Percival Maricato
Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais
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A composição do Parlamento explica o impeachment, por Percival Maricato

A composição do Parlamento explica o impeachment

por Percival Maricato

O resultado da eleição para presidente  e especialmente para o Congresso,  já apontava o cuidado extremo com que a Presidente Dilma, eleita por pequena margem de votos, devia governar. Seu discurso de posse, arrogante e simplista, mostrava que ela não tinha entendido o recado. Os eleitos, tanto para a Câmara Federal como para o Senado eram muito mais conservadores que os colegas que substituíam. A Casa Branca logo percebeu a fragilidade do governo e o ataque começou mal tinha acabado a posse.

Pelo nosso sistema eleitoral é possível eleger um dirigente do poder executivo, municipal, estadual ou federal, progressista, mas o corpo de parlamentares acaba tendo maioria conservadora, ditada pelas características do sistema, custo de campanha política, atração da carreira para projetos pessoais e etc. Mesmo assim, a composição do atual Congresso é ponto fora da curva, conservador demais.

A bancada sindical laboral foi reduzida de 83 para 46 representantes, segundo o insuspeito DIAP, uma derrota estonteante, que deveria merecer muita humildade e reflexão dos sindicalistas e da esquerda em geral. Claro que não são apenas carências econômicas que a explicam. Quem sabe o apego exagerado a  pleitos corporativos, o tempo e energia dedicados às guerras por controle de sindicatos, a falta de um projeto para o país, etc, ajudem a saber o porquê do resultado?

Os conservadores, segundo alertou o mesmo DIAP, findo pleito, elegeram 190 representantes do empresariado, 52 da bancadas  evangélica, 55 da bancada da bala (candidatos policiais foram os mais votados em vários estados); destaque-se ainda a poderosa bancada ruralista, que seria composta de uns 100 deputados (além de 14 senadores). Claro que os números podem não ser muito precisos, mas os 46 da bancada sindical são. Somados a outros eleitos pela esquerda,  totalizam pouco mais de uma centena, poucos se fizermos uma comparação histórica mais abrangente (desconte-se que comunistas que foram para o PPS e socialistas do PSB, que se engajaram na trajetória dos partidos liberais) e considerarmos que os governos do PT foram muito bem avaliados pela população até aquele momento.  O número de votos contra o impeachment chegou a 137, alguns votos a mais que a bancada de esquerda prevista acima, decorrentes de possíveis compromissos pessoais e deputados cuja consciência jurídica falou mais alto que o interesse imediato. Do outro lado, sem estranhar, esmagadores 367 votos. O fato do andar de cima  resolver por ordem na casa, entrar na guerra, enquadrar os fisiológicos, manusear o Lava Jato, sempre a espreita, a mídia pondo fotos e nomes de quem não aderia ao impeachment diariamente nos jornais, faz parte do jogo.

O Senado, por sua vez, sempre teve composição ainda mais conservadora, mas mais ideológica e menos fisiológica, o que não deixa de ser um diferencial importante em movimentos como o do impeachment. Um conservador experiente e não tão apegado ao curto prazo consegue pensar bem mais no futuro do país  do que um fisiológico. Mas isso não é suficiente para deter a avalanche. As câmaras da Globo estarão apontadas para cada um no dia, tal qual pistola.

Lembremos ainda que os eleitos se dividiram em cerca de 30 partidos, com seus donos, agendas, interesses, e reivindicações. O pais tem um problema na incapacidade e na visão predadora de sua elite tradicional, mas ela volta ao poder desta vez sem precisar de tanques, pelas mãos do fisiologismo. Todos gostaríamos de ter um país economicamente desenvolvido, além de politicamente democrático, mas sempre ficamos amarrados ao passado. O fisiologismo, porém, é  o problema imediato.  Foi, talvez, o maior risco nesses anos todos, minimizado pelos governos petistas. A presidente superestimou a possibilidade de controlá-los com distribuição de cargos. Quanto Temer, em ascensão, com toda a Casa Branca dando cobertura, os ofereceu e de forma mais segura, o arsenal de Dilma minguou. O fisiologismo, estimulado pela multiplicação de partidos-balcões de negócio, é  a maior deficiência do sistema. Só mudará com  muita educação para a cidadania, pacto com conservadores não fisiológicos, em especial lideranças com visão de longo prazo entre os empresários e uma reforma política. Os governos petistas não se preocuparam como deveriam com esses problemas; muito menos os tucanos, que também tentam se aproveitar do fisiologismo e as vezes são por ele chantageado, em seus governos. Segundo o mensalão Jose Dirceu tentou fazer o pagamento de apoios em espécie, em vez de ministérios. Não deu certo.

