O infame mercado de órgãos e sangue humanos, por Luís Nassif

A entrada do capital privado em um mercado social deflagará uma guerra de captação de sangue que comprometerá todo o programa público

Puxada pela ultradireita e pela parte mais ambiciosa do mercado, financeirização de todos os produtos sociais é uma das piores pragas do ultraliberalismo.

Recentemente, colunistas conservadores passaram a defender o comércio de órgãos, em cima de uma visão distorcida. Se a pessoa morre e alguém é beneficiado pela doação de órgão, é justo que o receptor pague e que a família do doador seja beneficiada.

Hoje em dia tem-se um sistema de transplante à altura do SUS (Sistema Único de Saúde). Há uma fila democrática e os casos são analisados pela gravidade do paciente e pela compatibilidade com o doador. Criando o mercado, haveria dois efeitos imediatos:

  1. O aumento da oferta de órgãos pelo crime organizado. Na literatura policial mundial há tráfico de pessoas visando exclusivamente a doação de órgãos.
  2. Seriam beneficiados os receptores mais abonados, em detrimento da massa dos desvalidos, ampliando ainda mais o fosso social.

Ora, o caminho mais adequado seria a mídia cair de cabeça em campanhas visando estimular a doação, aumentando a solidariedade social, tema urgente para unificar o país.

Agora, entra-se em outro tema escandaloso, a votação da PEC 10/2022, alterando o parágrafo 4o do artigo 199 da Constituição Federal, para permitir a comercializaçãod de plasma sanguíneo humano.

Em agosto de 2004 foi criada a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnolgoia (Hemobrás), dentro da política nacional de garantir a autossuficiência do país em relação ao sangue e hemoderivados. Hoje em dia, há uma política nacional de estímulo à doação de sangue, articulada por hospitais, santas casas e pelo Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde) e Consems (Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde). É peça essencial para a universalização do SUS (Sistema Único de Saúde).

A entrada do capital privado em um mercado eminentemente social deflagará uma guerra de captação de sangue que comprometerá todo o programa público e, fundamentalmente, santas casas, UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e sistema que atende os mais necessitados.

É preciso uma reação forte a essa tentativa.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. O neoliberalismo surgiu após a II Guerra Mundial como uma reação doutrinária minoritária ao keynesianismo. Os teóricos desse movimento odiavam o planejamento econômico capitalista e se esforçaram bastante para se diferenciar do nazismo. Todavia, assim que o neoliberalismo se tornou hegemônico os defensores dessa ideologia passaram a exigir uma austeridade fiscal permanente e crescente incompatível com o crescimento ou com o envelhecimento das populações dos países em que predomina. Os programas de privatização não geraram novos investimentos na criação de empregos bem renumerados. O trabalho se tornou mais e mais precarizado e os salários declinaram porque os excedentes financeiros oriundos da exploração das empresas estatais privatizadas foram utilizados para acelerar a financeirização das economias neoliberalizadas. E agora que o sistema financeiro mundial entrou em colapso não resta quase mais nada de novo que possa ser privatizado e incorporado à ciranda financeira. Então os líderes e ideologos neoliberais começaram a fletar com a barbárie. Além de desmantelar os sistemas públicos de previdência social e de saúde, o neoliberalismo passou a legitimar a mercantilização de sangue e de órgãos. A identificação política entre as liderenças neoliberais e os movimentos neonazistas não é uma coincidência, Nassif. Quando os lucros começam a declinar, a maximização deles só pode ocorrer mediante a desumanização crescente de imensos contingentes populacionais. O imperialismo europeu é posterior à revolução industrial e acelerou a extração de lucros mediante a exploração do trabalho escravo. O nazismo amplificou a lucratividade das empresas alemãs durante o III Reich possibilitando tanto a redução de impostos (o Estado se apropriou do patrimônio dos judeus) quanto a transformação dos próprios judeus em escravos. Agora, as pessoas que foram descartadas pelo neolineralismo como economicamente inúteis serão obrigadas a vender pedaços de seus próprios corpos para se manter vivas. Na prática, entretanto, a barbárie criará um novo ciclo lucrativo para hospitais privados e privatizados. “Venda aqui seu terceiro rim e ganhe um bônus. Sinto muito, mas já estou morto porque vendi meu segundo e último rim ontem.” A nova mutação da economia neoliberal não é paradoxal. Ela é uma versão renovada da economia nazista que ressurgiu após o esvaziamento das democracias ocidentais.

  2. Satanás não descansa. Sempre armando mais uma. E uma multidão de idiotas, por um motivo ou por outro a embarcar nisso. É questão de tempo que os loucos detonem todos os artifícios da civilização; ao menos os mais vitais. PELO LUCRO.

  3. E o que, prezado Nassif, não é infame no Capitalismo? Saúde e educação (para ficar apenas nos exemplos mais aberrantes) transformadas em comércio, isso não diz tudo? O neoliberalismo é o cafetão do Capitalismo. Tudo é vendável, e tudo deve ser vendido. De tudo se pode extrair lucro. Comercializarão órgãos, comercializarão cadáveres; as almas já são objeto de comércio há muito tempo. Tudo existe para ser vendido; o filho que o pai gera é sua propriedade e deve direcionar sua vida para perpetuar e fazer prosperar ainda mais o poder paterno; a filhe é mercadoria pura e simples, a ser vendida por um dote. Assim caminhou a humanidade – ainda hoje assim caminha, apenas de forma mais abrandada. A mais-valia era a parte não remunerada do trabalho, sua parte mais extensa e volumosa; a financeirização é a mais-valia particular dos capitalistas, uma vampirização da economia real, a única que ainda socorre a população pobre, de forma cada vez mais precária. Em outras palavras, a cada dia que passa o Capitalismo precisa menos e menos do trabalhador. A sedução das posições de força características do fascismo (a última linha de defesa do Capital), como o extermínio de políticas sociais e de proteção ao trabalhador, a repressão a qualquer forma de expressão – política, social, artística, religiosa, etc. – que mesmo de longe represente qualquer reação popular a esse estado de coisas, que já experimentamos, aqui, e que, ao que parece, está sendo intensamente desejado, hoje, pelos argentinos, encontrou seu leito natural nas redes sociais, no fascismo tecnológico que não oprime, mas seduz, no consumo a cada dia mais virtual e atomizado em iphones e similares, tudo isso configura uma situação de confronto onde, como sempre, o mais forte vencerá. E não existe, e nunca existiu, nada mais forte que o Dinheiro e sua epítome, o Capital. Infame é pouco para caracterizar o Capitalismo. É abjeto, é depravado. A desigualdade é a condição básica para o bom funcionamento do Capitalismo. Não temos feito outra coisa, nesse mundo. Temos tolerado isso, na ilusão de um dia estarmos no outro lado. Mas eles não precisam de sócios nos seus clubes, só serviçais. E estamos a ponto de aceitarmos essa posição, pois está a ponto de se tornar a única forma de sobrevivência. Sejamos, pois, bons e bem disciplinados serviçais, nem que seja à custa de vendermos nossos órgãos.

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