Ainda sob a tempestade, por Sr. Semana

O livro faz parte da série Mutações, organizada por Novaes, que já contava com outros onze volumes, dois dos quais ganhadores do Prêmio Jabuti.

Ainda sob a tempestade 

por Sr. Semana

Organizado por Adauto Novaes, foi publicado em 2020 pelas Edições Sesc (São Paulo) o livro Ainda sob a tempestade. Com capítulos escritos pelo organizador, por Marilena Chaui, Vladimir Safatle, Renato Lessa, Newton Bignotto e por 17 outros pesquisadores e pesquisadoras do Brasil e da França, Ainda sob a tempestade apresenta um panorama amplo da ascensão do neofascismo no ocidente nas últimas décadas em seus múltiplos aspectos filosóficos, econômicos, políticos, sociológicos, históricos, e religiosos. O livro faz parte da série Mutações, organizada por Novaes, que já contava com outros onze volumes, dois dos quais ganhadores do Prêmio Jabuti.

Fosse a tempestade algo do passado ou que estivesse ocorrendo em outro planeta observável por telescópio, o livro encantaria o leitor pela variedade, profundidade, complexão e coerência do quadro geral retratado através de exames tão diversos.

Para além da diversidade, dois pontos chamam a atenção na maioria dos ensaios. O primeiro é o papel fundamental do atrofiamento do pensamento, causado por múltiplos fatores de âmbitos diversos, na formação da tempestade. O próprio livro, portanto, exemplifica a saída para o mal que diagnostica. O segundo é a impressionante correspondência entre o quadro geral traçado e o caso particular do governo Bolsonaro, somente poucas vezes diretamente aludido nos capítulos. Esta correspondência se tornou ainda mais notável após dois eventos posteriores à preparação do livro que colocaram o Brasil no olho do furacão: a derrota de Trump nas eleições norte-americanas de novembro do ano passado e a gestão bolsonarista da pandemia.

Uma última observação sobre o título: a modalização temporal “ainda” pode dar a falsa ideia que o conjunto dos ensaios aponta para um fim próximo da tormenta. Ao contrário, o pessimismo predomina. O tempo histórico não tem a velocidade do tempo meteorológico. Entretanto, como também não vai tão devagar como o tempo geológico, talvez possamos buscar alguma esperança no nosso grande pessimista Machado de Assis, alterando e direcionando ao neofascista o sentido do que escrevia no capítulo 135 das Memórias Póstumas: “não [busque] no olhar de hoje a mesma saudação do olhar de ontem, quando eram outros os que encetavam a marcha da vida. … Tempora mutantur. Compreende que este turbilhão é assim mesmo, leva as folhas do mato e os farrapos do caminho, sem exceção nem piedade […]. Espetáculo, cujo fim é divertir o planeta Saturno, que anda muito aborrecido”.

Redação

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