Consideremos que  o advento da crise econômica, que reduziu os recursos até então distribuídos pelos governos petistas,  apressou a decisão da Casa Branca e demais estamentos privilegiados  do estado: não seriam eles que iriam pagar a conta. Simples assim.

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12 Comentários

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  1. maricato

    Para este legislativo ultra conservdor não pode ser minimizada ação de Gilmar Mendes e seu pedido de vistas ao processo de finciamneto de campanhas. Ele fez o que bem entendeu,ninguem reclamou, nós pagamo a conta.  

  2. É. A eleição desse congresso

    É. A eleição desse congresso que aí está é um mistério. Os netos dos nossos netos talvez descubram o que houve. Tem algumas figuras que ressuscitaram sem que ninguém soubesse sequer que estavam concorrendo. Mas estão lá no Senado. Na Câmara é mais fácil de explicar. Mas no Senado …

    Quanto à Casa Branca, a sua atuação é bem anteror à posse.  Foi um minucioso e bem sucedido trabalho de cooptação e treinamento dos protagonistas do golpe em fase de conclusão, sem esquecer, claro, da mega espionagem. No impeachment o parlamento é mero coadjuvante, embora fundamental no desmonte das conquistas do período Lula/Dilma, 

     

    1. Será que realmente é um “mistério”?

      Talvez seja exatamente isso que deva ser objeto de inquietação.

      Dizer que “a eleição desse congresso que aí está é um mistério” pode ser apenas a chave mágica para escamotear causalidades “desagradáveis” que não querem ser vistas.

       

    2. O efeito colateral das

      O efeito colateral das jornadas de junho de 2013 dos 30 centavos da COPA DAS CONFEDERAÇÕES, o PT perdeu 20 cadeiras na câmara.

  3. Quer dizer
    Que falta um projeto de país ao sindicato?
    É por estas e outras que as esquerdas estão onde estão.

    Veja bem, podia ser um projeto de país da USP ou da UFRJ mas não. A esquerda quer um projeto de país de sindicato.
    Gezuis

    As vezes chego a pensar que O Golpe será positivo porquê às esquerdas precisam dar uma pensada. Estão perdidos!

  4. A miopia da esquerda impede a evolução da visão de trabalhador.

    A queda dos representantes sindicalistas deixa claro que a politica a pleitos corporativos e a não mobilização dos agentes políticos-sindicais para recuperar os trabalhadores do setor terciário que cresce a olhos vistos, e também os terceirizados esvazia por completo a representatividade dos sindicatos como força política. Posso dar um exemplo claro na Universidade, os sindicatos dos funcionários públicos são fortes e organizados, porém com a terceirização de várias atividades não fins, como limpeza, motoristas, porteiros e demais trabalhadores, o número dos terceirizados começa ultrapassar os quadros efetivos.

    Os terceirizados, que são numerosos e devidamente explorados ao máximo por empresas de manutenção, quando surge algum problema grave (e surgem muitos) de relações trabalhistas, os sindicatos dos funcionários nem promovem atos de solidariedade aos seus colegas. Há uma verdadeira desconsideração, pois como acham que não deve haver terceirização, simplesmente negam a existência dos terceirizados, quando não chegam muitas vezes tratar com desprezo esta categoria, como se a culpa da terceirização fosse dos próprios trabalhadores.

