Enviado por Gilberto Cruvinel
A sardinha é um verdadeiro símbolo português, “mais do que um pitéu gastronômico”, segundo J.M.A. colaborador do jornal eletrônico Lifestyle Sapo. A pequena sardinha sustentou muitas populações, sobretudo rurais, pulou para a literatura, canções, contos, jogos populares, pregões e festejos. O tradutor português João Roque Dias conta o episódio de quando ensinou ao embaixador americano, recém chegado a Portugal, como degustar a iguaria.
Da diplomacia da sardinha
por João Roque Dias
Faz hoje uns anos, fui convidado para uma sardinhada. Casa grande, daquelas mesmo grandes, piscina quase olímpica, garagem para 4 carros e guarita de segurança na alameda de acesso. Imaginei que o contador da electricidade devia rodar como um motor de helicóptero.
Numa das mesas montadas no jardim, calhou-me de vizinho o embaixador dos EUA, recentemente chegado a Portugal. Conversa de ocasião, onde aprendeu inglês, yes, we are liking it here, coisas assim.
Estava o extraordinário e plenipotenciário a arrumar as sardinhas no prato, muito arrumadinhas para não conspurcarem a salada, e a preparar-se para espetar o garfo e a faca numa sardinha para a “esfolar”, quando deixei escapar um sorrisinho, daqueles mesmo escarninhos.
O extraordinário olha de lado para o meu prato e quando lá vê uma sardinha em cima de uma fatia de pão, não se aguentou:
— So, that’s how you do it?
— Yeap. Allow me to show you, Mr. Ambassador.
E lá lhe fui explicando o ritual do pão e da sardinha, do fio de azeite, da gordura da sardinha a ensopar o pão e como depois de quatro ou cinco sardinhas no mesmo pão, a fatia come-se sozinha, a valer por uma sardinha.
— And, you eat the skin?
— Of course, meu caro. As brasas fizeram o milagre…
Bom aluno, foi buscar pão, fez como o bárbaro lhe tinha ensinado e, quatro sardinhas depois, vi-o deglutir o pãozinho bem molhadinho, com um olhar de quem tinha acabado de entrar no céu.
— Don’t forget the wine, Mr. Ambassador.
Ele, bem-mandado como era, não se ia esquecendo.
— Damn, that’s a good wine. (como sabemos, 3 ou 4 copos de um bom tinto libertam a língua).
E até ao fim do jantar, lá andou ele de mesa em mesa, com uma sardinha em cima de uma fatia de pão, a ensinar aos outros bárbaros, muitos também plenipotenciários, como se comiam sardinhas assadas:
— See, that’s how you do it. Never mind the fork… Yes, it’s a mess, but that’s how you do it.
João Roque Dias, Tradutor, Lisboa, Portugal.
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