Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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A leitura como possibilidade da escrita impossível, por Maíra Vasconcelos

Mas se os livros e a leitura não se esgotam, a escrita pode parecer já consumida, terminada. Simplesmente, você é assaltado pela falta de ousadia.

A leitura como possibilidade da escrita impossível

por Maíra Vasconcelos

Para Sebastião Nunes

Daqueles livros que estão na estante, há sempre os que ainda não lemos e que, realmente, não vamos ler. Como quando chegamos à biblioteca e nos deparamos com todas aquelas obras ali acumuladas, selecionadas e classificadas e que, também, não vamos ler. Aliás, ler na biblioteca imprime outro modo de leitura. Quer dizer, não é o mesmo que ler no trem indo para Córdoba, ou ler em casa, mesmo se temos um espaço para tal prática.

Mas se os livros e a leitura não se esgotam, a escrita pode parecer já consumida, terminada. Simplesmente, você é assaltado pela falta de ousadia. Em algum momento, pode vir essa certeza de que já não há mais nada para ser escrito. E vê-se perdido o interesse pela comunicação através da palavra escrita. Porque escreve-se para o outro-leitor e não para si mesmo. Jean-Paul Sartre disse algo como, “não há arte, senão para e por outro”. Mas, por exemplo, a poesia, que outrem busca a poesia? Com sua particular reelaboração radical da linguagem e especial forma desfigurada. Esse ritmo de conclusão vertiginoso em poucas palavras. Em um posfácio das poesias de Hilda Hilst, o poeta Victor Heringer escreveu sobre qual era a sua busca, “o desejo de comunicação se estende à história da literatura, aos alicerces da arte”.

Mas, enfim, a questão desse texto, são todos os livros que não chegaremos a ler e, por outro lado, o esgotamento da escrita. Mas apenas para se considerar outra diferença, leitura e escrita acontecem em tempos muito diferentes. A leitura é lenta. A escrita também, mas se movimenta no tempo daquilo que deseja ser exposto. Aliás, enquanto a escrita se exterioriza, a leitura se expõe através da escrita. A leitura seria como uma sequência de modos de interiorização, um atrás do outro. Uma interiorização hoje muito cortada pelo ritmo das grandes cidades, pelos e-mails, pelas redes sociais. A leitura e a escrita se acompanham, mas muitos apenas leem e não escrevem.

Se existe o momento da falta de interesse pela escrita, o interesse e vontade pela leitura pode apenas aumentar. Tantas coisas para se fazer e viver em um dia, por que justamente buscar esse outro tempo e escrever? Como sempre, pergunto-me. O desejo, como se sabe, é uma dessas respostas possíveis. Como também a aclamada profissionalização do escritor e, assim, escreve-se. Mas, tenho dito, outro dia escrevo, agora não tenho nada de relevante para enviar ao jornal. Aliás, olho para trás e vejo que nunca houve nada de tão imprescindível. E não há. Por isso, talvez, nenhuma autobiografia se justificaria, segundo alguns.

Então, talvez escrevemos não porque temos algo de relevante ou incrível guardado na manga da camisa. A vida, qualquer traço de vida é por si só relevante. Isso bastaria para escrever, para buscar o prazer e o desafio de se criar uma ficção através da escrita. Essa escrita, que, às vezes, parece impossível. E, sobre esses “impossíveis”, muito também já se escreveu. Enquanto, mais uma vez, da estante retira-se algum livro ainda não lido. Assim como quem busca um gesto possível.

Maíra Vasconcelos, jornalista e poeta. Escreve crônicas no Jornal GGN. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina e escreve sobre política argentina.

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Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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