Passeando pelas memórias, por Izaías Almada

Eduardo Kobra – foto de Ricardo Cyrillo, prefeitura de Sorocaba

Passeando pelas memórias

por Izaías Almada

Passado o susto maior até agora, porque o cheiro nauseabundo do governo do falso Messias ainda deixa no ar alguma preocupação, já é possível ir liberando a memória e a criatividade para assuntos mais relevantes, quer sejam individuais ou coletivos.

Essa situação me traz à memória uma observação muito pertinente, aliás, do grande diretor de teatro Augusto Boal quando encenou no Teatro de Arena um clássico da dramaturgia universal de Nicolai Gogol, “O Inspetor Geral”.

Ao analisar a característica dos personagens da peça, Boal afirmou o seguinte, entre outras observações: “Estamos diante de ladrões, corruptos, gente cruel, mesquinha… Gente habituada aos seus hábitos. São hábitos e, portanto, nada têm de monstruosos, se vistos segundo a perspectiva dos habituados. Os costumes monstruosos de certos povos só são monstruosos porque são de outros povos. Os monstros não se reconhecem monstros: e não o são, vistos por si mesmos, entre si mesmos…”

Alguma semelhança com o que se passa no Brasil dos últimos quatro anos e, sobretudo, nas últimas três semanas depois da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

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Já podemos fazer as primeiras comparações entre a civilização e a barbárie. Muitos leitores, com certeza devem ter visto o discurso do presidente Lula em Portugal, onde foi recebido com grande simpatia pelo governo português.

Discurso feito de improviso, onde a clareza das ideias e a compreensão do que representa a sua eleição nesse momento de turbulências no mundo político e econômico, dá-nos a sensação de que foi eleito no momento certo para a tarefa certa, ou seja, limpar o pântano merdoso a que um governo de irresponsáveis e aloprados tentou fazer do Brasil um covil de larápios, escondidos por trás de um assim chamado de “orçamento secreto”.

Para os mais novos, ainda não familiarizados talvez com a história política brasileira, uma situação em muitos aspectos semelhante se deu no governo de Getúlio Vargas, na primeira metade dos anos 50, quando foi hostilizado pela extrema direita, suicidando-se com um tiro no coração, mas consciente – como escreveu em sua carta testamento – “que deixava a vida para entrar na História”.

E entrou… Criador da Carteira de Trabalho, da Petrobrás, do Instituto Brasileiro do Café, entre muitas outras obras, costumava iniciar seus discursos com um bordão que ficou famoso por anos: “trabalhadores do Brasil”.

De déspota a um nacionalista liberal, Vargas foi o presidente mais longevo da nossa história, sendo também combatido por grupos militares.

O tempo passa e a história política brasileira continua atada a uma espécie de síndrome da colonização, com os novos senhores de terras, apoiados por seitas religiosas e forças policial-militares a seu serviço e cobrança de elevados juros bancários, tornam o país uma espécie de colcha de retalhos ideológica, onde já ninguém entende ninguém…

O Brasil que trabalha ainda está sob ameaças… O Brasil que estuda ainda está sob ameaças… O Brasil que pensa ainda está sob ameaças…

De 1889 a 2022 a História já nos ensinou mais do que o suficiente, mas não aprendemos!

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro. Nascido em BH, em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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