas por outras facções, mais alinhadas às frações de capital, ainda que não alinhadas diretamente com o atual governo, porém o
mantendo sob tutela.

Todo esse movimento mantém em tensão a política no entorno do Estado Brasileiro. Tensão está que não permite, de modo algum e no horizonte próximo, uma dada estabilidade à democracia nacional, como a ilusão da proximidade do início do processo judicial criminal contra os articuladores do golpe de 08 de janeiro se apresenta à opinião pública, especialmente à esquerda conservadora progressista no entorno do governo Lula.

Ao optar pela mediação e conciliação, nos bastidores, com as forças armadas, a despeito da possibilidade da condenação do ex mandatário, que poderia ser expressão do clamor da esquerda liberal “sem anistia”, uma oportunidade histórica se perde. A oportunidade de se realizar não só uma reforma das forças armadas. Mas sim de uma ruptura definitiva de um modus operante das forças armadas na condução da política nacional que remonta a formação da república brasileira.

Para além do fato de que, por uma questão de arranjo de competências, todo esse processo é conduzido pelo STF – em nada tributário a qualquer pauta da esquerda conservadora progressista (como se vê do desmonte dos direitos sociais e do trabalho desde 2.016) – a política conciliatória nos bastidores do Governo Lula, conduzida pelo Ministro Monteiro, não impede que, num futuro próximo haja uma nova ruptura institucional contra a esquerda, tal como se deu com o golpe de 2.016 e aliás com todos os governos da esquerda conservadora progressista desde Getúlio Vargas, Juscelino Kubicheck e João Goulart.

As causas desse recuo e da perda dessa possibilidade histórica não se explicam meramente pela composição política das eleições de 2022 especialmente no entorno do Congresso Nacional. Mas sim tem sua raiz na opção política da esquerda nacional e mundial desde a queda do muro de Berlim e o fim da URSS.

A opção pelo afastamento do caráter revolucionário da política da esquerda ocidental – ainda que as experiências ditas comunistas não tenham nem chegado perto de uma revolução quanto às relações sociais de produção capitalista, sendo mais Estados Capitalistas Monopolistas – os movimentos de esquerda ocidental, especialmente no Brasil, perderam o horizonte da luta ideológica.

Não obstante a importância relativa de toda a pauta de diminuição da pobreza e desenvolvimento por meio de políticas públicas que se estabelecem pelo rearranjo funcional das instituições estatais, a estratégia da esquerda conservadora progressista se coloca sob a tensão direta das contradições inerentes ao modo de produção capitalista e suas crises cíclicas e estruturais.

Melhor dizendo, ao se limitar às mediações de interesses do capital, ao se limitar a defesa do republicanismo e democratismo, a esquerda de um modo geral e especialmente no Brasil está diretamente sujeita e dependente aos interesses dos atores do capital, cujo regime de acumulação é ainda mais profundo dado o caráter financeiro do capital fictício que marca o modo de produção pós fordista. Regime de acumulação este em crise profunda desde a crise de 2008, crise esta que ainda não se resolveu até os dias atuais sob a síntese de um novo regime de acumulação dominante. A permitir aos saudosistas da esquerda mundial liderada por atores políticos constituídos sob a ilusão do fordismo do pós segunda guerra, na busca da construção de um “novo Estado de Bem Estar Social”.

A incapacidade da luta ideológica pela esquerda desde o início dos anos 1990 traz inúmeras implicações, duas das quais quero aqui apontar. A primeira é que, a perda do horizonte da luta ideológica, ou melhor a limitação de tal horizonte alinhada aos interesses imediatos do capital, impede a articulação política em prol de uma bandeira de esquerda – ainda que sob os limites da sociabilidade capitalista – na defesa efetiva da classe trabalhadora frente a atualidade do regime de acumulação capitalista da atualidade.

