J’Accuse, por Wilson Ramos Filho

É incrível a semelhança das atitudes do aparato repressivo francês, e da população que o apoia, com muitos aspectos da operação LavaJato.

J’Accuse

por Wilson Ramos Filho (Xixo)

Paramos para um sanduba ao sair do Museu da Fotografia, no Marais, pertinho da Igreja de Saint Paul. Fran e eu, há uns dez anos. Entrou um sujeito descabelado, baixote, pantufas, calça de flanela xadrez, moletom desbeiçado e um roupão xexelento desses de sair do banho. Pegou sua baguette com tudo que havia e se foi. Era Roman Polanski. Contei ao meu filho quem era a figura.

Hoje fui assistir seu mais recente filme. Conta a história do Capitão Dreyfus, acusado injustamente de traição no final do século XIX. Era judeu. O que se viu na Alemanha três décadas depois já se fazia presente na França da Belle Époque.

O caso adquiriu repercussão universal quando Émile Zola, escritor e jornalista, publicou no jornal L’Aurore um libelo acusatório da alta cúpula do exército, dos poderes constituídos, da Presidência da República. Os fatos são conhecidos. Não vem ao caso estragar aqui o prazer de quem não os conhece em detalhe. É um daqueles filmes imperdíveis que merecem ser vistos mais de uma vez, para apreender-lhe os detalhes.

É incrível a semelhança das atitudes do aparato repressivo francês, e da população que o apoia, com muitos aspectos da operação LavaJato. Lá como aqui, estava claro que o acusado era inocente, mas insistiam em manter as aparências, para não desmoralizar o “sistema de justiça”. Os algozes acreditavam que seus micropoderes seriam eternos, exibiam a soberba dos inimputáveis. Não foi bem assim.

A reconstituição de época está impecável. O filme mantém a tensão dramática intercalada por cenas luminosas, evocatórias de Renoir o pintor mais importante naquele contexto.

Só consegui entender a escolha do autor principal, o algo bufão Jean Dujardin, nas últimas cenas, quando Dreyfus visita o militar, interpretado por Dujardin, que o havia defendido enquanto estava preso na Ilha do Diabo, na Guiana, agora Ministro do governo que sucedeu o anterior. Atentem. Faz sentido.

A interpretação dos autores é convincente, com uma ou outra exceção (Emmanuelle Seigner, sua mulher, como destaque negativo). Bem diferente dos desembargadores do TRF4, no caso Lula, canastrões, inverossímeis na simulação de imparcialidade. A semelhança entre as duas farsas judiciais é impressionante. Roman Polanski, assim como Leonardo DiCaprio, deve ser um agente do marxismo cultural, concluirá um fã do marreco subletrado de Maringá.

Concluo essa breve reflexão com Zola: “Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice. Mes nuits seraient hantées par le spectre de l’innocent qui expie là-bas, dans la plus affreuse des tortures, un crime qu’il n’a pas commis”, em J’Accuse.

Ao sair do cinema, ávido por um copo de vinho, condição necessária para a avaliação rasa de tão profunda experiência estética, não encontrei nenhum baixinho narigudo elegantemente trajado com roupão de banho.

Wilson Ramos Filho (Xixo), presidente do Instituto defesa da classe trabalhadora (11.12.2019)

Redação

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