Casas II, por Maíra Vasconcelos
Algumas casas parecidas a abrigos em armários escassos de hospitalidade. Algumas casas propícias ao entendimento das raivas e desbordes. Nós que construímos casas para não serem muros, mas às vezes para nos fecharem. Nas casas criamos saudades de útero ao olhar o passado pela fechadura. As casas que estabelecem ordem nas ruas, uma casa após a outra, as casas de cada país, de acordo ao clima, as casas das regiões norte e sul, e todas elas tão concretas e fixas frente ao fugaz divinal. A estrutura material de toda casa faz ruir o teor de Deus e qualquer outro misticismo.
Casas que superam nossos corpos e tornam-se imposições de identidades. Sempre alguém ingressa à casa após pisar o campo, ao chegar do estrangeiro, após o banho de mar, e todos trazem mudanças nas solas dos pés e a exterioridade gastada. A necessidade de se rever nas casas, apertar as mãos, reconhecer os cheiros e as peles e também as bochechas levemente encostadas, a necessidade pelas expressões caseiras e em dar satisfação aos cômodos e a cada dobradiça.
Casas destruídas e refeitas por novas inspirações urbanas, arquitetos pensantes, reformas bem calculadas para o futuro, tal como desejar uma flor morta depois querer ressuscitá-la. Casas que não são naturais e nem sempre têm luz, mas podem ser iluminadas dependendo do corpo e do espírito.
Toda casa se esgotará, seja no verão, seja na primavera, a cama fria quente, os amantes de costas e beijados. As pedras a serem amassadas na cozinha, todas essas coisas magníficas de alimento e alma. Uma brecha de poeira no chão do quarto e uma fenda de comunicação na sala. Tudo isso nas casas às vezes vazias de adornos, mas nunca desprezadas, sempre à espera da renovação pela morte que se despede e fecha a porta. Casas que em aglomeradas fases da vida emprestam espaços e espelhos para se chorar e delirar em cada um dos doze meses funcionais. Nas casas, todos os corpos sempre bem-acabados e cômodos ao fundo de si mesmos.
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