O segundo aspecto de tal opção é que a esquerda, no plano da disputa ideológica, a esquerda conservadora progressista não tem qualquer capacidade de realizar a disputa ideológica com a extrema direita. Quiçá compreender a atualidade da funcionalidade dos aparelhos ideológicos. A exceção da Bolivia de Evo Morales, eventuais vitorias de partidos de centro esquerda no Brasil e no mundo são expressão de eventuais desajustes na disputa das frações internas da própria direita. De uma centro direita dita civilizada frente a extrema direita que domina o cenário mundial. Não a toa, o governo Lula, para manter sua sustentabilidade política, mais uma vez ignora os movimentos e pautas de sua base social, alinhando-se, de maneira ainda mais profunda que em suas duas primeiras gestões, com a centro direita.

Presa meramente aos limites aos aparelhos ideológicos próprios da institucionalidade estatal (das instituições estatais e/ou de seus partidos políticos), a esquerda conservadora progressista também é incapaz de compreender as armas contra si postas.

Ao longo dos últimos 15 anos, o que se vê é que os movimentos de esquerda mundiais ingressam na luta ideológica tal como os países aliados ingressaram na segunda guerra mundial. Com táticas, estratégias e infraestruturas próprias da 1 guerra mundial. As muralhas da linha maginot foram cortadas como papel pela blitzkrieg alemã em menos de 2 semanas de guerra, importando na fuga desesperada das forças francesas e alemãs em Dunquerque. O mesmo se vê com os inúmeros golpes e rupturas institucionais contra a esquerda nos últimos anos, especialmente na América Latina.

Todavia, ao invés de se apropriar das táticas, estratégias e, principalmente, pela criação de novas tecnologias e produção em massa, financiadas pelos EUA – que aliás e não se olvide, financiou os dois lados em conflito até sua declaração de guerra de dezembro de 1.941, para consolidar o imperialismo do dólar frente ao capitalismo mundial desde então – a ausência de uma esquerda revolucionária consolidada e o admoestamento da esquerda conservadora progressista pelo capital na atualidade mostra uma total incapacidade desta se apropriar e/ou renovar sua luta ideológica no entorno da produção em massa da ideologia de esquerda frente aos aparelhos ideológicos da atualidade.

Isto se reflete, por exemplo, na apropriação, pela extrema direita, do novo aparelho ideológico que se consolida nos últimos 15 anos – as redes sociais e os smart phones – criados e que se consolidam no âmbito não de uma sociedade disciplinadora como no fordismo, mas numa sociedade do controle pelo próprio indivíduo de sua própria produtividade, característico do pós fordismo e do atual capitalismo digital.

Enquanto a esquerda conservadora progressista ainda insiste numa conscientização – impossível – de classes a buscar uma racionalidade intangível às massas, a extrema direita se vale das redes sociais e os smart phones para produzir a subjetividade por meio de narrativas que recaem diretamente ao inconsciente emocional. Por meio de narrativas muito mais acessíveis ao senso comum de uma população com índices cada vez mais baixos de escolaridade e desenvolvimento cultural, como o escárnio, a lacração e o obscurantismo de diversas matizes, especialmente o religioso. Por meio de reels, stories e memes difundidos quanticamente por todo o globo.

Para além desse novo aparelho ideológico, gestado e constituído diretamente por um setor econômico que está sendo alçado à condição de regime de acumulação dominante, também o que se vê nos últimos 20 anos é a esquerda conservadora progressista, limitada à luta de consciência de classe, não buscou “reformar”, e ao revés, perdeu a primazia sobre tradicionais aparelhos ideológicos do fordismo. Mesmo tendo as rédeas das instituições estatais, em 3 governos do PT, a exceção de poucos heróis resistentes, como o Alysson Mascaro sempre aponta, não houve a construção de canais de comunicação em massa – como jornais e canais de televisão – de esquerda.