    Sendo a categoria dos terceirizados apesar de numerosa, são geralmente representados por sindicatos fracos ou mesmo meramente oportunistas, logo não há a mínima preocupação em dar suporte aos mesmos. Na realidade há quase duas castas de trabalhadores, os do quadro funcional, que são relativamente bem remunerados (ou mesmo bem remunerados mesmo) e os párias que são ignorados pelos demais. Ou seja, a noção clássica de solidariedade da classe trabalhadora foi para o espaço.

    Também em setores diversos da economia moderna, que crescem  dia a dia, são completamente ignorados pelos trabalhadores fabris tradicionais, como metalúrgicos e outras categorias, que pela mecanização e automação são cada vez menos numerosos, tornando-se estas categorias numericamente irrelevantes no operariado.

    Até a noção de operário-proletário das centrais sindicais, é como ainda estivéssemos no fim do século XIX e início do século XX, ou seja, quem não trabalha numa unidade fabril, não é considerado operário. A imagem do martelo nas bandeiras rubras que não representa mais a maior parte da força do trabalho, continua na mente dos dirigentes dos partidos de esquerda como a única imagem representativa do proletariado!

    Por isto se a bancada sindical caiu de 83 para 46 representantes, provavelmente nas próximas eleições irá cair mais ainda. Mais pelo espírito tacanho dos dirigentes do que pela ausência de representados em potencial. Nos estados Unidos, os sindicatos mais fortes e numerosos que estão surgindo são exatamente os sindicatos de terceirizados, enquanto aqui eles simplesmente não existem.

    A bancada evangélica é simplesmente uma consequência da falta de representatividade dos meios sindicais nas novas categorias de trabalhadores que surgem, pois se eles não enxergam um movimento sindical que o apoiam simplesmente votam em que está mais próximo.

    O surpreendente nisto tudo é a bancada ruralista, que sabendo que os habitantes do campo não ultrapassam 15% da população total, mais uma vez se nota a falta de atuação da esquerda nos trabalhadores rurais. Vejam, toda a concentração de forças e também o simbolismo icônico dos movimentos de esquerda está no MST, enquanto a maioria dos trabalhadores rurais são deixados nas mãos da ideologização dos patrões. Além disto, os eleitores das pequenas cidades, que se identificariam facilmente com os pequenos proprietários rurais e com os trabalhadores assalariados, não enxergam completamente no MST um representante do campo.

    A falha da esquerda e a perda da sua representatividade no parlamento, pode ser atribuída a preconceitos da mesma a grupos sociais e a idealização da foice e martelo não como um símbolo dos trabalhadores do campo e da cidade, mas sim uma realidade a ser perseguida, não olhando com os mesmos olhos complacentes aos trabalhadores que movimentam máquinas agrícolas e computadores, pois o que vale mesmo é o trabalho com uma foice e com um martelo. Os símbolos superaram a realidade na cabeça de muitos.

  5. Quase perfeito

     

    Percival Maricato,

    Eu vou tergiversar um pouco. Uma vez após construir uma casa de curral, o marceneiro perguntou o que eu tinha achado. Como mal observador, eu disse que estava excelente, tudo perfeito. Ele então fez-me olhar para uma telha fora do lugar e perguntou o que eu achava. Eu reconheci que a telha fora mal colocada e então o marceneiro acrescentou que aquilo era um truque que ele havia apreendido com um senhor ilustrado. Ele me recomendou que ao terminar uma obra deixasse algum defeito bem visível para que o contratante pudesse percebê-lo e se sentisse superior a quem ele contratou para realizar o serviço. Não foi necessário ele usar o truque comigo porque eu sou pouco observador.

    Fiz o preâmbulo acima porque pareceu-me que você deixou de propósito alguns pontos para um leigo como a mim contrapor alguns argumentos. Eu disse quase perfeito porque creio que você particularizou para o Brasil, uma situação que é mundial e com um defeito de compreensão do processo democrático. A situação que é mundial a que me refiro diz respeito à crise mundial e os efeitos da crise no viés para a direita que a população adota na escolha dos seus representantes.

