Metaficções, por Homero Fonseca

Um exercício radical de intertextualidade

Metaficções

por Homero Fonseca

Acordou de uma noite de sonhos intranquilos e viu que o dinossauro continuava lá esperando Godot, cumprimentou as meninas e, em seu desassossego, decidiu escrever um livro com suas memórias póstumas, em que fingia que sonhava, quando na realidade, sonhava que sonhava perto do coração selvagem da moça nuinha tomando banho, sem orgulho nem preconceito.

Começou aí sua odisseia, aos pés de uma montanha mágica num vasto campo de centeio, porém havia uma pedra no meio do caminho, uma pedra de nascença, e ele se desviou pelas veredas dos grandes sertões, evitando o coração das trevas e o deserto dos tártaros, como se estivesse de fogo morto com uma navalha na carne.

Entre guerra e paz, depois de mil e uma noite em busca do tempo perdido amargou cem anos de solidão no país das maravilhas e, observando a vida como ela é, cercado pelos miseráveis e, em dúvida na tragédia burguesa entre ser e não ser, sentiu-se um aleph, um engenhoso fidalgo, um idiota uivando para a Lua, no dia da morte de Ivan Ilitch.

Candidamente, acreditou que o sol era para todos na terra desolada, embora, como o estrangeiro, tenha dado adeus a todas as armas, admirado com o mundo novo que surgiu em 1984, enquanto as voltas do parafuso davam-lhe náusea numa longa jornada noite a dentro, conduzida por velhos marinheiros num bonde chamado desejo cheio de som e fúria.

Nas vinhas da ira, ouviu sermões e fez confissões, em pleno trópico de câncer, escapou dos ratos e de uma flechada do guarani numa lavoura arcaica e depois seguiu on the road por cidades invisíveis, como um lobo da estepe sem qualquer reparação, qual um rei apaixonado pela própria mãe, e deu um beijo na mulher aranha.

Sem temer o tempo nem o vento, num calor de 451 graus fahrenheit voou num pavão misterioso até a pedra do reino a leste do Éden, desejou feliz ano novo e grandes esperanças às vidas secas da comédia humana e, sabendo que não veria país como esse, deu um viva ao povo brasileiro!

Homero Fonseca é pernambucano, escritor e jornalista, formado pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi editor da revista Continente Multicultural, diretor de redação da Folha de Pernambuco, editor chefe do Diario de Pernambuco e repórter do Jornal do Commercio. Foi também professor de Teoria da Comunicação e recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Atualmente, dedica-se à literatura e mantém um blog em que aborda assuntos culturais.

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