Saltburn (2023), por Bruno Alcebino da Silva

Fennell traz consigo a promessa de provocação e subversão, elementos que ecoam movimentos sociais e políticos que questionam as normas

Saltburn (2023)

por Bruno Fabricio Alcebino da Silva

Em seu aguardado segundo longa-metragem, Saltburn (2023), a talentosa cineasta Emerald Fennell, vencedora do Oscar de melhor roteiro original, mergulha nas águas turvas da aristocracia britânica, traçando paralelos com períodos históricos marcados por desigualdades e intrigas de poder. Remetendo à tradição literária gótica, que frequentemente explorava as nuances sombrias da sociedade, Fennell desafia as expectativas do público ao revelar a complexidade de sua trama. Após seu aclamado trabalho como roteirista na segunda temporada de Killing Eve (2019) e sua ousada estreia como escritora e diretora em Bela Vingança (2020), Fennell traz consigo a promessa de provocação e subversão, elementos que ecoam movimentos sociais e políticos que questionam as normas estabelecidas.

A trama gira em torno de Oliver Quick (Barry Keoghan), um personagem enigmático cujo anseio por pertencimento e poder é personificado pelo carismático Felix Catton (Jacob Elordi). Fennell, mestre em capturar a atenção do espectador, utiliza um marketing provocante que sugere um romance homoerótico, mas rapidamente subverte as expectativas ao revelar a verdadeira natureza do enredo por meio de flashbacks. O filme se desenrola como uma fábula gótica, permeada por reviravoltas e nuances que homenageiam diversas influências, desde o italiano Teorema (1968) até a adaptação de O Talentoso Ripley (1999).

Diferentemente de seu trabalho anterior, Bela Vingança, onde Fennell empregava didatismo para abordar questões sociais, em Saltburn a diretora opta por manter o público imerso em uma atmosfera de conto gótico, antes de surpreendê-lo com reviravoltas inesperadas. A trama se desenrola na imponente mansão Saltburn, título do filme, onde a cineasta aprofunda a tensão social entre o protagonista, Oliver Quick e a tradicional família Catton, cuja relação com a aristocracia é explorada com nuances perturbadoras. Fennell tece uma rede narrativa que, de maneira gótica, revela a decadência e os conflitos de não-pertencimento de Oliver, remetendo a clássicos literários como O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, e Rebecca, a mulher inesquecível, de Daphne Du Maurier.

Ao utilizar um marketing provocante que sugere um romance homoerótico, Fennell explora o poder da representação e visibilidade LGBTQIA+, refletindo as mudanças sociais e culturais ocorridas nas últimas décadas. A subversão das expectativas, característica da obra, pode ser associada a movimentos que desafiam normas sociais preestabelecidas.

Ao abordar a aristocracia e seus jogos de poder, Fennell, de maneira caricata, faz uma crítica à alienação e à dinâmica manipuladora dos personagens, refletindo paralelos com momentos históricos em que a elite buscava manter seu status por meio de estratégias ardilosas. A participação especial de Carey Mulligan (protagonista de Bela Vingança) como Pamela adiciona um toque extravagante a esse retrato, sugerindo que Fennell está criando um padrão ao reunir elencos chamativos para suas histórias.

A ambientação em 2007 é uma escolha inteligente, proporcionando referências culturais da época, como o fenômeno de Harry Potter e Crepúsculo, Fennell utiliza essas referências de maneira sutil, incluindo o livro Harry Potter e as Relíquias da Morte, lançado naquele ano, como preferência de leitura dos personagens, enquanto adiciona elementos atemporais/clássicos e trechos que se conectam à cultura pop, como o memorável momento musical com karaokê.

A cinematografia de Linus Sandgren destaca-se, reforçando a atmosfera gótica do filme. A diretora, mesmo com alguma obviedade em suas subversões, entrega um espetáculo visual, explorando momentos de repulsa e morbidez que superam as manipulações e sadismos de Oliver. A dualidade entre falsa inocência e perversidade é magistralmente retratada, especialmente em cenas como o momento do orgasmo na banheira.

No entanto, apesar da estética cativante e do elenco talentoso, Saltburn não é isento de críticas. A narrativa, estruturada em clipes e reviravoltas, por vezes se perde, deixando a sensação de uma nova proposição clássica desprovida de substância. Fennell, ao tentar disfarçar o jogo de sedução e manipulação, corre o risco de criar um drama desconexo, mais focado na estética do que na coesão narrativa.

Em suma, Saltburn é uma obra que desafia convenções, oferecendo uma experiência cinematográfica única e provocante. Emerald Fennell, mesmo com alguns tropeços, continua a se destacar como uma diretora visionária, explorando as complexidades da natureza humana em um cenário luxuoso e gótico.


Bruno Fabricio Alcebino da Silva – Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).

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