    Quanto ao defeito de compreensão do processo democrático que eu percebo em seu texto eu me refiro aos seguintes trechos do seu texto:

    “. . . . O fisiologismo, porém, é o problema imediato. . . . . O fisiologismo, estimulado pela multiplicação de partidos-balcões de negócio, é a maior deficiência do sistema. . . .”

    Deixei pontilhado para indicar que o restante da frase é importante, mas que a minha crítica é em relação a sua compreensão do fisiologismo e, portanto, do processo democrático.

    Existe duas concepções de fisiologismo. Uma entende o fisiologismo como um ato ou procedimento ilícito. E na outra concepção, o fisiologismo é da essência do processo democrático representativo em que o representante na principal atividade parlamentar de composição de interesses conflitantes deve por o interesse do seu representado acima de qualquer interesse (Quando o interesse maior da nação, na direção do qual a composição de interesses conflitantes é sempre direcionada, é conhecida cientificamente ninguém põe o interesse do seu representado acima do interesse maior da nação, mas em noventa e nove virgula noventa e nove por cento dos casos o interesse maior da nação não é conhecido, ou quantificável objetivamente).

    Na concepção do fisiologismo como ato ou procedimento essencial do processo democrático, o fisiologismo é algo lídimo, regular, lícito e, portanto, não configura nenhum crime. Fisiologismo nessa concepção é o toma lá da cá, é o dando que se recebe, é o conchavo, o acordo, a barganha. Sem ele, não há democracia representativa. Ele só não ocorre na democracia direta, mas essa é mais atrasada do que a democracia representativa, ou indireta, porque pelo fisiologismo se pode defender os interesses dos grupos minoritários, enquanto na democracia direta os interesses minoritários são esmagados pelos interesses da maioria. E isso é valido para o mundo e não só para o Brasil.

    E eu tenho como desonesto aqueles que utilizam a terminologia do fisiologismo na concepção de uma ilicitude porque não há em nenhuma lei o tipo ilícito do fisiologismo. Desonesto no sentido que ele pretendia chamar a pessoa de ladrão, de corrupto, etc. mas para não ser acusado de calúnia, etc opta por utilizar na acusação o termo fisiológico.

    Já aqueles que não aceitam o fisiologismo lícito na prática democrática eu os tenho por falsos democratas ou democratas ingênuos ou platônicos. Não há e nem haverá democracia representativa, que, como eu disse, é superior à democracia direta, sem o fisiologismo. E quanto mais fisiológica for uma nação mais democrática ela é.

    Eu pretendo voltar a esse post para indicar alguns comentários onde as duas observações críticas que eu fiz ao seu comentário estão mais bem expostas. De qualquer maneira, antecipadmente deixo dois links. Primeiro deixo o link para o post “Pequenos sinais positivos no horizonte e o fator Meirelles” de terça-feira, 03/05/2016 às 05:10, aqui no blog de Luis Nassif e de autoria dele e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/pequenos-sinais-positivos-no-horizonte-e-o-fator-meirelles

    No post “Pequenos sinais positivos no horizonte e o fator Meirelles” há dois comentários meus. Um para Luis Nassif enviado terça-feira, 03/05/2016 às 21:08, em que eu discorro mais sobre os aspectos econômicos dos dois governos da presidenta Dilma Rousseff. E o outro comentário foi enviado terça-feira, 03/05/2016 às 18:47, para junto do comentário de Altamiro Souza que ele enviara terça-feira, 03/05/2016 às 11:30, para junto do comentário de Mogisenio, enviado terça-feira, 03/05/2016 às 09:20.

    No meu segundo comentário, eu trato mais da particularidade do impeachment que, apesar de eu o considerar como um golpe, também o considero como amparado na Constituição à medida que os crimes de responsabilidades não são bem definidos e assim fica praticamente impossível que um presidente no exercício de sua atividade não tenha algum ato que seja considerado criminoso. Assim um governo não contando com o apoio de um terço do Congresso em ambas as casas fica automaticamente passível de impeachment.

