Travessia, por Izaías Almada
Meu caminho é de pedra
Como posso sonhar…
(M. Nascimento & W.Tiso)
No texto abaixo está a parte final do prólogo onde dou uma palinha das minhas memórias, escrita a que me dedico no momento:
Eu cheguei aos oitenta e um anos de idade ainda há pouco e, mesmo contrariado por muitas leituras e reflexões, me convenci sobre as regras do jogo: numa sociedade sustentada pelo cinismo, pela hipocrisia, pelo sucesso pessoal a qualquer preço e, sobretudo pelo dinheiro, o crime compensa!
Que o digam os grandes empresários, os banqueiros, a classe média aloprada e inculta, os novos ricos, os políticos de meia tigela, a massa ignara, os legisladores e os juízes de direito, dos mais variados tribunais espalhados pelo país e também pelo mundo.
Contudo, o jornalismo e a publicidade, embora tenham consumido uns vinte anos da minha existência, não deixaram de ser periféricos, por assim dizer, pois meus grandes amores desde a adolescência e primeira juventude foram e ainda são o teatro, o cinema e a literatura. E não necessariamente nessa ordem.
Para não cansar o leitor e, quem sabe, torná-las até mais divertidas e palatáveis, dividirei essas minhas memórias em dois tempos, esperando com isso construir uma narrativa mais agradável.
Na primeira parte, criarei um personagem para mim mesmo, a quem chamarei de Pedro, nome retido em minha memória desde o tempo em que meu pai me levava à igreja metodista e lá me obrigavam a ler muitos versículos bíblicos: “Pedro, tu és pedra e sobre essa pedra edificarei a minha igreja”.
Anotem aí, portanto: nessa primeira parte Pedro, Pedro do Vale Almada (se quiseram e Fernando Pessoa não se importar), esse será o meu heterônimo. Para isso usarei a terceira pessoa do singular e a nostalgia da infância e da adolescência.
E depois, na segunda parte como nessa introdução, com a memória dos muitos anos, sobretudo os mais recentes, a narrativa será feita na primeira pessoa.
E atenção, caro leitor, por mais que eu busque a isenção, o relato fidedigno, o respeito ao sentimento alheio, ainda que tal respeito seja por vezes falso, como costuma ser usual entre todos nós, hipócritas ou não, a memória é por demais subjetiva para deixar de ser cruel.
Cruel para mim e para todos aqueles, que de um modo ou de outro, passaram pela minha vida.
Vamos a elas, às memórias, pois…
Aos que já morreram, peço perdão por alguma inconfidência que, com toda certeza, poderão conter um ponto de vista diferente do meu. E, por consequência, um direito à defesa e ao contraditório.
Aos que ainda estão por aí, enfrentando a merda de um mundo cada vez mais abandalhado, canalha e hipocritamente ético, poderão – caso não concordem com o meu ponto de vista sobre muitas das questões – escrever o seu contraditório, pois de outra coisa não é feita a vida. De pontos de vistas conflitantes e cada vez mais irrelevantes.
A dialética ou a construção do pensamento dialético começou com filósofos da Grécia antiga e foi através dos tempos, entre outros pensadores, usada por Karl Marx no século XIX sobre a ciência econômica e algumas das ideologias daí advindas.
A teoria dos contrários: tese, antítese e síntese.
A síntese se transforma em nova tese, a que se contrapõe nova antítese e daí por diante.
Não me preocuparei com a cronologia exata dos fatos aqui narrados, guardadas algumas exceções. O que importa é o que esses fatos dizem e o que significaram para mim e, muito provavelmente, para os da a minha geração.
Todo o resto, nessa Idade da Cibernética, é pura Inteligência Artificial que, como diz o grande cientista brasileiro Miguel Nicolélis, não é nem inteligência e nem artificial!
Artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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