Ionesco e a lógica econômica de um país sem noção, por Luís Nassif

Um país irracional, com uma irracionalidade tão entranhada que não consegue ser removida, está eternamente condenado a ser uma nação menor.

Vamos retomar o tema de ontem.

  • O governo está em dúvida sobre a meta fiscal para o próximo ano, se 0% ou 0,25% de déficit fiscal. A diferença é de R$ 25,75 bilhões.
  • Aí, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, diz que a incerteza fiscal poderá obrigar o BC a parar de reduzir a taxa Selic. Cada 0,5% da Selic equivale a R$ 40,1 bilhões, ou 56% a mais do que o aumento da meta fiscal.

Na Globonews, as moças vibram, porque se aprovadas as novas medidas, haverá uma economia de R$ 35 bilhões. Maravilha! É o equivalente a 0,35 pontos da Selic. No G1, Valdo Cruz alerta para risco de cenário de grave crise, uma perda de R$ 35 bilhões que pode chegar a R$ 70 bilhões – o equivalente a 0,70 pontos da taxa Selic.

É evidente que distorções precisam ser corrigidas. E a possibilidade de um estado dar subvenção que, depois, impacta tributos federais ou de outros estados, é uma distorção. Mas qual a lógica dessa loucura de um esforço hercúleo para obtetr economias que representam menos de 1 ponto da taxa Selic?

Qual a lógica dessa loucura? Já dizia o Louco, de Ionesco:

– “O mundo está louco, eu sou a única pessoa sã.”

– “A vida é uma farsa, a morte é uma farsa.”

– “O amor é uma mentira, a felicidade é uma mentira.”

– “Tudo é inútil, tudo é absurdo.”

As frases de o Louco buscavam fazer o público refletir sobre a própria existência e o significado da vida. A lógica do Banco Central obriga o distinto público a refletir sobre a lógica dessa teoria econômica louca, pela qual a maneira de contornar uma incerteza fiscal consiste em aumentar o rombo fiscal.

Enquanto a mídia se envolve no tema único da meta fiscal, 

– o petróleo brent caiu de US$ 108,18 para US$ 106,55 o barril.

– o dólar cai de R$ 4,90 para R$ 4,88.

– a taxa longa de juros caiu de 12,64% para 12,45%.

Enquanto isto, o JP News, emulando a chamada grande mídia, espalha o terror: o debate sobre a revisão da meta piorou a projeção para a inflação de 2024: subiu de 3,0% para terríveis 3,1%! 0,1 ponto de aumento. Ó céus! Ó dia! Ó vida! Ó azar!

Qual a lógica de toda essa loucura? 

O mercado internacional não está nem aí para essa discussão de loucos. Mas, como estamos em um país de analfabetos midiáticos funcionais, vende-se a seguinte lógica:

  • A incerteza fiscal afasta investidores.
  • Com menos dólares, há uma desvalorização do real, pressionando a inflação.
  • Ai o BC precisa aumentar os juros para atrair mais dólares e estabilizar o câmbio.

Mas como assim? Se o investidor externo foge por conta de receio fiscal, porque voltaria se o aumento de juros aumenta o déficit fiscal? Qualquer desculpa serve para sangrar o orçamento em favor do rentista. Qualquer desculpa serve para enxugar recursos que beneficiam a sociedade.

Um país irracional, com uma irracionalidade tão entranhada que não consegue ser removida nem a golpes de picaretas, nem a bombas de Netanyahu, está eternamente condenado a ser uma nação menor.

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Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Segunda-feira passada almocei com um casal de amigos. Ele brasileiro, engenheiro de TI e professor universitário. Ela russa, fluente em inglês, representa uma empresa do país dela no Brasil. Ambos casaram na Rússia e têm uma filha de 5 anos. Agora a família se estabeleceu no Brasil. Ela e a filha não fala absolutamente nada em português.

    Em certo momento da conversa em língua inglesa, a cidadã russa me disse que o Brasil e a Rússia são países semelhantes. Disse a ela que existe uma grande diferença entre os nossos países. “Na Rússia as pessoas, inclusive aquelas que têm melhor condição financeira e acesso a educação universitária, geralmente são moderadamente nacionalistas. Os brasileiros ricos com formação universitária sonham com um Greem Card e preferem ser cidadãos de segunda classe nos EUA ou na Europa do que viver num país em que a maioria da população tenha um padrão de vida digno.” A reação dela foi colocar a mão na cabeça e soltar uma exclamação melancólica.

    Não é difícil perceber e descrever a tragédia do Brasil. Difícil mesmo é fazer os brasileiros perceberem isso.

  2. Você tem idade suficiente para conhecer a lógica.
    Quais são as verdadeiras fake news? Hoje a maioria ja sabe que são a Globo e outras mídias tradicionais.
    Elas querem menos democracia e mais racismo, mas criam a farsa de fingir o contrário.
    A lógica forte é manter o maior coeficiente de gini possível.