    O que é mais importante no meu segundo comentário é a indicação do link para o post “Recessão alimenta a criação de monstros da intolerância, por Laura Carvalho” de quinta-feira, 28/04/2016 às 14:39, publicado aqui no blog de Luis Nassif e contendo texto da economista Laura Carvalho. O endereço do post “Recessão alimenta a criação de monstros da intolerância, por Laura Carvalho” é:

    https://jornalggn.com.br/noticia/recessao-alimenta-a-criacao-de-monstros-da-intolerancia-por-laura-carvalho

    Deixo aqui o link porque tenho um comentário lá no post “Recessão alimenta a criação de monstros da intolerância, por Laura Carvalho” com a indicação de trabalhos estatísticos que mostram resultados eleitorais comprovando o revigoramento da direita nos resultados eleitorais em períodos de crise econômica.

    E quanto ao discurso de posse arrogante e simplista da presidenta Dilma Rousseff, eu recomendaria que você deixasse o link para ele e se fosse possível indicasse também uma crítica sua ao discurso dela à época. E à época eu entendo como sendo anterior a vitória de Eduardo Cunha para presidente da Câmara com 267 votos e sem contar os 100 votos concedidos à oposição.

    Eu já sabia que, pela desigualdade de renda no Brasil, o nosso Congresso é mais conservador do que de outros países mais igualitários. Tinha uma percepção do crescimento da direita em razão das crises econômicas, mas só vim a saber dos trabalhos estatísticos no final de 2015. E não tinha conhecimento do perfil dos nossos congressistas para perceber com exatidão o quão de direita eles são. A eleição de Eduardo Cunha foi um marco importante, mas ela não revelava o que ocorrera no Senado Federal.

    O que eu não tinha a percepção é que o nosso Congresso fosse tão conservador como ele o é. Se a presidenta Dilma Rousseff foi arrogante, foi um erro que eu atribuo à visão técnica que ela tem da atividade gerencial de chefe de executivo, mas penso que também houve falha em que se informasse como o Congresso Nacional estava completamente à direita. Foi uma arrogância, não só dela, mas dos auxiliares dela como também dos analistas que nunca referiram à fragilidade política dela no Senado Federal ao ponto de não ter o apoio de 1 terço dos membros.

    Com a escolha de Eduardo Cunha no primeiro turno com 267 votos e sem os 100 votos da oposição eu não tinha dúvida que a presidenta estava super enfraquecida. O que eu não imaginava é que o Senado que, embora seja um órgão mais conservador, tivera 1 terço eleito em 2010, viesse a ter menos de um terço de membros contrários ao impeachment. Foi uma tremenda surpresa quando li a notícia que no Senado Federal a sorte da presidenta Dilma Rousseff já estava selada.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 06/05/2016

  6. O “algo mais” que clama por explicação

    O diagnóstico do Percival Maricato alia o que já havia sido bem identificado ao final das eleições passadas (a composição do Congresso) com a consequência relativamente óbvia da fragilidade do governo, até chegar, por fim, à manobra de sua destituição sem nenhum escrúpulo.

    O negócio é que as explicações (ou conexões causais — como se queira) urgem ir além daí.

    Diante do diagnóstico do Maricato (que talvez devesse ser mais evidente para todo mundo), há duas coisas a serem explicadas e que facilitariam enormemente o entendimento da conjuntura por conta daqueles que, pelo menos, se dão ao trabalho de tentar entender o porquê das coisas:

    1. Por conta de que fatores e conformação (ideológicos, pessoais e institucionais) o governo Dilma insistiu em permanecer agindo de forma tão ingênua, simplista e arrogante (para fazer uso, no caso dos dois últimos adjetivos, dos mesmos com que Maricato abre seu artigo)?

    2. Considerando que, a partir dos anos 80 as forças progressistas vinham aumentando de forma sustentada, eleição após eleição, sua participação no Congresso; considerando que as políticas sociais dos governos Lula desmontaram a base eleitoral da política clientelista conservadora em regiões como o Nordeste e Norte; como explicar o colapso eleitoral “das esquerdas” no Legislativo, ocorrido nas eleições passadas?