Mas isso não é só. Há também que se observar que, nos últimos 20 anos, ao contrário do senso comum, outros aparelhos ideológicos foram dominados pelo capital e movimentos de centro direita. Por exemplo, as universidades cada vez mais se transformam em think tanks, propagando maciçamente ideologias próprias do pós fordismo, tais como a do empreendedorismo e conservadorismo.

Mais grave que isso é o papel da disputa ideológica no âmbito do aparelho ideológico das igrejas. O crescimento das igrejas neopentecostais é diretamente alinhado com o discurso obscurantista da ultra direita dos últimos 20 anos.

Calcada em leituras do velho testamento, em contraposição ao Jesus comunista e do amor ao próximo, o Rei David – o Deus Marte do velho testamento – é realçado à imagem de liderança deste novo movimento, como exemplo de líder a ser seguido, cujos fins justificam os meios, teve seus pecados perdoados para a consolidação da luta contra os infiéis. A ponto de se ver, como vimos no 25 de fevereiro – evento este capitaneado pelo pastor Falcete Malafaia, que de cada 10 palavras 3 se referem ao Rei Davi – a busca pelo perdão de seus pecados do ex mandatário, clamante de uma anistia geral e para si.

Enquanto isso, não se vê na atualidade, qualquer força na esquerda católica como se via ao tempo da teologia da libertação. Não obstante o Papa Francisco constantemente atacado, após mais de 30 anos de uma direita no Poder (Com o Papa João Paulo II e o Papa Bento 16), tem uma reação ainda mais conservadora, por vezes contraditórias com inúmeras passagens do Novo Testamento.

Para finalizar, o importante é entender os fatores dominantes que geram este fenômeno, que não são restritos ao Brasil, mas se apresentam, por fatos históricos distintos, em escala Global.

A questão não é meramente política, mas sim decorrente a crise do capital. Todo esse cenário é reflexo, ou melhor, uma contratendência à crise de reprodução capitalista do pós fordismo desde 2008. Contratendência esta que induz a produção de uma ideologia extremista, cuja última fronteira é a guerra.

Como já se vê não só com o aprofundamento dos conflitos bélicos da Siria, Iemen, Ucrânia e mais recentemente na Faixa de Gaza. Mas principalmente pela produção de uma ideologia do ódio e o armamentismo da população civil.

Cada vez mais, se lê no noticiário que uma simples discussão, como a do entregador de Ifood que se recusou a subir no apartamento, terminar com uma tentativa de assassinato.

A crise do capital tem como uma de suas contratendências a destruição da mercadoria, não só como forma de se destruir de maneira ampliada o produto do trabalho – de edifícios a alimentos, de incêndios na floresta a medicamentos – mas principalmente seus portadores, os seres humanos, desconstruídos como tais.

Repaginados como inimigos da extrema direita, sob um marcatismo renovado contra um “comunismo” supostamente de esquerda inexistente na atualidade. Uma esquerda que se limita e se presta meramente à defesa e à reprodução da sociabilidade capitalsita.

A produção ideológica do ódio, do fascismo da extrema direita do século XXI guarda íntima relação com a crise do capital pós-fordista, como forma de se legitimar as condições para justificar a matança generalizada e em escala industrial, como nas Guerras Mundiais do século XX, expressão do desenvolvimento das contradições sobredeterminada da sociabilidade capitalista, a permitir a perpetuação da reprodução do capital e sua acumulação em escala global sob novos regimes de acumulação e produção.

Concluindo, a despeito da robustez e do significado, imediato e/ou oculto, do depoimento do General Freire Gomes, a democracia defendida pela esquerda conservadora progressista nem de longe está estabilizada. A condenação do ex mandatário e seus asseclas, no máximo, trarão uma satisfação imediata e limitada tal como para o náufrago o gole de agua no mar. Mantendo oculto e impossível a construção de uma sociedade realmente justa que somente terá a oportunidade de se construir pelo fim do capitalismo.

Victor Barau, Advogado, graduado em Direto pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Direito Político Econômico e doutorando em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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