Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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No aniversário da ex-presidenta Dilma Rousseff, por Urariano Mota

Vem dela uma história política, uma memória, um bem-querer que é consequência dos valores mais altos pelos quais valem a pena estar vivo.

Dilma Rousseff – BRICS

No aniversário da ex-presidenta Dilma Rousseff *

por Urariano Mota

No dia 14 de dezembro, Dilma Rousseff completa 76 anos de idade. 

Mas ela não descansa, é sempre surpreendida por voltas e revoltas da vida que exigem uma resposta. E ela tem respondido. Ainda na véspera do seu aniversário, circulou um vídeo em que ela se viu obrigada a responder a uma provocação. No avião, uma voz questiona Dilma Rousseff, atual presidenta do Banco do Brics:

– De primeira classe?

Com presença de espírito, Dilma responde:  

– Lógico, querida. Eu sou presidente de banco. Ou você acha que presidente de banco viaja como?

O vídeo pode ser visto aqui e em todos os lugares da internet, porque viralizou, como dizem hoje:  

Para esse momento do vídeo, faço a ligação com o que escrevi uma vez sobre outra imagem, a do seu retrato de juventude:

Há uma foto de Dilma em que a imagem é bela porque é verdadeira. Para falar dessa foto seriam necessários muitos artigos definidos em textos, poemas e palavras de ardor e reflexão. Na imagem de óculos pesados, em preto e branco, Dilma se une a outras mulheres que vimos nos malditos tempos de 1970. Mas eram mulheres de tal altura, que ficamos à beira de cair em novo paradoxo: o de querer que voltem suas pessoas daqueles anos, mas sem a infâmia das circunstâncias e pesadelo daquele tempo.

Em lugar da pura orquídea pura pétala, de cor fresca e fugaz, a Dilma na sua foto remete mais à pessoa mesma, de carne e luta, determinada em alcançar um mundo além do interesse de mocinhas bonitas de sua classe, aquele que se podia resumir em três cês, como o velho CCC: Carro, Casa e Carreira. Em preto e branco, como um filme de roteiro de Semprum, vemos uma Dilma que vislumbramos em 1970, multiplicada em outras à sua semelhança, que cresciam como guerreiras, e por isso se tornavam mais fêmeas. Como uma, a quem dei o nome de Selene, no romance “A mais longa duração da juventude. No Recife, em plena censura e terror ela falava aos companheiros que a cercavam:

– Eu sou subversiva! Eu quero virar este mundo de cabeça para baixo.

E lembro que ouvíamos isso, e tal ordem mais alta calava fundo no peito de todos, pois também não encontrávamos lugar naquela ordem/desordem da ditadura. Aquele “Eu sou subversiva” se transformava em um sentimento, que nos dizíamos em voz silenciosa e perfurante: “ela tem a coragem de avançar contra a injustiça que nos sufoca. Que mulher!”

Naquele momento em que víamos mulheres à imagem e semelhança de Dilma, nós não podíamos prever, sequer sonhar com o Brasil em que uma delas subiria para a presidência. E menos ainda, delírio do sonho dos sonhos, que ela fosse reeleita. Pois como podíamos prever o pássaro que canta agora, neste 2023 no jardim, em 1970? Sentíamos apenas os abalos que nos davam pessoas desse fogo, e não sabíamos interpretá-las, porque em nós se misturavam admiração, amor e força além dos limites da própria covardia.

Essa Dilma em preto e branco, de óculos pesados, em resumo, é a pessoa/mulher com quem todos crescemos. Ela é uma sobrevivente, como todos nós, como, enfim, todo o povo brasileiro. Como não salvá-la de todos os assaltos das múmias da ditadura? Como não guardá-la, como um bem precioso, contra os velhos de todos os preconceitos de classe? Fazemos isso não por dever, mas por uma defesa da cidadania do nosso sonho. Estamos vivos, bulindo e loucos de emoção. Quem diria? Há um gozo imenso em sobreviver tendo posto em risco a sobrevivência. Como não saudá-la?

Vem dela uma história política, uma memória, um bem-querer que é consequência dos valores mais altos pelos quais valem a pena estar vivo. Dilma confirma a sua beleza quando afirmou com voz embargada no palanque em Brasílai Teimosa, no Recife:

– Não desisti do Brasil nem quando fui presa e torturada, porque este País é muito maior que um bando de ditadores. Não mudamos de lado, nem de compromisso.

A multidão mostrava que Dilma era amada pelo povo do Recife. O povo lhe dava uma afeição que já deixara de ser política, virou um caso pessoal. Ela havia virado o nosso caso na República. O povo, no centro do Recife, em pleno comício se comportava como se falasse para ela: “Dá licença, presidenta, o povo pede a sua mão”. E ela respondeu e correspondeu:

– Eu amo vocês, esta é a primeira coisa que eu queria falar. A segunda coisa é que eu nunca vi na minha vida um ato tão bonito, tão alegre, tão carinhoso como este.

Na campanha eleitoral para a presidência do Brasil, Dilma poderia falar o que quisesse. Poderia cantar “o cravo brigou com a rosa”, e todos aplaudiriam. Poderia ficar diante do microfone repetindo “sapo-sapo-sapo-sapo”, e o povo iria ao delírio. Diriam, “como ela fala bem sapo-sapo-sapo!”. Sabem aquele afeição conquistada, que vê em tudo quanto vem da pessoa amada a coisa mais linda?

Lembro que uma senhora do povo me falou com a voz rouca, atravessada: “quando Dilma passou mal, depois daquele debate na televisão, eu fiquei… olhe, eu fiquei…” e não conseguia completar a frase, porque a lembrança lhe voltava em forte emoção.

E porque eu a compreendia eu pensava em lhe falar na língua de imbu, mangaba, graviola, cajá, azeitona, pitomba, abacaxi, goiaba, maracujá, manga, cana doce, numa fala de salada do Nordeste. Mistura de tudo, porque o povo mais misturado que já vi numa eleição estava presente.

No final, depois do comício, corremos feito loucos para flagrar a passagem da presidenta, que sairia por trás do palanque. Eu não era mais um cidadão de cabelos brancos, barrigudo, de fôlego curto, a léguas de distância de atleta de qualquer condição, que nunca fui.

Eu era, todos éramos, voltávamos a ser mais uma vez meninos. Éramos a infância do que manda o coração. A presidenta entendeu a nossa meninice. Na passagem, ela nos enviou 2 beijos. Naqueles 2 beijos fugazes estava escrito: “Como prova de carinho, amor e amizade”. Assim era a frase no verso das fotos 3 x 4, com que os namorados prometiam uma afeição eterna no Recife.

E agora, na véspera dos seus 76 anos, é provocada de modo tão estúpido. Melhor ficar quieta, direita do Brasil. Vocês nem imaginam que Dilma nasce e renasce. Todos os dias

*Vermelho https://vermelho.org.br/coluna/no-aniversario-da-ex-presidenta-dilma-rousseff/

Urariano Mota – Jornalista do Recife. Autor dos romances “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude”

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Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

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