  3. A lógica da bomba de Hiroshima era parar uma carnificina recorrendo a uma carnificina. A lógica de combater o terror é praticar o terror. A lógica de acumular capital é exaurir quem gera o Capital. Por que o espanto? Por que chamar de irracional o que é, na verdade, calculado, refletido, deliberado? As carnificinas, o terror, a exploração do trabalho, tudo isso é científico, racional, projetado com método e cálculo. A carnificina destrói o que posteriormente é reconstruído; lucra-se nas duas pontas. O terror extingue vidas; as vidas são repostas e o ciclo recomeça. O trabalhador exaurido é eliminado, novos trabalhadores surgem para manter operantes as linhas de produção que geram valor e capital. Admitamos que tudo isso é irracional, pois gera seres e coisas que deverão participar de sua própria destruição, e serem substituídos; não é isso a vida? A vida é, portanto, irracional. Essa era a mensagem subjacente nas obras de Ionesco, Adamov, ou Samuel Beckett. Essa suposta irracionalidade faz bastante propaganda de si, nas mãos competentes de seus operadores e aproveitadores. Aí estão a Ucrânia, o Oriente Médio, dentre outros menos votados, com seu cortejo de irracionalidades gritantes. Mais do que o Teatro do Absurdo, essa irracionalidade friamente calculada vende proteção, segurança, em uma palavra: Paz. Que só pode ser alcançada através da guerra. Sem guerra, sem paz. É um círculo interminável. Proteção contra o terrorismo sanguinário – e importante dizer, gratuito e não provocado – dos árabes, contra a expansão incontrolável do demoníaco imperialismo russo, igualmente gratuito e não provocado, e, não menos importante, contra a pobreza e a miséria que se abaterá sobre a humanidade se o tal déficit zero não for alcançado. Por que não agir assim, se o “público” acredita piamente, e sempre acreditou nessas patacoadas? Querem algo mais irracional – estúpido, na verdade – do que a tal teoria do gotejamento, até hoje invocada para exemplificar as maravilhas do neoliberalismo, não importando se jamais tenha sido verificada na prática? Aí está a única irracionalidade que consigo vislumbrar nesse mundo, a absurda credulidade da classe média, muito mais terrível e nefasta do que a absoluta ignorância dos pobres. Uma, a credulidade, voluntária, a outra, a ignorância, imposta. As equações colocadas nesse post são simples, lógicas, claras; querem me fazer crer que um leitor de classe média não as entenda? Mas ele aceita, porque pensa estar comprando proteção e segurança, bem como o sonho de, um dia, estar ao lado daqueles que planejam e executam essas “irracionalidades”. Ao pobre resta apenas a tragédia da ignorância, que hoje pode, a qualquer momento, materializar-se como um novo bolsonaro, ou um milei. Isso é irracional – e não as políticas econômicas de bancos centrais.

  4. KO enxuto e duplamente preciso, dispensa abertura de contagem ou qualquer outro recurso e reparo, esse direto no centro da meta da ilógica loucura que incerta grassa à lógica econômica, por medíocres orais que sabem javanês e ignoram Lima Barreto.

    Sugiro apenas acrescentar, a ‘golpes de picaretas’ e ‘bombas de Netanyahu’, as ‘marteladas de Tarcísio’.
    Lógica e razão pra que, né mesmo?

  5. Nassif, a minha tese da formação da quadrilha; Imprensa e Mercado Finaceiro.
    O que vejo Nassif é um assalto ao Banco Central do Brasil igual ao que aconteceu em
    Fortaleza em 6 e 7 de Agosto de 2005. Onde foram roubados 164 milhões de reais.
    Os assaltantes alugaram uma casa, montaram uma empresa de fachada para vender
    grama sintética e abriram um túnel ligando essa fachada aos cofres do Banco Central
    no outro lado da rua.
    O que está acontecendo agora no país, parece ser a mesma coisa, só que em proporções
    dezenas ou centenas de vezes maiores que esse assalto ao Banco Central em Fortaleza.
    Mas é assalto do mesmo jeito. O túnel nesse caso é a Taxa Selic que eles estão usando
    para ligar o cofre do Banco Central direto para o bolso dos mais ricos do país,
    e a casa alugada com fachada de comércio para venda de grama sintética é a imprensa do
    país. Tanto em um caso do assalto do Banco Central de Fortaleza quanto esse cometido
    agora houve, claro, participação de um funcionário dentro do Banco para ajudar os
    criminosos a roubarem o dinheiro do Banco. Ora, a imprensa (que é a casa alugada,
    fake de comércio, ou de jornalismo) é usada para enganar a população quanto ao
    caráter de “controle” dessa taxa selic da inflação. Essa busca de “meta fiscal”
    jornalisticamente alardeada por essa “casa alugada de fachada” é puro controle da opinião pública; Ao invés de se preocuparem com a maior taxa de juros do planeta terra, do qual nem tocam no assunto, se preocupam com os gastos de investimento público. Quer dizer, eles formaram uma quadrilha imprensa e mercado financeiro para roubar o país e enganar a todos
    com seus noticiários enganadores. Trata-se do maior assalto do planeta terra e é sem retórica, a olhos vistos, não é invenção ou fantasia. É a realidade que se pude medir até os centavos.

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