    Só pra não dizer que estou fazendo circunlóquios ociosos, eu mesmo me inquietei com essas eventuais explicações. Tateando na tentativa de explicação para o resultado das eleições, a partir das dinâmicas simbólicas, logo depois delas publiquei este artigo:

    http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2014/10/a-vitoria-da-nova-politica-2375.html

    O que está nesse artigo pode ser sintetizado em um único parágrafo, publicado mais recentemente:

    “o programa político do lulismo, sua opção maximizada pelo consumo e sua escusação da cidadania por meio da pretensa suficiência dos expedientes assistenciais, engendraram uma forma de antipolítica que esvaziou não apenas a antes pujante mediação organizativa da representação social, como também os valores do coletivo e da participação, em nome do individualismo das “oportunidades”. A miragem do lulismo consistiu na ideia de que a gestão da máquina governativa e seus programas cosméticos de distribuição seriam suficientes para proporcionar uma inclusão social que não precisaria se traduzir em ampliação de direitos e nos valores de uma sociabilidade não excludente. A miragem do lulismo expressou-se, em último termo, como uma recusa da política, uma recusa da dimensão coletiva e da representação. A reificação da “gestão”, na figura de Dilma Rousseff, é apenas a lapidação lógica dessa miragem. O resultado, por fim, foi a eleição, junto com o segundo mandato de Dilma, do parlamento mais conservador desde o final da ditadura (…). A renúncia do PT em fazer política por meio da mobilização social produziu esse mesmo Congresso que no último domingo assestou um pesado golpe contra o mandato da presidente.” (http://outraspalavras.net/brasil/feiticaria-golpe-e-fim-de-ciclo/)

    Convido (inclusive os mais relutantes) a refletir sobre essas explicações possíveis.

    Talvez seja um bom começo para sair da zona de conforto do que parecem ser algumas verdades inabaláveis.

    1. A culpa pelo impeachment da presidenta Dilma não é do lulismo

       

      Ricardo Cavalcanti-Schiel (sexta-feira, 06/05/2016 às 15:30),

      Você atribui a culpa pelo impeachment ao lulismo. Não diria que a sua avaliação seja infantil, mas a considero como fruto do obscurantismo. Na esteira das manifestações de junho de 2013, eu dizia que era preciso que a esquerda se inscrevesse em um grande processo de educação política. Ao ver a falta de conhecimento expressa nas reivindicações das manifestações de junho de 2013, eu atribuía à esquerda a tarefa de instruir o povo sobre as grandes instituições sociais.

      Era preciso na minha análise que se tentasse ensinar o que é e como funciona a democracia, o que é e como funciona o capitalismo, o que é e como funciona o orçamento público. Sem que haja uma completa compreensão da população sobre esses institutos e outros tantos, a população se manifestaria, no sentido de argumentação, sem nenhuma racionalidade.

      Só que, em meu entendimento, a dificuldade maior reside no próprio desconhecimento pela esquerda do funcionamento desses institutos. Em meu comentário anterior aqui neste post “A composição do Parlamento explica o impeachment, por Percival Maricato” de sexta-feira, 06/05/2016 às 11:47, e que eu enviei sexta-feira, 06/05/2016 às 14:35, eu mencionei a não aceitação por parte de Percival Maricato do fisiologismo que é da essência da democracia. Em minha avaliação, Percival Maricato, como é próprio dos fundadores do PT, não aceitam a democracia tal como ela é e acreditam que a democracia possa funcionar como um modelo idílico, platônico.

      A democracia pode ser aperfeiçoada e quanto mais a sociedade for igualitária mais bem representados serão os cidadãos daquela democracia, mas, a menos que o conhecimento técnico se sobreponha a todas as questões, apresentando uma solução definitiva e científica sobre cada questão a ser discutida, o processo de composição de interesses conflitantes a realizar sobre a questão em pauta será sempre um processo fisiológico.

      No seu caso ao criticar o lulismo e eu tomo como canhestro os que utilizam essa palavra pela falta de sentido que eu vejo nela, mas que para você tem o significado político de “opção maximizada pelo consumo” e “escusação da cidadania por meio da pretensa suficiência dos expedientes assistenciais”, eu vejo uma falta de compreensão do capitalismo que torna o seu discurso inoperante.

