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O orçamento do “toma lá dá cá”: a “velha política” em nova roupagem, por Linnit Pessoa

O governo adotou a governança do “toma lá dá cá” com uma nova roupagem, por meio das emendas de relator, que ficaram conhecidas como o “Orçamento Secreto”.

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O orçamento do “toma lá dá cá”: a “velha política” em nova roupagem

por Linnit Pessoa

Ao menos desde 2015 o argumento sobre “a falta de dinheiro” do setor público no Brasil se intensificou, tanto no debate público, quanto no debate econômico. Os últimos anos foram marcados por cortes de despesas, vetos orçamentários e reformas liberalizantes, supostamente tendo em vista manter as contas públicas “saudáveis” e trazer de volta o dinamismo da economia brasileira.

O presidente Jair Bolsonaro, eleito no final de 2018 com o discurso de que iria “acabar com isso tudo aí” e seria contra a “velha política” e a governança do “toma lá dá cá”, manteve tanto a orientação neoliberal que vinha sendo seguida desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, quanto o argumento da disfuncionalidade do Estado e da necessidade de controle de redução de seu tamanho. Em meio aos argumentos de que o “dinheiro acabou” – em partes enfraquecidos devido aos (necessários) gastos extraordinários para o enfrentamento da pandemia –, o governo adotou a governança do “toma lá dá cá” com uma nova roupagem, por meio das emendas de relator, que ficaram conhecidas como o “Orçamento Secreto”.

O termo “Orçamento Secreto” decorre da possibilidade de que, por meio dessas emendas, os parlamentares destinem recursos da União sem que sejam identificados e sem a obrigação de divulgar os dados dos pedidos feitos e atendidos a cada ano. Isto é, embora os recursos do orçamento secreto estejam no Orçamento Geral da União, a destinação das verbas é feita de forma sigilosa, a partir de acordos políticos – uma estratégia para “ajudar a acalmar o Congresso”, de acordo com o presidente.

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Em 2022, R$ 3,1 bilhões em despesas previstas para o exercício do ano foram cortadas do orçamento. O rol de vetos ao orçamento de 2022 é amplo e abrange diversas áreas,[1] como do Trabalho e Previdência (R$ 1 bilhão, em valores nominais), da Educação (R$ 736 milhões), de Desenvolvimento Regional (R$ 458,7 milhões), Cidadania (R$ 284 milhões), Infraestrutura (R$ 177,8 milhões) e Saúde (R$ 74 milhões). É curioso observar que esses vetos ao orçamento se contrapõem aos R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, aprovadas na Lei Orçamentária Anual sob o argumento de que apenas os deputados e senadores sabem das reais necessidades de suas bases eleitorais. Ora, tais despesas com trabalho e previdência, educação e saúde não seriam de interesse comum da população? Quais seriam essas reais necessidades das bases eleitorais?

Ao contrário dos outros tipos de emendas, na emenda de relator não há um mecanismo de acompanhamento da aplicação do recurso. Os parlamentares podem opinar ou influir na alocação dos recursos públicos a partir dos compromissos políticos assumidos durante seu mandato, podendo direcioná-los a obras e projetos em suas bases eleitorais. Com o orçamento secreto, há uma destinação de verbas sem critérios técnicos e sem vínculos com políticas públicas, criando a prerrogativa do governo ampliar sua base de apoio no Congresso, já que a liberação dos recursos não ocorre de forma igualitária entre os parlamentares.

A possibilidade do orçamento secreto, aprovada em 2019, pode se tornar uma realidade constante da economia brasileira caso as emendas de relator sejam impositivas ao orçamento. Com a possibilidade de mudança de chefe do Executivo neste ano, um mecanismo previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 vem a determinar a imposição do orçamento secreto, na tentativa de transformar essas emendas em uma despesa obrigatória, estimada em R$ 19 bilhões para o ano que vem. Essa é uma tentativa de manter a fonte de recursos direcionados seletivamente independente do resultado eleitoral.

Essa discricionaridade significa, na prática, uma deterioração ainda maior das condições de vida dos brasileiros. Encontramos um Brasil diferente do país pré-pandemia. Por mais que muitos dos problemas não sejam novos, o cenário se deteriorou rapidamente com a recessão econômica e, até o momento, não existem medidas consistentes para mudar a trajetória que o país vem seguindo. Os últimos anos foram marcados pela queda da renda, da qualidade de vida da população e pela deterioração do mercado de trabalho. Até maio (trimestre móvel) de 2022, 9,8% da população estava desempregada. Por mais que represente uma melhora do indicador em relação à 2021, vale pontuar que essa recuperação é resultado do tímido crescimento do PIB, em grande parte devido ao aquecimento do setor de serviços e à crescente informalidade (aproximadamente 40% da população ocupada) – não representando, necessariamente, um maior dinamismo da economia. Frente à expressiva redução do produto da economia durante as crises de 2015-2016 e da pandemia, o fraco crescimento do PIB não é motivo de orgulho, ainda está muito aquém do necessário. O país ainda enfrenta a volta da insegurança alimentar, acompanhada pelo aumento da inflação, que afeta especialmente a parcela da população de menor renda.

Ainda assim, enfrentamos constantes contingenciamentos orçamentários e cortes sobretudo na provisão dos bens e serviços de consumo coletivo. O argumento de que não há recursos suficientes e por isso os sucessivos cortes orçamentários não se sustenta quando confrontado com as emendas de relator.

A alocação orçamentária se tornou explicitamente seletiva e discricionária. O orçamento secreto mostra que o problema nunca foi a falta de dinheiro. O que falta é um viés social, um plano de governo e um projeto de país. Ao invés disso, se insiste na anacrônica agenda neoliberal, baseada em um argumento falacioso que preserva as relações de poder e acentua as desigualdades sociais. Não acabou o dinheiro. O Estado é capaz de gastar, como ficou claro durante o período de emergência sanitária e está claro agora com a aprovação de uma nova PEC, aprovada no Senado em 30/06 e em breve a ser avaliada pela Câmara, para transferências de renda por conta do aumento do preço do combustível este ano. Porém, o atual governo está gastando com objetivos eleitoreiros, e não visando dinamizar a economia, incentivar setores estratégicos e estimular a criação de renda. O investimento público é um caminho para isso, que deve ser combinado com regras fiscais funcionais e uma política monetária não restritiva – o aumento dos juros, além de ser contraproducente para estimular os investimentos, acentua o cenário recessivo e tem pouco efeito sobre o controle da inflação no cenário atual, que decorre dos custos, e não da demanda.

Ao invés disso, foi criado um orçamento para conveniências políticas. A compra de votos no Congresso se sobrepôs às necessidades da sociedade, em meio ao cenário de aumento das desigualdades e a maior necessidade de apoio social. A política de corte dos gastos públicos no provimento de bens e serviços de uso coletivo e de investimentos em infraestrutura tanto física como social e ambiental é um projeto político, econômico e ideológico neoliberal, não uma necessidade. O orçamento secreto evidencia que o debate não é fiscal, é um debate político para preservação de uma elite com visão de exclusão social e anti-estado no poder.

Linnit Pessoa – economista e pesquisadora do Finde UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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[1] Bolsonaro veta R$ 3,1 bilhões no Orçamento, que destina R$ 89,1 bilhões para Auxílio Brasil — Senado Notícias

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Leia também:

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