A barca dos paranóicos do idioma, por Gilberto Cruvinel e Fernando Venâncio

A barca dos paranóicos do idioma

por Gilberto Cruvinel e Fernando Venâncio

Na conversa diária sempre instrutiva e desmistificadora sobre os rumos da língua portuguesa com meu querido amigo, o historiador português da língua Fernando Venâncio, recebi dele a reflexão que segue. Na sequência fiz o meu comentário sobre a situação deste lado do oceano.

 

Fernando Venâncio:

OS PARANÓICOS DO IDIOMA
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Está mais que visto. Os paranóicos do idioma não deslargam. Existem até grupos no Facebook onde pontapeiam que é um espectáculo. Ai! Ui! “Isto é feio”, “Isto é inestético”, “Horrível, horrível!”, “Não foi assim que aprendi”, “Isto não é lógico”, “Até fere os ouvidos”, “Soa-me mal”, “Soa tão mal!”

Por vontade deles, o Português seria posto, hoje ainda, na mesa de operações, esquartejado e reconstruído. Com lógica. Com bela sonância. Com régua e esquadro.

Mas até isso é racionalização nossa. Por eles, desejam é mostrar-se refinados, desenvoltos, exigentes, e oh tão perspicazes. E desejam sofrer, sofrer, sofrer. Ter alguma coisa muito aconchegante, muito queriducha, pela qual sofrer muito. E este idioma, de que mal conhecem a factual realidade, porque nunca sobre ele reflectiram, presta-se a tudo isso, tão fofinho, tão vulnerável ele é. E tão prestável para apertar ao peito e sufocar.

Temos de fazer frente a estes fiteiros. Cantar-lhas na cara. E mandá-los para outra banda a acirrar hostes amigas. 
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P.S.
Este desabafo não teve um pretexto. Teve muitos pretextos. Todos demasiados.

 

Gilberto:

Ao mandar-lhes a outra banda a acirrar hostes amigas, Fernando, meta-os numa grande barca que refaça a viagem de Cabral e aporte em dois ou três aconradouros da Terra de Santa Cruz. Por aqui essa barca da nostalgia recolherá algumas dezenas de assemelhados brasileiros, saudosos dum idioma que nunca existiu.

Ao primeiro ancoradouro, estará o comandante do inferno dos acordos ortográficos que começará assim o seu pregão de chamar os puristas da língua:

À barca, à barca, venham lá!
Que temos gentil maré!

À barca, à barca, hu-u!
Depressinha, que se quer ir!
Oh, que tempo para partir,
Louvores a Belzebu!

Na categoria daqueles que são os passageiros brasileiros da barca da nostalgia da língua que nunca foi há aqueles que insistem em afirmar que os portugueses falam corretamente e os brasileiros são uns bárbaros a escangalhar com a língua de Camões. E aí a colocação dos pronomes pelos portugueses (e até, ai que riqueza, as criancinhas portuguesinhas, que lindinhas, sabem fazê-lo) é o tema preferido. Um exemplo fresquinho, colhido ainda hoje no  jardim do sr. Zuckerberg:

” Observar as crianças portuguesinhas falando com a conjugação perfeita dos verbos e a concordância irretocável dos pronomes é a coisa mais linda que existe. Acabei de ouvir esta proeza de uma garotinha de uns 4 anos. 

“Mãe, vem ver estes peixinhos a nadar no lago? Dá-me imenso medo.” “

 

O que ME DÁ imenso medo é a barca dos paranóicos do idioma.

 

 

Redação

2 Comentários

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  1. Mais um dado:

    Quem fala a língua de Camões? Nós ou os portugueses?

    Quem sou eu para responder a esta pergunta. Minha resposta não é baseada em conhecimentos. Não sou letrado em letras, mas amo poesia. Só peço que comparem um brasileiro e um português falando poemas de Camões, e digam qual dos dois consegue o melhor efeito, no que se refere ao ritmo e à rima. E depois respondam.

     

     

    1. Foi a fonética do português europeu que mudou

      O português europeu (doravante PE) mudou bastante a partir do Séc. XIX, passou a ser uma língua de ritmo muito mais acentual, com maior reduçao vocálica, ao passo que o dito português brasileiro (PB), que na verdade já é uma outra língua diferente do português, tem um ritmo muito mais silábico. Os versos de Camões lidos por portugueses atuais ficam de pé quebrado, por causa da perda de algumas sílabas.

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