      É preciso ver que no mundo capitalista, e o mundo todo é capitalista, não há desenvolvimento social, econômico, humano sem crescimento econômico. O capitalismo só funciona a contento se houver crescimento econômico. Quando o crescimento econômico no mundo acabar, o capitalismo terá que se transmudar de tal forma que se poderá até falar na superação do sistema. E o crescimento econômico é com base na teoria keynesiana da demanda bastando para isso observar que no comando das grandes agências internacionais de comando do capitalismo, como a Secretaria de Tesouro dos Estados Unidos, o FED, o Banco Europeu, o FMI, o Banco Mundial são todos organismos comandado por keynesianos. Enfim, no mundo capitalista não há muito como fugir desse modelo que você chama de lulismo.

      É claro que você tem um pouco de razão em dizer que a culpa pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff é do lulismo no sentido de que você toma o lulismo quase como se fosse o processo de fazer funcionar o capitalismo. Como o impeachment é decorrente do fato de a economia não ter funcionado a contendo levando as pessoas a se manifestarem mais favoravelmente à direita, a sua culpabilização do lulismo não é totalmente infundada. Trata-se, entretanto, de um subterfúgio em não querer dar o nome próprio ao problema. O problema foi econômico que você chama de lulismo. Agindo assim você foge de discutir sobre a questão econômica. Qual é a origem do problema econômico é que deveria ser o foco da discussão.

      É claro que a presidenta Dilma Rousseff sendo técnica e não política tem culpa no impeachment dela e o próprio Lula na escolha dela. Um problema que, entretanto, não teria sido questionado se a economia tivesse ido em uma direção mais favorável.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 06/05/2016

  7. PT elegeu 89 deputados na

    PT elegeu 89 deputados na elieção de 2010 e em 2014 com as jornadas de junho de 2013 elegeu 69, os 20 a menos fizeram fata no plenário da câmara.

  8. DEMOCRACIA VERSUS FISIOLOGISMO

    Correta a tese sustentada no artigo em tela, no sentido de que a composição do parlamento ajuda a explicar o drama da farsa do impixe sem comprovação de crime, e a estrutura de poder perpetua a instabilidade política.

    Fato é que os governos Lula e Dilma cometeram o erro primário de reproduzir um modelo de poder arcaico, estribado numa cultura política clientelista e fisiológica, incompatível com a verdadeira democracia.

    Tal falha passa especialmente pela opção de conquistar resultados políticos através de um presidencialismo de coalizão que reproduz a estrutura de poder preexistente, com alianças desvinculadas de compromissos com um programa de governo, financiadas pelos mesmos mecanismos de financiamento utilizados pela direita.

    Assim, a lamentável composição atual do parlamento é decorrente em grande parte do fato do PT haver feito a opção de reproduzir a estrutura de poder tradicional, visto que, desde 2006, todos os candidatos de partidos coligados com o governo federal passaram a ser vistos pelo eleitorado como “progressistas”.

    Quando na realidade a maioria dos candidatos surgidos dos esquemas tradicionais de poder e de financiamento de campanhas políticas são, em geral, e com raras exceções, estreitamente vinculados a interesses de classe elitistas e excludentes, bem como a influências geopolíticas predatórias e desastrosas.

    Todavia, uma vez comprovada na prática a inadequação do modelo político supra referenciado, está criada a condição básica para a substituição do modelo e para a criação de uma cultura política com mais legitimidade.

    Com uma estrutura de poder mais independente e uma forma de financiamento legítimo das campanhas políticas será possível concretizar o ideal de construção de uma democracia estável, sustentável e inclusiva.

    E esta nova dinâmica deverá elevar o grau de conscientização coletiva da sociedade, no sentido de priorizar alternativas que podem atender de uma maneira equilibrada aos interesses dos diversos segmentos sociais.

    Por fim, devo reiterar a convicção de que nada está perdido quando existe a real disposição da militância progressista para manter o bom combate, que consiste em difundir, defender e desenvolver a verdadeira democracia através do uso rigoroso, eficiente e criativo dos meios democráticos.

     

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